Bárbara Tinoco: “Posso parecer querida e fofinha, mas sou periférica”

Não sabe viver sem a escrita, assume-se pop star, orgulha-se de compor algumas das letras e músicas mais conhecidas dos portugueses. Em 2021, esgotou os Coliseus. Agora, prepara-se para conquistar, de novo, Porto e Lisboa. A poucos dias do lançamento do segundo álbum, crê em coincidências, mas garante que os sonhos são mais para construir do que para sonhar.

Bárbara, ruivíssima, está empoleirada no topo da cúpula central do Campo Pequeno. Posa para o fotógrafo, com graça e segura, sob o céu de Lisboa, a cidade onde nasceu. Nunca o medo a impediu de aceitar desafios. Pouco vestida, desdenha do vento frio que se faz sentir nas alturas, fatal para a voz. “Depois de um videoclipe filmado há dias em Aveiro estou preparada para qualquer temperatura mínima.” A primeira parte da entrevista foi feita no camarim, enquanto a maquilhavam. A segunda, após a longa sessão fotográfica. É pequenina e perspicaz. “Tenho este ar meio infantil e querido, mas cuidado: sou do Cacém.” Ri com gosto, responde com rara franqueza. Vende energia. Fala muito e depressa, porém nada do que diz é em vão. Desde logo o desejo expresso no miradouro do edifício: “Isto é lindo. Quero fazer aqui um jantar romântico com o meu Bichinho”. E quando ela decide, está decidido.

O seu próximo disco, o segundo, chama-se “Bichinho”.
Há um duplo sentido. Neste disco novo escrevi muitas canções com o meu namorado (o músico Feodor Bivol), a quem trato carinhosamente por Bichinho. De resto, uma das canções tem esse título. Por outro lado, este trabalho anda muito à volta dos meus gatos. O meu novo disco tem gatos, gatos, gatos, até o miar deles está presente.

Que novidades traz?
Dá a conhecer mais um bocado de mim. Conta histórias que nunca contei e que precisava mesmo de escrever. Tal como o primeiro, é um disco muito honesto, feito por vários produtores e, por isso, com sonoridades diferentes. Gosto disso. Não queria um disco que parecesse uma grande canção.

Confessou em entrevista que há canções que escreve a chorar. Aconteceu neste disco?
Acontece sobretudo quando são coisas que queremos dizer pela primeira vez a alguém. Por vezes há coisas que queremos dizer à outra pessoa, que por acaso é a pessoa que está a escrever aquela canção connosco, que se calhar nunca lhe dissemos em voz alta ou com tanta clareza.

Por exemplo?
Feodor e eu tivemos um início de relação conturbado – quem nunca teve? “Diz-me que eu comecei tudo, mas que de nós os dois tu foste o mais sortudo”, ou seja diz-me que todos os momentos difíceis que tivemos valeram mesmo a pena e que tu te sentes sortudo aqui. Escrevi essa canção a chorar. Foi muito difícil.

Não teme dar os primeiros passos.
Medo nenhum. Tenho uma canção em que digo que os sonhos são mais de construir do que de sonhar. Acredito mesmo nisso. É preciso dar passos.

Mas crê em coincidências?
As coisas acontecem quando e porque têm de acontecer. Isto foi sempre verdade na minha vida. A minha família é muito religiosa e cresci a sentir isto. Apesar de ser muito pouco religiosa hoje em dia, este pensamento ficou-me. As coisas acontecem porque têm de acontecer. E ainda que fiquemos muito tristes no momento, virá a altura em que, pensando em retrospetiva, dizemos “ainda bem que não foi de outra forma”.

Em que ficamos: os sonhos são mais de construir ou há um guião escrito?
As duas coisas são fundamentais e devem coincidir. Para que as coisas aconteçam temos de trabalhar, fazer o melhor que pudermos, de nos rodear das pessoas certas.

E quando não obtém o que quer?
Fico um bocadinho devastada. Porque sou um bocadinho insegura. Por exemplo, fazer um segundo disco foi a maior prova de insegurança que podia dar.

Como assim?
Porque sentia que já não sabia fazer canções, que todo o talento que poderia ter tido estava acabado. Que tudo o que escrevia estava, perdoem-me a expressão, uma merda. Que já não sabia fazer nada.

A chamada “síndrome de impostor”. Ou autossabotagem.
A última canção do meu disco chama-se precisamente síndrome de impostor.

Achar que não se é capaz, não se tem valor.
Pensar “olha, tenho o Campo Pequeno esgotado, e estou a enganar oito mil pessoas porque o meu segundo disco é uma porcaria”.

Diz numa das canções que já não escreve nada de jeito há meses. Acha mesmo?
Foi uma fase da vida. Nesse momento senti que só podia ser honesta se escrevesse sobre o que estava a sentir. Aliás, quando acabo de escrever uma canção, acho sempre que está uma porcaria. Por vezes, no dia seguinte, acho que não está assim tão mal. (ri)

É muito nova, mas já tem cinco anos disto.
E a insegurança mantém-se. Gostava de ter mais autoconfiança. A que me faltou quando estava a fazer o segundo disco: “Já não sei escrever canções, a minha carreira acabou. As pessoas estão na mesma a comprar bilhetes e a agir como se nada se passasse, mas a carreira acabou”.

Essa insegurança revela-se apenas no momento da escrita?
A escrita é a parte mais importante para mim. Sei que sou mesmo compositora e, portanto, é aí que me sinto impostora, que sinto que tinha capacidade para escrever uma canção melhor. No palco, dou o meu melhor, mas sei que não sou um animal de palco. Mais do que preencher o palco, há quem possa dizer nasci para isto, para estar aqui, sou palco. Ora, eu não sou palco.

Em palco, descobriu que tinha braços. Mantém esse desconforto?
Estou cada vez mais à vontade, mas continua a não ser o lugar mais confortável do Mundo.

Apesar de alguma insegurança pode dizer a si mesma “sou o que sou e está tudo bem”?
Sou como sou e está bem, mas há coisas que quero trabalhar em mim. Fico mesmo triste quando sinto que não consigo escrever canções. Quando apago de imediato o que escrevo. Quando acho tudo horrível e sinto vergonha de mostrar o que vou fazendo seja a quem for. Já passei por duas fases destas. A última foi ultrapassada quando escrevi “Chamada não atendida”.

Um hit.
Mesmo assim, a minha primeira mensagem para o produtor foi: “Olha, não é nada de especial, mas queria tanto trabalhar contigo que decidi entregar-te uma coisa”.

Quando passa a gostar do que faz?
Só adoro as minhas canções quando o público as adora. Se ninguém gostasse das minhas canções, eu acharia plenamente que tinha péssimo jeito para escrever canções. Quando as pessoas dizem que adoram “Chamada não atendida”, aí sou capaz de dizer que é uma grande canção. Preciso que o público me diga que é uma grande canção.

Porque é que escreve?
A minha mãe diz que antes de saber andar sabia dizer frases completas. Escrevi os primeiros poemas mal comecei a saber escrever. É a minha forma de comunicar. Sempre amei canções, sempre amei escrever. Não consigo pensar em mim ou na minha existência sem escrever canções.

E cantar. Porque é que canta? Só porque tem boa voz?
Deixe-me ver. Acho que comecei a cantar, e que canto, porque quero conseguir traduzir as minhas ideias para letras e melodias. Ou seja, nunca quis muito ser cantora. Eu queria ser compositora. Mas para experimentar as minhas ideias tinha de cantar. E afinal as pessoas até gostam de me ouvir.

Fala muito depressa e, confesso, a voz é muito mais bonita cantada do que falada.
(Ri) Compreendo. “Cala-te um bocadinho, Bárbara, já não posso ouvir a tua voz”, dizia a minha mãe quando eu era miúda. Sim, a voz falada é um bocadinho irritante.

Ouve-se muito a si própria?
Quase nunca. Se me apanho na rádio, mudo de estação. Gravações ao vivo, tenho medo de desafinar. A única altura em que ouço a minha voz é no estúdio e até as canções saírem. Depois de saírem, não.

O que gosta na sua voz?
Acho que tenho um timbre reconhecível. Não é uma grande voz, mas consigo falar, comunicar, cantando.

Pode dizer-se que foi aprendendo a cantar ao passo que a escrita é intuitiva?
É isso. Comecei a escrever para rimar. Divertia-me brincar com as palavras. Recebi uma herança de dois avós: um cantor e um poeta. Sou a neta do Tinoco e do Machado. Se conhecessem os meus avós saberiam por que sou assim.

O que faz melhor: cantar ou escrever?
Escrever. Escrever é a minha terapia. Diria assim: preciso de escrever e gosto de cantar.

Se não cantasse era menos feliz?
Se me perguntasse há dez anos a resposta seria diferente. Hoje, digo que sim. Mas, sobretudo, adoro a profissão que tenho, adoro construir espetáculos, adoro pensar em ideias, cenários, na roupa, no conceito do espetáculo. E escrever. Escrever é uma necessidade. Preciso de escrever para existir. É a forma como comunico até comigo mesma. É a forma como processo as minhas emoções e o que penso sobre o Mundo.

Escreve onde?
Em qualquer lugar. No estúdio, em minha casa, no quarto, no supermercado. Ou a lavar a loiça.

Qual é o mote?
As minhas histórias, o que está à minha volta.

O que espoleta a criatividade?
Por exemplo, um homem que vi no metro de Londres, um dos homens mais bonitos que vi na minha vida. Claramente toxicodependente, a pedir dinheiro para certamente consumir. Noutra vida, aquele homem foi de certeza uma estrela de Hollywood, tinha todas as meninas da minha idade apaixonadas por ele. Escrevi uma canção sobre ele e sobre uma rapariga que nasceu num berço de ouro, que podia ter uma vida forrada a passadeiras vermelhas e discos de platina. Mas foi por outros caminhos. Estou eu a viver a vida dela. A canção chama-se “A curta vida de uma pop star”.

O que a levou para a vida dela?
“The Voice”. Não tivesse ido à televisão, não tivesse cantado aquela canção, não ligasse o meu manager ao “The Voice” e hoje a minha vida seria completamente diferente. A linha entre estar na passadeira vermelha ou no metro de Londres, a pedir, é finíssima. Eu sou do Cacém, nasci na linha de Sintra, eu podia,…sei lá, tive muitas oportunidades de experimentar tudo. Mas como sou mariquinhas, não experimentei nada. Ainda bem.

A escrita é o seu ponto forte na composição?
Sou mais forte a escrever. Ainda que com desconforto, tenho de reconhecer algumas coisas boas. Sei que consigo escrever coisas que tocam as pessoas. Escrevo com honestidade e as pessoas conseguem identificar-se.

Não tendo sido compositora poderia ter sido…
Já que estou em maré, rara, de autoelogios, devo dizer que me acho muito boa a gerir equipas. Fizesse o que fizesse, teria de mandar (ri). Mas delego. Os espetáculos do Campo Pequeno e da Super Bock Arena envolvem cerca de 150 pessoas. Muita gente para o espetáculo de uma pessoa extremamente pequenina (1,49 cm).

Tinha 13 anos quando começou a escrever, com 19 estava no “The Voice”. Pouco depois, via o seu nome em muitos lugares. Tanta exposição nessas idades torna mais difícil percebermos quem somos?
A minha família é muito especial nesse sentido. Chegas a casa ao domingo e não só não és a Bárbara Tinoco como és a menina que não acabou o curso, não tirou a carta de condução, chegou atrasada e nem sequer levou o que se comprometeu levar. Para a minha família sou essa Bárbara. Para a minha família vesti a roupa errada na televisão e cantei mal. Apoiam-me muito e também sabem ser muito bonzinhos, mas são a minha maior e pior crítica.

E com as críticas de fora?
Quando disse que é difícil participar num Festival da Canção pensava nas críticas. Na minha carreira, não tenho tido haters muito maus. Tenho haters engraçados, que fazem piadas comigo e eu rio também porque temos de saber rir de nós próprios. Mas a crítica maldosa, em catadupa, é diferente. Magoa. As pessoas falam na Internet como se estivessem a falar com os amigos, no café. Não estão. Não estou a dizer “ah, eu sou muito boazinha, não faço nada disso”. Estaria a mentir. Claro que faço. Mas não o faço publicamente nem na cara de uma pessoa para a magoar.

Crescer em frente ao público expõe também fragilidades físicas. Sente isso?
Quando estava um bocadinho mais gordinha começaram uns comentários, mas, lá está, os piores comentários vieram de casa. A minha avó disse logo, “a Bárbara não pode comer sobremesa, que está mais gordinha”. A avó que sempre me disse que eu estava magra.

Fala com muita franqueza.
Até de mais. Sou muito genuína. Mas sei que não devo dizer tudo o que penso. Nas entrevistas, por exemplo. (ri)

Fala com o público como se eles fossem os seus melhores amigos. Não irá arrepender-se?
É a minha forma de comunicar. Todas as pessoas têm uma espécie de personalidade de palco.

Qual é a sua?
É divertida. É muito parecida com a minha persona normal, apenas um bocadinho mais polida e contida. Gosto de pessoas muito terra a terra que explicam as coisas exatamente como elas são. Gosto disso. Gosto dessa franqueza. E não sou boa a guardar segredos, não sou misteriosa. O que as pessoas veem é o que sou.

Mas também diz sobre as suas letras que é boa a esconder com as palavras.
Quem conta um conto acrescenta um ponto. Escrevo de forma hiperbólica, exagero um pouco a realidade, sou um bocadinho mais dramática, mas não deixa de ser real aquele sentimento. Eu sou um bocadinho dramática e hiperbólica na vida.

Muito intensa no geral?
Sinto tudo muito. Não gosto. Ou adoro ou odeio. Quando fico irritada, estou mesmo irritada, preciso mesmo de me acalmar.

O que a irrita?
Quando uma coisa não funciona bem. Quando dou o meu melhor e a culpa não foi minha, ou quando falha por culpa minha porque devia ter-me empenhado mais.

É difícil viver consigo?
As pessoas dizem que sou muito teimosa. Considero a teimosia uma virtude, mas as pessoas à minha volta não. Compreendo.

Diz que o grande preconceito musical tem a ver com a pop. Que é música ligeira, leve.
É verdade. Dou com um certo preconceito da malta mais alternativa em relação à música que é feita para toda a gente. Sentimos esses preconceitos em colegas, nem sempre diretamente, mas também diretamente. E, por vezes, a compor com pessoas que são de uma estética mais alternativa sentimos esse choque. É uma coisa que sinto, sinto nos críticos, nos prémios.

Hoje, há várias mulheres muito jovens a compor e a cantar.
Quando tinha 13 anos, quase não tinha exemplos de mulheres a compor. Tanto que achava que nunca teria essa profissão porque eu queria ser como o Miguel Araújo, que é um homem. Hoje, as meninas que escrevem canções no quarto, como eu fazia, em vez de dizerem “ah, nunca vai dar”, podem dizer que é possível porque têm muitos exemplos.

Dentro da sua geração, que lugar ocupa?
Acho que sou uma pop star assumida.

Como olha o “meio” para si?
Como igual. Podem gostar mais ou menos, mas tratam-me como igual, com o mesmo respeito. Na minha geração somos todos muitos amigos.

Em que lugar se coloca?
Neste momento, somos três, as raparigas da pop: a Bárbara Bandeira, a Carolina Deslandes e eu. A Carolina Deslandes é a rainha da pop, a Bárbara e eu as princesas.

Tem 24 anos. Onde se vê daqui a 10?
É uma teoria minha – nesta profissão, fazes uma canção que bate e pronto, tens dez anos garantidos. No meu caso, cinco já passaram. Ainda tenho cinco. Depois, não sei. Gostava de continuar nesta área, gostava de ser manager. Acredito que o meu caminho é na música. A compor. E a cantar enquanto as pessoas quiserem ouvir-me.

Para já querem muito. Tem os próximos espetáculos esgotados.
Os meus espetáculos são sempre um bocadinho teatrais. Pois este tem ainda mais teatralidade. Não posso revelar muito mais.

Este cenário é poderoso. Já se imaginou ali, rodeada literalmente por mais de oito mil pessoas?
Há uns dias, fizemos uma visita técnica e emocionei-me. Mexe muito com os sentidos. Nunca pensei que um dia oito mil pessoas pagariam para me ouvir. Nesta sala gigante. É aquele momento em que pensas “fogo, oito mil pessoas”. Há uns meses achávamos que não íamos esgotar. Hoje, estou tão orgulhosa do concerto que montámos. Estou mesmo muito entusiasmada. Amo o nosso cenário e as novas dinâmicas.

Se alguma coisa falhar?
É usar o melhor amigo do músico: o humor. Mas espero que nada falhe.

Prefere o palco ou o estúdio?
Sou uma menina do estúdio, é verdade. Adoro fazer música no estúdio, adoro produzir, adoro compor. É tudo estúdio.

O palco representa o quê?
O medo de falhar, de desafinar, de não fazer um bom espetáculo. Medo de não ser boa o suficiente para estar em cima de um palco. No estúdio podes falhar à vontade.

E o estúdio?
O estúdio é onde sinto o entusiasmo da criação. O entusiasmo que sinto a produzir ou a criar é enorme. A concentração é enorme. Vivia naquele mundo o tempo que fosse preciso. Por mim era todos os dias.

Quais os objetivos que melhor a definem?
Criativa, divertida, teimosa, hiperbólica e periférica. Na verdade, as pessoas esquecem que eu sou da linha de Sintra. Sou.

Fale-me de ser periférica.
Ainda hoje, numa reunião, o meu manager tentava explicar onde fica a RTP. Para ele, fica ao pé da Expo. Para mim, fica em Chelas. As pessoas olham para mim e veem uma menina querida, fofinha. E eu digo, “malta posso parecer querida e fofinha, mas sou periférica”. Não sou agressiva, porém, atenção, cresci na linha de Sintra, e estudei em Monte Abraão. Nunca fui assaltada, mas essa era a realidade do meu dia a dia. Faz parte da minha personalidade. Os meus pais não tinham assim muito dinheiro, sempre vivemos bem, nunca faltou nada, estudei numa boa faculdade pública, mas sempre trabalhei. Tive 300 trabalhos. Também por ser periférica, sinto que tenho muito poucos preconceitos. Não julgo ninguém porque sei que, na mesma situação, podia fazer igual ou pior.

É boa em jogos de tabuleiro, mas, diz, falta-lhe resposta pronta. Já lhe fez falta?
Saio das conversas a pensar que devia ter dito isto ou aquilo. Sou essa pessoa. Às vezes saio das entrevistas e penso, fogo, tinha uma boa resposta para aquilo. Parva.

Não tem resposta pronta, mas pode sair-lhe uma asneira a qualquer momento. As asneiras mais repetidas?
Ou não fosse de Cacém. Caralho, foda-se, merda, na mesma frase. Nesse sentido sou mesmo periférica.

E o que provoca tanta asneira?
Como sou hiperbólica e vivo tudo muito intensamente, sai com frequência, até com coisas pequeninas. Coisas que, se calhar, não exigiriam um palavrão tão forte.

Aí entra a avó paterna e diz, “menina, cuidado com a língua”.
Exatamente.

Fale-me do peso da religião na sua família.
Muito, intenso. A minha família vive de forma muito intensiva a religião.

Até que ponto interferiu na sua educação?
Tive uma educação extremamente católica. Fiz parte das comunidades neocatecumenais, que é um caminho da Igreja, onde os meus pais caminham. Quando entrei na adolescência, deixou de me fazer sentido. Afastei-me.

Foi uma decisão pacífica, na família?
Não, foi horrível. Os meus pais amam-me muito na mesma, mas para eles foi muito difícil. É difícil para os pais quando os filhos não correspondem às expectativas que tinham para eles. Tinha 18, 19 anos e, das três filhas, era a que estava mais envolvida.

Perdeu a fé?
Há muitas coisas em que acredito e que vão contra o que a religião diz. De tal maneira que se tornou impossível estar nos dois sítios.

Por exemplo?
Não consigo acreditar no livrinho porque estão lá condenações sem sentido a muitas coisas importantes para mim. Nas coisas importantes da vida, normalmente estou de um lado e a Igreja do outro. Se acredito em Deus? Não sei. Nesta fase da vida acho que se trata de uma história inventada para as pessoas que têm medo de morrer. Que é o meu caso. Gosto dessa história inventada, mas deixei de conseguir acreditar. Deixou de me fazer sentido.

Como reagem ao facto de viver com o namorado?
No dia de Natal, a meio de uma conversa, o meu pai disse ao Feodor: “Por exemplo, tu vives com a minha filha, não és casado, eu não gosto disso, mas falo contigo na mesma”. Tipo, olha vê lá se atinas. Sei que se me casasse a minha família ia ficar feliz. Não é nada que não me passe pela cabeça. (ri)

A primeira vez que assistiu a um festival foi para cantar. Até então, os pais não deixavam.
Tenho um metro e quarenta e nove e esta cara de bebé. Além disso, era aventureira. Percebe-se o medo dos meus pais.

Como os convenceu a deixarem que cantasse em bares do Bairro Alto?
Foi muito difícil. Acredito que os meus pais não tinham nem noção do trajeto que fazia até casa. Na verdade, apanhava o comboio à uma da manhã no Rossio, o último. Depois, apanhava o autocarro numa estação fantasma, até casa. No autocarro só eu e o condutor. Todas as noites pensava “é hoje que sou violada, que acaba a minha vida”. É que metia mesmo medo.

Realmente.
Acho que dizia aos meus pais que eles me pagavam o Uber para casa. Chegava às duas da manhã. Foi assim durante um ano e meio. Era corajosa, não tinha medo de andar na linha de Sintra. Ainda hoje penso que se uma pessoa vier para me assaltar vou de peito cheio. “Desculpa lá, se nunca fui assaltada na linha de Sintra, não és tu que me vais assaltar em Lisboa.”

Não bebe, não fuma, não bebe café…
Só água das pedras e água normal. Como sopa ao jantar.…

Qual é então seu vício?
Deixe-me pensar…. Tive muitos namorados. Era o meu problema, agora já não é. Mas namorei muito. Gostei de ser solteira, gostei de poder conhecer um rapaz novo, sair, beijar na boca e voltar para casa. Gostei muito dessa fase da minha vida. E também gosto desta, ter um namorado tão especial, tão bonito. Perceber que afinal o amor existe. Como os meus pais são um casal muito fofo e feliz, procurei muito cedo um amor. Desiludi-me muito porque era muito cedo para encontrar um amor.

A maior desilusão?
Dos 13 anos até aos 23 o amor correu-me mal.

E, portanto… tem muita sorte à música.
Saiu-me o jackpot aos 19 anos. No “The Voice”. Foi uma das tais coincidências. Ou dava ou não dava. Fui lá para perceber isso. Não acabei o curso porque comecei a trabalhar na música, mas, se percebesse no “The Voice” que não dava, teria desistido.

Porque é que não gostava da escola?
Tenho aprendizagem seletiva – nos temas que me interessam posso ser a melhor. No que não me interessa nem sequer recolho informação.

Quando gosta muito de uma coisa é obsessiva?
Sou essa pessoa. Comecei a gostar de água das pedras, passei a beber só água das pedras. Comecei a fazer salada russa, durante um mês só comi salada russa. Se gosto muito de uma série, vejo-a vezes sem fim. Se gosto duma marca, compro tudo dessa marca.

É assim também com as pessoas?
Com os amigos e namorados sou protetora, não obsessiva.

O que teme na morte.
Não quero morrer antes de fazer tudo o que quero fazer.

Fale-me desse “tudo”.
Projetos profissionais ainda tenho muitos. Quero lançar o segundo disco e preparar estes concertos. Gostava de fazer um Altice, uma peça de teatro, de compor um musical. E de o interpretar. Gostava de escrever um livro de poesia.

O álbum “Bárbara,” é uma carta que escreveu a si própria. O que aprendeu?
Aprendi o que queria e o que não queria. O que gostava na música e o que não gostava na música. Que palavras gostava mais de utilizar e palavras que já tinha usado de mais.

O que não quer?
Não quero arrepender-me de nada que não tenha feito. De nada que tenha tido medo de fazer. Faço as coisas todas com medo, mas faço. Não quero arrepender-me de dizer que não gosto quando não gosto. “Confia em mim.” Isso não existe numa conversa comigo. Eu não vou confiar. Podes mostrar que estás certo, posso ir com a tua ideia, mas confiar às cegas é coisa que para mim não existe, sobretudo num trabalho colaborativo.

Participou pela segunda vez no Festival da Canção. Encerra esse capítulo?
Por mim, está encerrado. Não tenciono voltar. A vitória está bem entregue, fiquei no lugar que acho que era o meu, mas senti que algumas pessoas ficaram um pouco desiludidas comigo. Não no meu público, mas em alguma plataforma. O que sinto é que não preciso de voltar. Houve duas, não haverá três. Não tenho nada a provar.

Não é competitiva?
Acabei de perceber de vez que não sou nada competitiva. Competições não são para mim.

Até hoje, qual foi a crítica que mais lhe custou?
Um colega da música alternativa disse a um amigo meu que eu fazia música levezinha.

O que é que a deixa mais orgulhosa de si?
Ter feito mais de uma canção que se tornou hit deixa-me muito orgulhosa.