O mais internacional e premiado dos arquitetos portugueses chega hoje aos 90 anos embrenhado em projetos e com “a frescura mental de sempre”. Em estreia absoluta neste domingo na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, um documentário realizado por Augusto Custódio desvenda uma dimensão íntima de Álvaro Siza, recorrendo às palavras do próprio e de muitos dos que lhe são mais próximos, da família aos amigos, passando pelos cúmplices profissionais de longa data.
Começamos por vê-lo imerso na penumbra do ateliê, na vigília solitária de que não abdica durante o processo criativo. Ao som do emotivo “Dies irae”, do compositor polaco Zbigniew Preisner, Álvaro Siza Vieira desenha sem parar, como se procurasse na folha em branco formas ainda por revelar, enquanto fuma, com um ar pensativo e triste que o próprio já qualificou de “maldisposto” em várias entrevistas.
As imagens iniciais de “Siza”, o documentário do cineasta luso-brasileiro Augusto Custódio que a “Notícias Magazine” teve ocasião de ver antes da estreia prevista para este domingo na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, são um prelúdio feliz, ainda que incapazes de nos preparar por inteiro para a imersão completa na vida do arquiteto, que nos é oferecida ao longo de 60 minutos exatos.
Numa cadência ritmada de depoimentos, intercalada pela sucessão de larguíssimas dezenas de imagens – quase todas raras – extraídas dos arquivos pessoais, somos impelidos a seguir o rasto da família de Siza. Desde o bisavô Júlio Augusto Siza, um bracarense que escapou ao infortúnio habitualmente reservado aos chamados “meninos da roda” para se instalar como fotógrafo, profissão ainda vista na época (último quartel do século XIX) com o laivo de excentricidade atribuído às inovações. Primeiro no Porto e mais tarde em Lisboa, antes de rumar ao Brasil. A longa jornada temporal que o documentário abarca inclui também as novas gerações: concluído o curso de Arquitetura, Henrique Siza já trabalha com o avô no ateliê há tempo suficiente para se aperceber da singularidade do seu trabalho, sobretudo pelo modo como “dá importância ao detalhe” e “consegue adequar a obra ao envolvente”.
É, contudo, em torno de Álvaro Siza Vieira que toda a narrativa se constrói, numa espiral de lembranças e confidências através das quais a já notória empatia se vai consolidando cada vez mais.
Vemos como foi através do seu tio Joaquim, “uma pessoa extraordinária”, que o desenho entrou na sua vida. “Sentava-me no seu colo, quando eu tinha cinco e seis anos, e ensinava-me a desenhar”, recorda o arquiteto, eternamente grato ao contributo dado pelo seu familiar para que fizesse “a ligação para o céu”.
O “vício”, como lhe chama, ficou. Ainda hoje, tantas décadas depois, dá por si a desenhar cavalos, o primeiro animal que aprendeu a capturar através do desenho.
Já com o nome artístico de Ajo – acrónimo de Álvaro Joaquim -, começou, com dez anos, a publicar um jornal de banda desenhada, intitulado “O Pardal”, cujos dez exemplares de tiragem, feitos integralmente à mão, distribuía depois pelos familiares.
Pelo meio das suas longas jornadas dedicadas ao desenho e à leitura – descobriu na adolescência os livros de Faulkner e Hemingway -, o futuro Pritzker ainda encontrava tempo para se dedicar ao desporto. O então muito popular hóquei em patins era a modalidade de eleição, enquanto atleta federado do Leixões Sport Club, e só por obrigação médica, em virtude dos problemas de visão, teve que abandonar a prática. Tinha 16 anos.
“Calado e introspetivo”, era capaz de protagonizar momentos hilariantes, ainda que por vezes de forma involuntária. Quando, numa aula de Matemática, o professor o instou a resolver um problema que tinha acabado de escrever no quadro, surpreendeu toda a turma com a sua resposta, parecida à de “Bartleby, o escrivão”, protagonista da célebre novela homónima de Herman Melville: “Não o posso fazer”. Após sucessivas tentativas, e já com o professor visivelmente irritado, é que se percebeu o motivo da recusa – o problema estava incompleto, o que o tornava evidentemente irresolúvel.
A infância feliz foi interrompida pela primeira incursão da tragédia na sua vida. Licenciado em Medicina há poucos meses, Júlio Manuel, o mais velho dos cinco irmãos, morreu de forma trágica, quando uma trave de madeira o atingiu em cheio durante um treino de basquetebol.
“Foi um acidente tão abrupto e estúpido que os meus pais se foram completamente abaixo”, recorda Teresa Siza, a irmã mais nova do clã, ainda hoje impressionada pela “dor insuperável” que fez com que o pai não largasse o luto até ao ano da sua morte, em 1985.
O primeiro vislumbre com os grandes nomes da arquitetura aconteceu no início da década de 1950, quando o pai alugou um carro e levou a numerosa família a Barcelona, onde o adolescente Álvaro se confrontou, entre outras, com as sumptuosas obras de Antoni Gaudí, da monumental Sagrada Família às não menos discretas casas nas quais o famoso arquiteto catalão deixou a sua inconfundível marca.
Numa outra viagem, a irmã, Teresa, recorda como, durante uma visita ao Museu do Prado, em Madrid, Álvaro “se deitava no chão, a olhar para os quadros” dos grandes mestres, como Goya ou Velasquéz. “Ficávamos envergonhados e pedíamos-lhe que se levantasse”, lembra-se, divertida.
Távora, “o pai espiritual”
Terminados os estudos liceais, Álvaro enfrentou um dilema. A Escultura era a sua área de eleição, mas o pai, engenheiro de formação que chegou a dedicar-se ao ensino para completar o orçamento familiar, tinha outros planos. “A imagem que na altura havia em Matosinhos acerca dos artistas era de uma vida de boémia, dificuldades económicas e maluqueira”, salienta Siza no documentário.
Para contentar o progenitor, chegou a uma solução de compromisso: inscrever-se-ia na Escola de Belas Artes do Porto em Arquitetura – um dos três ramos de ensino, a par da Pintura e Escultura -, mas, ao fim de um ano, faria a transferência para o desejado curso, já sem a oposição familiar acirrada, esperava.
Contra todas as probabilidades, permaneceu no curso. Pelo ambiente, mas talvez mais ainda pelos professores progressistas com quem se cruzou, que lhe abriram novas e imaginadas perspetivas. Se Carlos Ramos o incentivou a ler revistas de arquitetura – “Quando vi pela primeira vez obras de Alvar Alto foi um choque. Nunca tinha encontrado nada assim”, confessa -, foi com Fernando Távora que encontrou um “autêntico pai espiritual”. “Foi o primeiro a prestar-me atenção”, realça Siza.
A ligação excedeu em muito o convívio habitual entre professor e aluno e prolongou-se até à morte de Távora, em 2005. Foi a convite deste que o então jovem arquiteto começou a assinar os seus primeiros trabalhos públicos, como a Casa de Chá da Boa Nova ou a piscina da Quinta da Conceição. Estávamos em 1958 e Siza era “tão inexperiente na altura”, como lembrou no livro “Retratos de Siza”, de Valdemar Cruz (edição da Lápis de Memórias, de 2017), que Fernando Távora “teve que convencer o presidente da Câmara – na altura isso era possível – para que fosse eu a fazer”.
A maior dor de todas
Arquiteto da luz, Álvaro Siza tem sido visitado pelas sombras com mais assiduidade do que gostaria. De todas as vicissitudes que já enfrentou o agora nonagenário arquiteto, nenhuma foi tão intensa como a morte prematura da esposa, Maria Antónia Leite Siza, ocorrida quando tinha apenas 32 anos. Num relato emocionado, Siza lembra Totó – diminutivo pelo qual os mais próximos a tratavam. “Era capaz de encher uma sala assim que entrava, ao contrário de mim.”
Estudante de Pintura na Escola de Belas Artes, Maria Antónia era também artista de fôlego. O seu traço insubmisso, que o marido sempre considerou muito superior ao seu, chamou a atenção de vários artistas, entre os quais Ângelo de Sousa, Armando Alves e Jorge Pinheiro, três dos membros do coletivo Os Quatro Vintes. Expôs na Cooperativa Árvore, então um dos baluartes da resistência artística no país, mas a morte prematura tê-la-á impedido de atingir o patamar de reconhecimento a que parecia destinada. Recentemente, o Museu de Serralves expôs um conjunto de pinturas, gravuras, desenhos, cartas e bordados doados por Álvaro Siza que deixam à vista de todos um imaginário fértil que se apropria e reinventa a influência de figuras como Giotto e Bellini, numa “clara recusa do ‘zeitgeist’ do abstracionismo geométrico”, como o classificou a instituição portuense.
A devastação provocada pela morte da sua companheira, com quem teve dois filhos, tornou-o “mais solitário e menos capaz de partilhar intimidade”, reconhece o antigo ministro da Economia Pedro Siza Vieira, sobrinho do arquiteto. Mas esse isolamento permitiu-lhe também um grau de dedicação ao trabalho que lhe teria sido impossível alcançar com os compromissos da vida familiar. Confidente de todas as horas, a irmã, Teresa, diz mesmo que “a capacidade de sofrimento dele é tão inesgotável como a sua capacidade de trabalho”.
Devotado por inteiro para a arquitetura, começou a solidificar desde o final da década de 1970 um percurso internacional que, partindo da Alemanha, rapidamente se alastrou para outras partes do Mundo. Países Baixos, Itália, Áustria, Espanha, França ou Argentina são alguns dos quase 20 países nos quais já desenvolveu projetos.

(Foto: DR)
Ao longo do documentário, são vários os testemunhos dos que lhe são mais próximos a dar conta da sua entrega quase insana ao ofício. Mais de 40 anos desde que o viu pela primeira vez, Carlos Castanheira – um dos arquitetos com quem tem maior afinidade, assinando em conjunto vários projetos – ainda vê em Siza “a cabeça fresca que pensa de uma maneira lúcida e criativa”. “O mais jovem arquiteto de todos”, como o define, “vai estar sempre cá”, mesmo que subsista “alguma mágoa, por não ter sido tão interveniente em Portugal como foi noutros países”.
As palavras também fluem facilmente ao consagradíssimo Eduardo Souto de Moura na hora de definir a ação daquele que foi o primeiro arquiteto para quem trabalhou, na sequência de uma zanga com um professor que lhe recomendou que visse de perto como se praticava o mister de projetar edifícios. “Siza não só tem dimensão universal, como foi a chave para ultrapassar o impasse que havia na arquitetura portuguesa.”
De regresso ao discurso de Álvaro Siza, pausado mas sempre cortante, vemo-lo e ouvimo-lo, já muito perto do final do documentário, a defender que “tudo se transforma, como dizia o outro”. A sua crença firme na continuidade leva-o a acreditar que “as ideias e o espírito não morrem”, porque “a grande aprendizagem é viver e romper fronteiras”.
Distribuição global
A surpresa que o realizador Augusto Custódio sentiu há dois anos, quando foi sondado por pessoas próximas de Siza a levar por diante um documentário centrado na sua figura, ainda não se desvaneceu por inteiro. Afinal, o único contacto que tivera até então com o renomado arquiteto tinha sido a gravação de um episódio para uma série televisiva. Apesar de já então a “cumplicidade mútua” ter sido evidente, a proximidade e entrega que a gravação de um documentário com estas características exigiria fê-lo hesitar sobre a melhor abordagem a seguir.
Proprietário de uma produtora especializada na criação e distribuição de conteúdo em vídeo para os mercados de arquitetura, design e arte, Custódio concluiu que só havia uma forma de conseguir uma visão diferente de tudo quanto já se fez acerca do biografado. “Percebi que, se fosse capaz de explicar o Siza homem, talvez isso nos fosse capaz de levar a um entendimento daquilo em que se tornou”, refere.
O primeiro passo consistiu em aprofundar a conexão com o entrevistado. De seguida, procurou conseguir o ponto de vista de outras pessoas, “cruzando essa visão com o que ele contava”, revela. Um dos momentos decisivos para que o projeto vingasse foi o acesso quase total aos arquivos da família, desde a infância até ao presente, dos quais foram selecionadas 980 imagens e alguns vídeos.
Com um total de 300 horas de filmagem e 40 entrevistas realizadas, a produção garante que irá fazer chegar à Casa da Arquitetura estes materiais por forma a que sejam incorporados no arquivo da instituição. Antes que isso aconteça, o acervo vai estar exposto em Matosinhos, prevendo-se também que possa entrar em itinerância, com o Brasil – mais em concreto a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, projetada pelo matosinhense – a fazer obrigatoriamente parte da lista.
A estreia do documentário na “Gallery”, uma plataforma especializada em arte, arquitetura e design, acontece neste domingo, dia de aniversário do arquiteto e pretende ser a primeira de várias etapas da internacionalização. “Queremos levar ‘Siza’ aos festivais e distribuí-lo a nível global”, assume o realizador.
Na reta final de um longo trajeto a que se dedicou de forma intensa nos últimos dois anos, Augusto Custódio classifica o processo como “uma aprendizagem”. “Ficou muito claro para mim que o sucesso do Siza é fruto de todas as adversidades que viveu e conseguiu ultrapassar. Uma das suas maiores virtudes é a paciência: é capaz de ouvir muito, falar pouco e ser bastante assertivo.”
Avesso a festas
É de todo improvável que Álvaro Siza Vieira marque presença em qualquer atividade relacionada com a comemoração do seu aniversário. “Recusou tudo quanto lhe chegou”, sublinha Teresa Siza. Uma informação confirmada pela própria secretária do ateliê do arquiteto.
Não se pense, contudo, que é pelo avanço da idade que a sua resistência a festejos se tornou mais evidente. Só por uma vez, lembra a irmã, é que terá comemorado o aniversário e mesmo aí de forma algo enviesada – convidado para a festa de anos do tio, nascido na mesma semana, acabou por descobrir à entrada que, afinal, os festejos também lhe estavam destinados, acabando, ainda que a contragosto, por participar.
Com ou sem a sua presença, a data vai ser mesmo assinalada. A iniciativa mais significativa tem lugar na Casa da Arquitetura, uma instituição umbilicalmente ligada à sua vida e obra. Ou não tivesse sido a sua sede inicial a própria casa de família de Siza, na Rua Roberto Ivens, entretanto adquirida pela Câmara de Matosinhos.

(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)
Mas também no dia a dia a Casa da Arquitetura celebra o autor de algumas das mais icónicas obras do nosso tempo. Disponível por marcação prévia, o Itinerário Siza, apoiado pelo Turismo de Portugal, possibilita uma visita detalhada a sete projetos ligados ao arquiteto em cidades como Matosinhos (Casa na Rua Roberto Ivens, Piscina das Marés, Casa de Chá da Boa Nova e Piscina da Quinta da Conceição), Santo Tirso (Museu Abade Pedrosa, com Souto de Moura), Porto (Bairro da Bouça) e Marco de Canaveses (Igreja).
Só nos últimos dois anos e meio – apesar das restrições provocadas pela pandemia -, o circuito contou com a participação de dez mil pessoas. Depois do número recorde de 5300 visitantes no ano passado, é muito possível que em 2023 seja estabelecido um novo máximo. Até 15 de junho, já se tinham inscrito 3300 pessoas. Os portugueses representaram, este ano, 41% dos visitantes, com os franceses (13%) e os espanhóis (12%) logo atrás.
Para o diretor da Casa da Arquitetura, Nuno Sampaio, a proveniência diversificada dos turistas – há até quem venha de outros continentes – é mais motivo de orgulho do que de surpresa, lamentando apenas que, ao contrário do que a Finlândia fez desde cedo com Alvar Alto, “Álvaro Siza não seja visto ainda como um ativo estratégico nacional”.
“Um dia vamos ser lembrados por termos vivido na sua época”, sintetiza Sampaio, que teve pela primeira vez noção do prestígio de Siza há 30 anos, quando, ao chegar à Universidade de Montevideu, no Uruguai, deu de caras “com um cartaz gigante do seu rosto”.
O rastro da controvérsia
De um arquiteto que conquistou quase todas os prémios internacionais poder-se-ia esperar que fosse consensual na sua própria terra. Mas a realidade diz-nos o contrário. Das obras no Chiado, na sequência do violento incêndio na Baixa lisboeta em 1988, à intervenção nos Aliados (apelidada por Manuel António Pina de “sizenta” numa das suas crónicas, em alusão à erradicação dos espaços verdes), os seus projetos causaram quase sempre um lastro de polémica.
E não se pense que foi a notoriedade que suscitou essa divisão. Como é recordado no livro “Retratos de Siza”, a sua primeira obra foi classificada por um jornal de Matosinhos como “uma vergonha para a cidade”, a segunda de “vacaria” e na terceira foi despedido a meio. “Não foi um começo muito promissor”, reconheceu.
Há quem veja, todavia, nessa ausência de unanimismos em seu redor um sinal de grandeza. “Ainda bem que as suas obras são polémicas, porque significa que estão na vanguarda. O que agrada a todos não incomoda ninguém”, aponta o diretor da Casa da Arquitetura.
Trazer a arquitetura para a discussão pública, longe dos ateliês, dos gabinetes e das universidades, é apenas mais um dos incontáveis méritos que podem ser atribuídos à marca Siza, capaz de provocar idêntica controvérsia noutros países, como já aconteceu em Espanha ou na Alemanha.
Nuno Sampaio ainda se lembra da admiração que um curador estrangeiro sentiu quando, na chegada ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro, viu o polícia, após ter sido informado da sua área profissional, querer saber de forma entusiasmada se preferia as obras de Siza ou Souto de Moura, como se fosse uma querela futebolística.
Indiferente a estas discussões vãs, o veterano arquiteto continua a encontrar inspiração diária na vista privilegiada do seu gabinete sobre o Douro, “este rio que vem lá dos confins e aqui encontra o mar”.
Os novos projetos: de regresso aos caminhos da fé
Aparentemente ultrapassados os problemas de saúde que o limitaram nos últimos meses, Álvaro Siza retomou em força o ritmo de trabalho. Para grande satisfação da sua irmã, a quem liga todos os dias logo pela manhã, convicta que está de que “no dia em que ele deixar de trabalhar, morre”.
Dois projetos têm-no mantido ocupado nos últimos tempos. No Mosteiro de Leça do Balio, já se ultimam os retoques para a inauguração das suas novas intervenções, compostas pelo Templo, uma estrutura em betão branco com 20 metros de altura, e o Caminhante, escultura em mármore com aproximadamente dois metros.
Estas obras fazem parte de um núcleo mais alargado, a que foi dado o nome de Caminho da Arte. Ao longo do trajeto de 261 quilómetros que separam o Porto de Santiago de Compostela, vão ser colocadas 60 obras de arte contemporâneas que pretendem ser um amparo para os peregrinos no decurso destas jornadas de fé.
Sempre evasivo em relação às suas crenças religiosas – numa entrevista à jornalista Anabela Mota Ribeiro, em 2009, não confirmou nem desmentiu que fosse ateu, como geralmente é definido -, Siza tem trabalhado de perto em torno dos campos da fé e da espiritualidade. A igreja de Marco de Canaveses é o exemplo mais óbvio dessa relação, mas da lista fazem também parte o centro paroquial de Matosinhos (1956), igreja e centro paroquial de São João Bosco na Malagueira (1989) ou, bem mais recentemente, a capela da Afurada, em Vila Nova de Gaia (2016).
Nada que possa ser apontado como contradição, porque, como afirmou na mesma entrevista, “há qualquer coisa que se pode chamar de religiosidade em toda a arquitetura. Religiosidade no sentido de atmosfera, conforto, ligação com tudo. A arquitetura tem isso, independentemente de ser uma igreja”.

(Foto: Acervo Gallery)
O outro projeto de monta em curso diz respeito à requalificação do edifício contíguo à Livraria Lello, a sua primeira intervenção no Porto desde 2008, quando concebeu, em parceria com António Novais Madureira, o edifício Parque Navegantes. No número 148 da Rua das Carmelitas, Siza vai projetar um edifício de apoio à livraria cujo pedido de licenciamento dará entrada nos serviços camarários já esta semana.
“É uma forma de assinalarmos os 90 anos de Álvaro Siza”, diz o empresário Pedro Pinto, responsável do centro empresarial Lionesa, que há dois anos convenceu o arquiteto a projetar uma palavra que se pudesse impor como um dos futuros símbolos da cidade.
O espaço complementar da movimentada livraria, com uma área de mil metros quadrados, vai albergar apresentações de livros e outros eventos culturais, mas acima de tudo permitirá uma maior fluidez, criando uma espécie de corredor que permitirá que os visitantes entrem pela Lello e saiam pelo edifício vizinho.
Com a colaboração do engenheiro António Adão da Fonseca, a ampliação da Lello deverá estar concluída até final de 2025.
[Artigo publicado originalmente na edição do dia 25 de junho – número 1622 – da “Notícias Magazine”]