Margarida Rebelo Pinto

Assim vai o Mundo


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

É já no dia 2 de junho que o “Jornal de Notícias” faz 135 anos. O ano de 1888 foi marcado pelo terror de Jack, o Estripador, que assassinou barbaramente cinco mulheres em Londres. Do outro lado do Atlântico, foi fundada a maravilhosa revista “National Geographic”, que segue viva e de boa saúde. Nestes tempos, cada vez mais voláteis e desmemoriados, nunca é demais celebrar a sábia idade de uma publicação centenária. Neste ano, Vincent van Gogh pinta “A Casa Amarela” e corta uma orelha. Nietzsche termina a obra “Ecce Homo” e Erik Satie apresenta as três primeiras “Gymnopédies”. Escrevo esta crónica ao som de “Scheherazade”, a obra mais popular do compositor russo Rimsky-Korsakov, que estreou no inverno do mesmo ano em São Petersburgo. E nasce T.S. Eliot, poeta que escreveu uma das frases que me acompanha desde sempre: no meu fim está o meu princípio. A 13 de junho nasce Fernando Pessoa. Também é neste ano que um escritor de bigode retorcido, que gostava de escrever de pé e que veio a ser o expoente máximo do movimento literário do Realismo, por oposição ao Romantismo, publicou “Os Maias”. Em Portugal, o príncipe D. Carlos inaugura uma exposição de aguarelas no Palácio de Cristal, no Porto, um gesto de caridade, para recolha de fundos com o fim de ajudar os pobres da Invicta, a urbe fervilhante do comércio do Vinho do Porto, onde a burguesia tem mais força do que a fidalguia, cidade-berço do JN.

Não é todos os dias que uma publicação faz 135 anos. Sinto um misto de orgulho pelo feito e de apreensão profunda por perceber que daqui a 100 anos o Mundo será muito mais diferente do que era há um século. É certo que o imperialismo europeu já se extinguiu, pelo caminho foram-se colónias e protetorados, que ao longo do século seguinte serviram, entre outras coisas, para aumentar a tensão entre as várias nações do Velho Continente. Somos hoje uma sombra do que fomos, uma Europa velha, cansada e gasta, repleta de destinos turísticos maravilhosos para todos, menos para os que lá habitam. Contudo, os ideais nacionalistas desses tempos continuam na ordem do dia, muito mais do que há 30 ou 40 anos. Um século depois do nascimento deste jornal que hoje dá à estampa, o jornalismo está ameaçado sob muitas formas, umas mais evidentes, como a profusão de dados oferecidos de bandeja nas redes sociais e nos motores de busca; outras, mais obscuras e terríficas, como os chats de Inteligência Artificial, esse monstro devorador e imparável, vendido como uma ferramenta para nos facilitar a vida, que irá roubar à Humanidade a sua inteligência natural.

A pouco mais de um terço da idade do JN, tento combater no coração algum desânimo, mas olho para o futuro e não consigo vislumbrar nada de bom: a seca vai-se intensificar e prolongar, o estado social não vai ter dinheiro para todos, a China continuará a expandir-se e a Europa a encolher-se. Felizmente, ainda temos romances, filmes, exposições e concertos. Ainda temos a Cinemateca, a Casa da Música, a Gulbenkian e a Fundação de Serralves. E temos o JN todos os dias e a “Notícias Magazine” aos domingos para nos irem mostrando como vai o Mundo, que vai assim-assim. Enquanto não nos esquecermos que dados não são informação, que informação não é conhecimento e que conhecimento não é sabedoria, estamos safos, apesar de tudo.