É a mais antiga do país. Tem quase-quase 110 anos, um museu, é dona dos bombons Imperador e da tablete do “Tempo dos 10 Reis”. A Avianense mudou-se para Barcelos, há 18 anos, para se salvar do fim. E continua viva.
Esta história pode começar por “era uma vez em Viana do Castelo”. Recuemos a 1914, há mais de um século, quando dois homens, António Lima e João Felgueiras, tinham um sonho em comum: criar uma fábrica de chocolates. Nesse ano, a terra minhota via nascer uma pequena empresa num edifício de que já só resta a fachada, mas que chegou a atingir a produção diária de 30 quilos de chocolate e a laborar 24 horas por dia.
Tabletes, ovos, sombrinhas, violas, chocolates de todas as formas e feitios saíam dali, daquela unidade fabril, onde também se fez torrefação de café, ao longo de décadas. E, claro, os icónicos bombons Imperador – ainda hoje o ex-líbris da marca – que nasceram nos anos 1950 num acaso, depois de os filhos do fundador António Lima “terem ido a Viena de Áustria onde se encantaram por um bombom, o Mozart, que é lá muito apreciado”. Não tanto pelo sabor, mais pelo embrulho com a imagem de Mozart que quiseram adaptar ao contexto português: em vez do compositor austríaco, escolheram D. Pedro IV, rei de Portugal e primeiro imperador do Brasil.
A história é contada por Luciano Costa, o atual dono que quis salvar a empresa do fim a que estava condenada. Em 2004, a Avianense fechou face à falência da administração dos herdeiros de Lima. E Luciano Costa, que estava no negócio do têxtil e do imobiliário, que nunca havia trabalhado com chocolate, quis comprá-la. Numa espécie de carta de amor. Chamaram-lhe louco, a qualidade da Avianense há muito se tinha perdido para cortar nos custos, “o chocolate já não prestava”, o nome estava em decadência, mas a marca enchia-lhe o olho desde miúdo. “Os meus pais tinham um tasco e cresci a comer este chocolate. Naquele tempo, não havia nesta zona quem não tivesse uma tablete 10R em casa.” Estávamos em 2005. Fez uma proposta, cerca de 150 mil euros, comprou a Avianense e encontrou “uma fábrica cheia de máquinas obsoletas, tudo para a sucata”, só aproveitou as dos moldes. Transferiu a unidade fabril para umas instalações provisórias, antiga fábrica de confeções de que era dono, em Durrães, aldeia onde cresceu, Barcelos. E viajou para a Suíça para visitar fábricas de chocolate, aprender sobre o ramo, conhecer-lhe os meandros.
A Avianense deixou de fazer a transformação do cacau em Portugal, hoje compra o chocolate a um fornecedor da Bélgica, numa receita, que é segredo, decidida por Luciano (embora tenha máquinas para o fazer cá, mas o volume de produção não compensa). Na fábrica moderna e toda branquinha por dentro, em Durrães, faz-se a moldagem, com o chocolate líquido a jorrar de torneiras para formas de bombons, de tabletes, de ovos, de sombrinhas. Os moldes recheados passam depois por um túnel de refrigeração e voilà, eis o chocolate em mil e um formatos pronto para o embalamento em caixas de bombons aprumadas, em latas de sardinhas (sim, a Avianense tem sardinhas de chocolate) ou em embalagens de tabletes de cores vivas. Como a 10R, azul e branca, o Chocolate do Tempo dos 10 Reis, que assim é conhecido por ter sido lançado nos primórdios, época de transição económica no país, com a introdução do escudo a substituir o então real – uma pasta de chocolate 10R não custava exatamente “dez reis” na moeda antiga, “mas esse era o slogan, que pegou e dura até hoje”.
Luciano Costa, 66 anos, anda a passarinhar pela fábrica, é carismático, cheio de ideias para os 110 anos em 2024. Vai lançar novos produtos para assinalar os festejos, barrinhas, copos de chocolate. Desde que comprou a Avianense ainda não parou. Logo em 2005 conseguiu lucro, pouco é certo, mas conseguiu. Depois, lançou os bombons Imperador em chocolate negro, os tradicionais são em chocolate de leite, diziam-lhe que “era maluco”. “Fiz 90 quilos para testar e resultou. Os meus passos na empresa foram assim, aos poucos.” Pôs-se a correr feiras, a dar a provar o chocolate da marca renascida das cinzas. Agora, vende para hotéis, casinos, supermercados, 30% é exportação, para a Europa, para os Estados Unidos. Mais: nas instalações fabris ainda criou o Museu da Avianense, que conta a história do chocolate e da marca. “No início, os imperadores eram feitos à mão”, conta ele entusiasmado.
Os dois filhos não trabalham com Luciano, mas o dono sonha que, no futuro, peguem na empresa que lhe enche a alma. Para que a Avianense, a mais antiga fábrica de chocolates do país, continue viva.
Cronologia
1914. A fábrica de chocolates Avianense é fundada pelas mãos de dois sócios, António Lima e João Felgueiras, em Viana do Castelo
1934. Após uma fase de instabilidade política, o sucesso da Avianense mantinha-se, abrindo portas a um novo ramo: a torrefação de café
1954. Depois de lançar os bombons Imperador no início da década, a Avianense põe à venda a Caixa de Furos
1961. O fundador da Avianense, António José Rodrigues Lima, falece, deixando um enorme legado de mestria e inovação
2005. Luciano Costa compra a Avianense, regista a marca a 23 de junho e transfere a fábrica para Durrães
2014. A Avianense faz 100 anos, é a fábrica de chocolates portuguesa mais antiga e ainda em atividade. Lança um postal e um selo comemorativos
2016. É criado o Museu da Avianense, nas instalações fabris, que conta a história da marca
Nome: Avianense
Atividade: Produção de chocolates
Data de fundação: 1914
Localização: Rua Sub-Vilar nº 12, Durrães, Barcelos
Número de funcionários: 16