Restrito e único. O negócio do aluguer de embarcações privadas de luxo floresce em Portugal a um ritmo impressionante. Turistas estrangeiros são os mais interessados em fazer da água casa durante os dias de férias que pretendem inesquecíveis. A preços exorbitantes e com privilégios muito particulares de tão especiais.
O pedido de reserva chegou como chegam a maioria dos pedidos de reserva, com apelo claro à discrição máxima, sem olhar a despesas, apenas com o mar como horizonte de uns dias de férias que se queriam solitários, mas imensos de plenitude. Como se o Mundo todo se concentrasse ali, nas águas claras do sul de Portugal a bordo do barco de luxo que haveria de tornar real o desejo sonhado. Vinha assinado Anne, nome fictício – as garantias de privacidade e sigilo são ordens para serem levadas à letra de prática certa, qual sinal de honra neste universo especial das embarcações destinadas a segmento alto. Sabia-se apenas que era norte-americana, que não teria mais do que 65 anos, que estava de viagem por Portugal, que não tinha horizonte orçamental, que queria usufruir do mar e do bravo silêncio dele. Espécie de último desejo numa vida com muitos dias pela frente.
Anne alugou em Lisboa um veleiro de 42 pés para um período de quatro dias. Três mil euros por cada uma das 24 horas a bordo, com direito, como é obrigatório, a dois tripulantes, marinheiro e skipper – termo informal que designa o responsável-mor pelas operações de um barco em alto-mar. E lá foi Anne, Tejo fora até encontrar o oceano Atlântico e fazer daquelas horas um infinito de emoções muito particular. Sozinha, com guarda de honra e um horizonte por sua conta. Durante o percurso, ordenou paragens em Cascais, em Sesimbra, na Arrábida, em Tróia. Saiu do veleiro, almoçou e jantou em restaurantes locais, passeou a pé e voltou sempre ao barco que tomou como seu. No percurso de regresso, ao atracar na marina, agradeceu aqueles dias e garantiu que tinha tornado um sonho realidade: um barco, a solidão do mar e paz, muita paz de espírito.
O relato de Anne, transmitido à “Notícias Magazine” por uma das dezenas de operadoras de barcos de luxo que operam em Portugal, é um retrato do panorama atual do setor em Portugal. Cada cliente tem ordens para serem levadas à letra, exige o mínimo de exposição pública (ou nenhuma), desenha planos concretos que pretende ver aplicados sem falhas. A este panorama tão restrito só tem acesso uma fatia muito particular de privilegiados, aqueles a quem um bolso farto de cifrões permite cumprir os requisitos de entrada num meio único. De luxo, sim. Bem pago, também. Sem olhar para trás na hora de cobrir a farta conta de tais aspirações estivais. Com classe, muita classe.
Em Portugal, florescem as empresas que se dedicam ao aluguer de embarcações de topo a privados, multiplica-se a oferta disponível, aprimoram-se os programas apresentados aos putativos clientes, cosem-se a milhares de euros as linhas de atratividade que os consigam captar. Vêm, sobretudo, de países com um nível de vida superior e buscam em Portugal este tipo de opção para dias de lazer e desfrute máximo.
“Há também clientes portugueses, claro. Mas constituem claramente uma pequena minoria quando comparados com os estrangeiros, que são a fatia mais grossa da nossa atividade. Até porque um português que tenha condições para obter um barco desta qualidade geralmente não o aluga, compra-o ele próprio e dele usufrui como quer e quando quer”, relata Pedro Santos Pereira, 20 anos de experiência, um dos mais antigos empresários do ramo, em nome próprio, na Skipper Pedro, e em conjunto com camaradas de ofício na Seaventy, o primeiro registo em Portugal que juntou numa só plataforma online toda a oferta de embarcações disponível em Lisboa e águas arredores.
“A temporada alta vai de maio a outubro. A agenda enche com turistas dos Estados Unidos, estes cada vez mais em maior número, do Reino Unido, da Irlanda, da Alemanha e de França”, conta Pedro Santos Pereira. Essencialmente “casais entre os 50 e os 60 anos, que viajam a dois ou com parceiros de aventura sensivelmente na mesma faixa etária”. Famílias, essas, com crianças ou adolescentes a cargo, “são mais raras”, sejam de que nacionalidade forem.
E depois há uma classe nova, a dos estrangeiros que trabalham em Portugal à distância, os nómadas digitais, assim foram carimbados na sociedade. “Mais jovens, entre os 25 e os 35 anos, com uma mentalidade diferente e que procuram barcos essencialmente para festas com amigos, que podem durar um dia ou mais”, acrescenta Pedro.
Agenda sempre cheia
O cenário é igual no Algarve, onde a comunidade internacional é abundante há décadas, seja a que ali escolheu passar os dias de reforma, longe do país natal, no conforto do sol quente de verão e dos invernos amenos, seja a sazonal, com os milhões de turistas que todos os anos procuram as praias do Barlavento e do Sotavento como ponto de férias. “A procura intensifica-se de ano para ano. Não só com novos clientes, também com aqueles que regressam e repetem a experiência, o que nos garante uma agenda sempre ocupada e cheia de viagens a realizar”, expressa Andrew Parker, responsável pela Elite Yacht Charters Algarve, sediada na marina de Vilamoura. “Neste verão vimos as expectativas superadas, com a maioria dos dias com lotação máxima. Debatemo-nos, até, com uma certa dificuldade para encontrarmos vagas para quem decide fazer viagens marcadas em cima da hora”, reporta.
Mais calmo é o rio Douro. Na dolência dos dias, no correr das suas águas, no movimento dos barcos privados que nele navegam. Ainda assim, também lá, nas suas margens, o número de empresas tem vindo a sofrer alterações em quantidade. “A agenda está cheia até ao fim do verão, sobretudo com turistas vindos da Europa e dos Estados Unidos”, constata Filipe Teixeira, que há 12 anos fundou a Douroway.
“Primavera e verão são sempre preenchidos. Sobretudo por casais entre os 30 e os 50 anos e com cada vez mais portugueses”, descreve. Os passeios fazem-se Douro acima até Barca D’Alva, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, onde o rio toca a fronteira natural com Espanha.
Os preços mínimos arrancam nos 150 euros e o interesse rebenta de curiosidade com o passar das folhas do calendário. “Noto que é uma área que tem muito por onde expandir”, acredita Filipe Teixeira.
Funcionários privados e outras excentricidades
Com um mercado em efervescência, o aluguer privado de barcos ganhou vida própria agitada. “É um setor claramente em alta, que mais não sobe por não haver lugares em marina disponíveis para tamanha procura. Como tal, o que vai aumentando são os preços”, explica Pedro Santos Pereira. O boom dos barcos privados para aluguer ocorreu em 2015, quando o turismo colocou Portugal na moda. A pandemia estrangulou o setor, mas a retoma foi ao nível dos números antes da covid, ou até superior”, assinala. “A lista de espera é imensa. Temos docas vazias ou abandonadas espalhadas pelo país que poderiam ser recuperadas e revitalizadas e ajudar ao crescimento”, sugere.
Como os barcos são poucos para os tantos que os pretendem, a lista de reserva “pode atingir entre dois a três meses”, o período aconselhável para que um pedido seja efetuado com sucesso. Quem arriscar fazê-la com apenas semanas, ou dias, de antecedência, o mais certo é que tenha de adiar os planos para outra oportunidade.
Ao penetrar nas profundezas do negócio, percebe-se um mundo à parte e fica-se a saber que é no imenso online que muito acontece. Tal como já sucedia noutros destinos, em Portugal passaram a estar disponíveis diversas plataformas e motores de busca onde tudo é possível. E o tudo aqui é mesmo tudo. Neles se encontram as embarcações desejadas, as respetivas características, os preços, condições de negócio, disponibilidade, extras, localizações. Fazem-se pré-reservas, acertam-se detalhes, definem-se pagamentos. Acerta-se tudo em terra para depois entrar no mar ou rio com o mínimo de preocupações.
Após uma consulta, que de demorada tem pouco, tal o modo intuitivo como operam tais motores de busca, os iates mais caros prontos a alugar têm preços diários que partem de uma base de oito mil euros. Têm minibar recheado, piloto automático, altifalantes que prometem boa música em caso de festa, ar condicionado, até churrasqueira e máquina de gelo. Um outro iate, com um custo desde 7750 euros/dia, disponibiliza pranchas de paddle e equipamentos de mergulho para quem queira aventurar-se durante a viagem.
Também há os que prometem atrativos como funcionários exclusivos, chefs de cozinha particulares, empregadas de limpeza ou barmen. E os que não deixam ao acaso acesso a champanhe, vinho de qualidade em quantidade ilimitada, fruta fresca sempre ao dispor, frigoríficos recheados.
Preços altos, clientes certos
A capacidade dos iates pode ir até às 18 pessoas, a mesma, por exemplo, dos catamarãs, outra das alternativas luxuosas, ainda assim ligeiramente mais barata – entre 650 e os cinco mil euros, dependendo do tamanho e da lotação máxima. Mais em conta ficam os veleiros, que podem ser requeridos por um mínimo que ronda os 300 euros, embora com limitações no número de pessoas que acolhe. As partidas fazem-se das marinas espalhadas ao longo da costa continental portuguesa, à escolha do cliente, também nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira.
“As tabelas de preços continuam algo elevadas em Portugal, quando comparadas com outras paragens. Na Croácia ou na Grécia, por exemplo, que estão no mercado há mais anos do que nós, conseguem-se barcos por metade dos de cá”, aponta Pedro Santos Pereira. Um senão que não tem afastado interessados, pelo contrário. Quem procura luxo no mar, faz disso intransigência. Não olha a preços, apenas busca o prazer de dias bem passados que fiquem na fotografia das memórias felizes de férias.
“São episódios únicos, divertidos e engraçados, que ficam sempre na privacidade de quem aluga os barcos. Os clientes querem um serviço exclusivo justamente por preferirem compartilhar tais momentos apenas com os seus convidados ou a sua família”, especifica Andrew Parker.
Pedro Santos Pereira concorda em absoluto com tal conceito de prestação de serviços. “São vivências que se querem inesquecíveis e que, é verdade, não estão acessíveis a todas as carteiras. Mas este segmento é muito específico e muito particular. Não tem preocupações de maior com o que vai gastar, apenas pretende qualidade e privacidade”, refere Pedro Santos Pereira. Longe vão os tempos em que se aventurou num negócio que não tinha expectativa otimista pela frente. “Quando comecei, tinha três barcos e não tinha clientes. Tive de levar as embarcações para Cabo Verde para poder trabalhar. Hoje, não tenho mãos a medir para os pedidos”, reflete.
Um negócio, o de Pedro e de dezenas de empresários congéneres, que se alimenta dos que veem no mar que alcança Portugal oportunidade para dias eternizados em prazer. Como se aqueles barcos alugados por altos valores fossem casa e teto num paraíso isolado de tudo e de todos, mas onde nada falta no luxo de viagens tão intensas.
“Mais marinas e lugares existissem, mais negócio haveria. É uma evidência a que os nossos responsáveis políticos não estão a atender desde há décadas. Uma autêntica oportunidade perdida”, lamenta Pedro Santos Pereira.
“No Douro, ainda há muito por onde crescer”, realça, por sua vez, Filipe Teixeira. No Algarve, diz Andrew Parker, é regra que “os clientes costumam sempre voltar”. Portugal de norte a sul unido pelo aluguer de barcos de luxo, portanto. E pelo interesse de uma atividade que não tem limite na ambição de crescer e na parede de oportunidades. Porque os interessados são muitos e batem na incógnita da oferta que, apesar de maior, continua escassa. Querem usufruir de um mar português onde seja possível ser feliz apenas com o som das águas, os seus silêncios e as suas fúrias, como companheiro de cenário.
Os barcos de luxo estão aí para durar, acreditam os empresários que gerem este negócio. Assim os continuem a desejar, também, os que os reservam para tornar sonhos em realidades, feitas a sabor de água doce ou salgada. Sem limites alguns, apenas com o objetivo de perpetuar imagens e sensações ao alcance de poucos, muito poucos. Uma imensa minoria que vai glorificando e quer continuar a glorificar um setor em franca prosperidade. Também ele sem qualquer limite. Apenas o de oferecer o impossível a quem faz do impossível barreira ultrapassada sem problemas de maior.