Ana Jorge: a apaziguadora

Ana Jorge é provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

Apesar da timidez, deu catequese e foi militante muito ativa em grupos católicos. Os amigos conhecem “a companhia serena e espirituosa”. A sensatez. A nova provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa vive na aldeia com dois labradores, alguns patos e muita pacatez.

Pensa sempre duas vezes. “Gosto de dormir sobre os assuntos”, diz, ela que pouco dorme. Seis horas bastam para recuperar a energia com que acorda. As manhãs rendem. Em Lisboa, na Cruz Vermelha, a que preside desde 2021, no ginásio, ou a cuidar do jardim, da horta e do pomar que rodeiam a casa de Toledo, pequena aldeia da Lourinhã, onde vive com dois labradores, alguns patos e muita pacatez. Apesar da “casa aberta”, sempre pronta a receber filhos, duas raparigas gémeas e um rapaz, netos, sete, amigos “poucos mas bons”. “Sou matriarca e assumo.” Os netos conhecem as regras. “Digo poucas vezes, mas quando digo não é não.” Sem nunca levantar a voz.

Os amigos conhecem a companhia serena e espirituosa. “É uma mulher sensata, ponderada, apaziguadora”, define-a Constantino Sakellarides. O médico e catedrático jubilado e a nova provedora da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (SCML) conheceram-se há quarenta anos, ambos lecionavam na Escola Nacional de Saúde Pública. “Era uma jovem com forte sensibilidade para a saúde pública, apaixonada pelo SNS.” Ainda pensou em Engenharia. “Mas interessava-me sobretudo o contacto com as pessoas. O lado humano.” Por isso, escolheu ser médica, pediatra. Mas também podia ter sido assistente social. Fazer. Executar. Verbos que a levaram da prática clínica à gestão.

Capaz de ouvir – de tanto lidar com pais ansiosos -, sábia gestora do conflito – técnica adquirida a custo, em sessões de psicanálise -, foi, de 2008 a 2011, a popular ministra da Saúde de José Sócrates. Sakellarides testemunha: “Entre o grupo que preparava a reforma dos serviços de saúde primários e a ministra existiam pontos de vista diferentes e momentos de tensão. No entanto, não hesitou em aceitar um convite para ir jantar com as mesmas pessoas com as quais tinha divergências, enquanto mantinha as posições do ministério, o que é uma prova de caráter”. Nada que o surpreendesse. Não por acaso, anos antes (96/97), então presidente da ARS Lisboa, fez questão de a ter a gerir a complexa Sub-Região de Saúde de Lisboa.

Apaziguadora, sim, de meias-tintas, nunca. A repulsa pelo conflito e pelo confronto não a impede de ser afirmativa. Ana Jorge está longe de ser “plana”. Bateu com a porta sempre que percebeu estarem esgotadas as condições. “Até porque nunca procurei tachos.” Assume o “lado irrequieto”, herança paterna. O entusiasmo perante coisas diferentes e novas – e, por isso, mantém aos improváveis 73 anos a decisão de adiar a reforma. A teimosia – que a arrancou do mundo rural para um liceu de Lisboa. “Tempos difíceis, de fechamento”, depois de quatro meses na escola industrial, em Peniche, o que a obrigava a estar 12 horas fora de casa.

Tinha dez anos. Era uma menina bem-comportada – “bordava, fazia croché, costura, só não falava francês” -, filha da classe média – pai comerciante e mãe doméstica, com um irmão mais novo. Não havia licenciados na família. Emília Pessanha, a professora primária, que lhe mostrava revistas, e o tio materno, que tanto a mimava e estimulava nos estudos, são grandes referências.

Apesar da timidez, estava no quadro de honra, foi catequista e militante muito ativa em grupos católicos. “Há nela um enorme desejo de servir e muita simplicidade. Conhecia-a tinha ela dezassete anos e já era assim.” Maria Benedita Monginho, assistente social reformada, releva o lado voluntarioso da amiga. “A vontade de conhecer, a capacidade de manter a frescura.” A amizade com décadas é sustentada com viagens – Vietname, Patagónia, Tailândia, Peru -, em fins de tarde a olhar o mar, no humor similar, sarcástico. “Nunca a vi irritada, mas já a vi zangada, sobretudo com algumas mentiras que dizem sobre ela.” Suspeita de alegada má gestão, caso que remontava a 2006, foi absolvida dez anos mais tarde, pelo Tribunal de Contas.

O que a faz perder a cabeça? “Não me lembro de nada”, diz a própria, após longa pausa. Gosta de dançar. “E danço bem.” De usar lenços ao pescoço. De trabalhar e gerir equipas que gostam daquilo que fazem. “Julgo ser algo que faço bem.” A nova provedora da SCML acredita que foi por isso a escolhida.

Ana Maria Teodoro Jorge
Cargo:
provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa
Nascimento: 23/09/1949 (73 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lourinhã)