
Descrevem-no “um homem do terreno, porém estratega, negociador intratável e inflexível”. De poucas palavras, ultradiscreto e muito intuitivo. O antigo senhor forte da Altice é um self-made man. É suspeito de corrupção, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
Nem a mala de cartão levou. Dois pares de calças e duas camisolas vestidas, dois mil escudos (cerca de 800 euros a preços de hoje) no bolso e partiu. Para França, a salto, 14 anos cumpridos. O adolescente, um de dez irmãos, aluno promissor condenado à quarta classe, conhecia a rudeza do trabalho infantil. Aos 11, fugira da lavoura e da casa paterna, no Minho, para vender tecidos a metro pelas feiras de Fafe e de Guimarães, acolhido por uma tia de Espinho, cúmplice da primeira libertação, a enxada, Armando passava a trabalho mais limpo e seguro. Calejar as mãos, sim, desde que lhe pagassem melhor.
Em França, com passaporte falsificado que lhe dava 17 anos, esperavam-no o bairro de lata, nos arredores de Paris, e as obras. Foi servente de pedreiro até conseguir, em Nancy, o lugar de canalizador municipal. Dias e dias a abrir roços e valas e a descoberta que marca a história da vida de Armando – os cabos, que o levariam a milionário, ao conforto do helicóptero, ao Bugatti Centodieci de oito milhões de euros.
Cabos de telecomunicações. A descoberta foi, de facto, a sorte grande. Aprendeu a instalar os fios, inscreveu-se num curso técnico à noite à procura de mais conhecimento, já a pensar num trabalho por conta própria. Tinha 30 anos e o correspondente a 80 mil euros, emprestados pelo Crédit Agricole, quando fundou a Sogetrel. Com a televisão por cabo em expansão, oportunidade pressentida por uma intuição fina, não demorou muito a tornar-se o maior fornecedor da France Telecom, gizando desde aí, paulatinamente, a viragem definitiva. Que viria a acontecer 14 anos depois, já casado com uma francesa e já milionário, com a venda da empresa pelo equivalente a 42,5 milhões de euros.
A entrada do novo século levou a novo projeto. Em 2002, com 60 milhões de euros e Patrick Drahi, o franco-israelita de quem viria a tornar-se sócio, fundou a Altice, SA, grupo de empresas de telecomunicações, media e publicidade.
Passada larga e bem-sucedida, acabando a Altice por adquirir a Portugal Telecom. Armando Pereira tornou-se então um dos nomes mais poderosos da economia nacional, merecendo elogios de políticos, comentadores e analistas. O emigrante regressava, e em força, a Portugal, dominando o mercado nacional do setor, três décadas depois de ter partido. Regressava a Guilhofrei, freguesia do concelho de Vieira do Minho, onde nasceu, destinado ao atraso e à pobreza, corria o ano de 1952. Aí construiu a Quinta das Casas Novas, 15 hectares de terreno, inseridos em área da Reserva Ecológica Nacional, contra os pareceres da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, que chegou a decretar a demolição do edificado. A Quinta das Casas Novas lá continua. Com o heliporto, o campo de ténis, o pavilhão gimnodesportivo, o campo de futebol, as várias piscinas e um pequeno campo de golfe. E a garagem que alberga a frota milionária de carros de luxo, alguns deles, estimados em cerca de 20 milhões de euros, apreendidos nas buscas domiciliárias feitas à propriedade.
Na mesma ocasião, foi detido o proprietário. Agora em queda, suspeito de corrupção privada na forma ativa e passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais. O Ministério Público e a Autoridade Tributária acreditam que o Estado e o grupo Altice podem ter sido lesados em mais de 100 milhões de euros.
A revista francesa “Challenges”, num trabalho de 2017, descreve o então diretor de operações da Altice: “Um homem do terreno, porém estratega, negociador intratável e inflexível”. De poucas palavras, muito observador, “ultradiscreto e intuitivo”. Um homem que subiu a pulso. E cuja descida pode já ter começado.
Armando Pereira
Cargo: Cofundador da Altice
Nascimento: Março de 1952 (71 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Vieira do Minho)