As dores e as alegrias dos irmãos mais velhos

Os irmãos Ricardo e Rodrigo Póvoas têm apenas um ano e 10 meses de diferença. Ricardo tem 33, Rodrigo 31. Desde cedo feitios diferentes, mas sempre muito próximos, como se pode ver na foto em que ainda eram crianças (Foto: André Rolo/Global Imagens)

A responsabilidade, o medo de falhar, as brincadeiras. A maturidade, o contexto, as circunstâncias. Abra-se parênteses: (estudos indicam que os irmãos se pegam 3,5 vezes por hora, de 15 em 15 minutos). Crianças são crianças, adultos são adultos. Ponto final.

Ricardo e Rodrigo Póvoas são irmãos, bastante próximos, bastante chegados, têm apenas um ano e 10 meses de diferença entre si. Ricardo tem 33, Rodrigo 31. Desde cedo feitios diferentes, personalidades distintas, o mais velho a olhar pelo mais novo. Andaram juntos na mesma escola, no Porto, um à frente do outro dois anos. Na natação, a mesma coisa. Por onde um entrava pela primeira vez, o outro já lá tinha estado.

Ricardo, o mais velho, conta como era. “Muito tranquilo, passava-lhe a mensagem, dávamo-nos bem, éramos e somos muito chegados.” Na adolescência foi mais fácil, na infância mais difícil, os avisos para explorar a Natureza com cuidado, ainda houve uma mão para puxar o irmão de uma piscina. Irmão protetor, admite, mas sem imposições. Cuidar do mais novo nunca foi um fardo. “Não foi nada pesado, houve muita calma, zero pressão. O meu irmão é como uma extensão da minha vida”, diz Ricardo.

Rodrigo, o mais novo, concorda e lembra como era quando era pequeno e tudo lhe parecia gigante. “O meu irmão sentia as dores primeiro do que eu. Eu era mais aventureiro, não pensava tanto nas consequências.” Sentia-se seguro, sentia-se protegido. “O meu irmão facilitou-me muito a vida, tinha de abrir as portas dos desafios, principalmente na fase de crescimento, e eu estava sempre salvaguardado”, sublinha. Além disso, tinha uma vantagem enorme. “Os nossos pais davam-nos tudo igual e eu tinha sempre as coisas dois anos antes.” Irmãos para todas as ocasiões. Ainda hoje assim é.

Ser irmão ou irmã mais velhos é, à partida, uma responsabilidade que, por vezes, permanece a vida toda, refere o pediatra Mário Cordeiro. “Será pior se os pais e a família (e os amigos) conferirem essa responsabilidade e esse ‘dever’ sobre o irmão mais velho, dizendo que ‘não podes fazer birras porque és o mais velho’, ‘tens de dar o exemplo porque…’, ‘já devias fazer assim ou assado porque…’ – claro que tudo isto é um peso enorme, muitas vezes acrescido de responsabilidades reais, como tomar conta, ir buscar à escola, etc..”, avisa.

Uma tarefa ingrata, um constante desafio, uma imensa alegria? Um pouco de tudo, na verdade. Mário Cordeiro fala num misto de sentimentos. “Por um lado, poder e exaltação da pessoa, com subida da autoestima; pelo outro, a sensação de fardo e de um fardo muito pesado, com o medo de falhar essa incumbência e ser responsabilizado então pelo fracasso, que até podem ser as más notas dos mais novos ou algo que partiram a jogar à bola dentro de casa.” São vários sentimentos que os pais devem suavizar. De que forma? “Realçando que todos são filhos e que é a eles, pais, e aos adultos em geral, quem compete ‘gerir’ os assuntos ‘superiores’”, explica. “Crianças são crianças, adultos são adultos, e a cada um o seu papel”, vinca.

Um irmão mais velho torna-se o mais velho quando deixa de ser o primeiro, o primogénito, quando nasce o segundo filho, o segundo irmão. E isso mexe com a dinâmica familiar. Nos primeiros meses, o bebé é um bebé, ainda não interage muito, os pais estão mais cansados, é um segundo filho, ou até terceiro, menos tempo para brincar com o mais velho. Se uma criança de quatro anos é o irmão mais velho, não deixa de ser uma criança de quatro anos, mesmo que se expresse bem. Tem quatro anos apenas. Magda Gomes Dias, especialista em orientação e aconselhamento parental, imagina o que passa na cabeça de um irmão mais velho com essa idade. “A responsabilidade toda que me pedem, não estou à altura, não tenho entendimento, nem capacidade emocional para gerir tudo isto. Só passa a ser responsabilidade a partir do momento em que lhe pedem essa responsabilidade.”

Magda Gomes Dias fala na dor do irmão mais velho, quando há comparações, rejeições, exigências. Que dor é essa? “O sentimento de escassez, falta qualquer coisa, atenção, destaque. Eu não sou suficiente porque estão-me sempre a pedir coisas”, exemplifica. De repente, as atenções viram-se para outro ser. O mais velho pode olhar para o mais novo como uma chatice, agora os pais já não fazem nada com ele. Por isso, os pais devem ter atenção ao que dizem e ao que fazem. A dinâmica que se cria faz toda a diferença. E é preciso respeitar a vontade da criança.

Um irmão mais velho não é um adulto em miniatura. “A perceção dessa experiência dependerá de vários fatores individuais e circunstanciais”, aponta Catarina Mexia, psicóloga e terapeuta familiar. “Geralmente, a partilha das experiências com o irmão mais novo, a posição de mentor, é vivida de forma muito agradável, que ajuda a crescer e reforça os laços da fratria.” Quando a responsabilidade não é um peso, não limita ou impede atividades, também não há problema. “Mas também é importante reconhecer que é normal ter sentimentos contraditórios em relação a essa tarefa e procurar encontrar um equilíbrio saudável entre as responsabilidades familiares e o seu próprio bem-estar”, observa.

(Foto: DR)

Irmãos mais velhos atuam como modelos e professores, ajudam os mais novos a absorver o Mundo, repara Catarina Mexia. Esse papel pode ser vivido de várias formas, segundo a psicóloga, “como uma partilha saudável da condição de irmãos ou como um peso”. Uma família disfuncional, um divórcio, um problema mental, a morte dos pais, a ausência física ou emocional dos progenitores, e os mais velhos assumem papéis que não deveriam ser seus. Nestes casos, constata, “entram numa gestão difícil entre as necessidades próprias da sua idade e as das responsabilidades prematuramente adquiridas”.

Gerir expectativas, ouvir preocupações

Francisca Guimarães é irmã mais velha de Rita, ano e meio de diferença, desde sempre próximas. Francisca, 38 anos, é irmã-galinha, reconhece. Defende Rita, 36 anos, em qualquer circunstância. Quando viviam juntas na mesma casa, agora também. No passado, com tudo aquilo que a vida tem, mais contrariedades ou facilidades, Francisca fala numa “relação equilibrada.” Sem esse peso da responsabilidade nos ombros de olhar pela mais nova.

Francisco Guimarães é irmão mais velho de dois irmãos rapazes, com dois e seis anos de diferença. “Foi um processo fácil, um processo sem qualquer peso”, garante. Os pais sempre muito presentes, ser o mais velho não era uma maçada ou um aborrecimento. Sabia que era um exemplo, que os mais novos olhavam para si dessa forma. “Sempre fui muito protetor.” Não desprendido, de todo, quando era preciso resolver uma briga ou um conflito assumia o papel do mais velho.

Francisca e Francisco Guimarães têm três filhos, a mais velha, Madalena, tem 10 anos. “Não lhe passamos essa responsabilidade, ela é apenas a irmã mais velha, não é a mãe dos mais novos”, diz Francisca. Foi assim consigo, será assim como os filhos. “Quando protege os irmãos mais novos, não é uma obrigação, não tem de ser uma obrigação, não tem de sentir essa responsabilidade em proteger a integridade física e emocional dos outros”, destaca.

Tudo depende das circunstâncias, mas, para Mário Cordeiro, ficar a tomar dos mais novos nunca antes dos 14 anos. “Mesmo sabendo o bê-á-bá das regras de segurança e de ‘como atuar’, entre outras, se houver uma crise o que vem ao de cima é a parte infantil e esquecem-se do essencial.” E se algo corre mal, o sentimento de culpa é tremendo, a responsabilidade enorme.

Segundo Catarina Mexia, é preciso avaliar o grau de maturidade, se há conforto e segurança em assumir essa tarefa, a relação e reconhecimento da autoridade, os recursos disponíveis em caso de necessidade. “Os pais têm um papel fundamental na gestão das expectativas, no cuidado do bem-estar de todos os membros da família e na resolução de discussões e desavenças entre os irmãos.”

Falar, ouvir preocupações e dúvidas, sentimentos e emoções, definir expectativas realistas e ajustadas às capacidades, ajudar a resolver conflitos de forma justa. “É necessário deixar claro como entrar em contacto e estabelecer regras de comunicação”, aconselha Catarina Mexia. “Contudo, é sempre importante avaliar a situação individualmente e considerar as necessidades e segurança de todas as crianças envolvidas”, sublinha. “Por último, e não menos importante, os pais devem reconhecer e expressar gratidão pelo papel desempenhado pelos irmãos mais velhos no cuidado dos irmãos mais novos. Podem elogiar os esforços, valorizar a ajuda e mostrar apreço pelas suas contribuições.” E quando há algum contratempo, um incidente, algo que corre mal, não ralhar, não apontar o dedo. Os imprevistos acontecem. Apoiar é essencial. “É fundamental encontrar um equilíbrio entre a responsabilidade e o cuidado dos irmãos mais novos, garantindo que os irmãos mais velhos não carreguem um peso excessivo em caso de eventos inesperados.” “A comunicação aberta, o suporte emocional e a clareza sobre as expectativas e limites são aspetos cruciais para criar um ambiente seguro e saudável para todas as crianças envolvidas”, resume Catarina Mexia.

Francisca (à esquerda) é a irmã mais velha de Rita Guimarães. Ano e meio de diferença. Também desde sempre próximas. Francisca, 38 anos, é irmã-galinha, admite. Defende Rita, de 36 anos, em qualquer circunstância
(Foto: DR)

Se os irmãos mais velhos convivem com adultos, ou com outras crianças mais velhas, a adaptação poderá ser mais rápida. Mas nem sempre assim é. “Nenhuma relação é isenta de conflito, há sempre conflito, que mais não seja ‘deste a fatia de bolo primeiro a ele do que a mim’”, afirma Magda Gomes dias. É normal. “E está tudo bem, tranquilizem-se por causa disso, ajudem os miúdos a relacionarem-se uns com os outros através do respeito e da comunicação.” E, em seu entender, há coisas que não se pedem. “Não se pode pedir a um irmão que goste do outro porque uma emoção não se escolhe.” Ponto final.

Sem obrigações, sem imposições

Cristina Santos é irmã mais velha de Rita, a diferença é grande, de 10 anos, pedia tanto aos pais uma irmã, aconteceu, e foi uma alegria. “Queria tanto, encarei sempre muito bem ter uma irmã”, lembra. Era como uma boneca, pintava-a, colocava-lhe colares, tirava-lhe fotografias. A irmã, na altura, não achava muita piada, agora riem-se desses momentos. Cristina tem 41 anos, Rita 31.

Olhar pela irmã mais nova não era uma sombra nos seus dias. Pelo contrário. Ser a mais velha não lhe toldou os dias, se era preciso ajuda, ajudava. Sem obrigações, sem imposições. Como os pais eram mais velhos quando Rita nasceu, sentiu algumas diferenças. “Eram mais permissivos do que na minha altura, a minha irmã fazia tudo mais cedo do que eu pude fazer”, recorda.

Transpor para os filhos o que os pais viveram enquanto filhos, sejam mais velhos ou mais novos, não deve acontecer. É errado, segundo Mário Cordeiro. “Essa réplica geracional geralmente dá mau resultado porque cada criança é uma criança única e não uma repetição do passado dos pais.” O mais velho é o mais velho e deve ter benesses, como deitar-se mais tarde, por exemplo. As conquistas de autonomia e de poder devem ser regradas, feitas com conta, peso e medida. “Por outro lado, quando os mais velhos querem assumir a posição de ‘paizinhos’, então há que dar para trás.” O pediatra explica porquê. “Uma das coisas paralelas piores, por exemplo, é alguns professores colocarem os alunos com melhores classificações ou mais bem-comportados a tomarem conta da aula quando se ausentam. Os outros ficam com uma raiva tremenda em relação a esse ‘nerdzinho’. O mesmo acontece em casa.” “A cada um a sua autonomia, sempre com a devida responsabilidade, e idem aspas com direitos e deveres. Acelerar as coisas, distribuir mal o poder e aproveitar para delegar a responsabilidade parental nesse ‘capataz’ é profundamente errado, na minha opinião”, acrescenta.

Magda Gomes Dias trabalha competências parentais e lembra no seu livro “Pára de chatear a tua irmã e deixa o teu irmão em paz!” que os estudos referem que os irmãos se pegam 3,5 vezes por hora, a cada 15 minutos, portanto. A relação entre irmãos não é uma ciência exata. Há uma multiplicidade de situações. Há os que se dão muito bem na infância, mal na adolescência, outra vez bem quando adultos. Ou o contrário, pegados durante a infância, próximos na adolescência, afastados na vida adulta por uma série de fatores.

A investigação social tende a apresentar o irmão mais velho como o mais certinho, o mais novo como o sedutor e o engraçado, o do meio, no caso de três, como o revoltado ou moderador. O quarto muito semelhante com o mais velho. Os tempos mudam, as dinâmicas também, a felicidade parece ser a única coisa que realmente importa. “É preciso pensar no que se diz. O que é a felicidade e do que ela depende?”, questiona Magda Gomes Dias. Para ser feliz tudo tem de ser bom? Não. Há momentos de tristeza, de angústia, de frustração. Há de tudo um pouco e a felicidade é tudo isso. E um irmão mais velho nunca deixa de ser o mais velho pela vida fora.