Alerta insolações em 3, 2, 1

Há que ter em conta que tanto as crianças como os idosos são grupos particularmente suscetíveis à doença causada pelo calor

Avisos têm tido o condão de sensibilizar os veraneantes para os riscos, mas o perigo impõe-se: quando ocorrem os chamados “golpes de calor”, a taxa de mortalidade é elevadíssima.

Todos os anos, algures a partir desta altura, Miguel Marques, coordenador da Unidade de Atendimento Permanente do Hospital Lusíadas Porto, vê chegar doentes com sintomas de “doença causada pelo calor”. Sejam eles a febre, as dores de cabeça, a fraqueza muscular, os famosos “escaldões”, eventualmente, nos casos mais graves, alguma desorientação. Aquilo a que vulgarmente chamamos de insolação. Mas esse é um primeiro equívoco que importa desfazer. É verdade que a insolação é uma situação que ocorre como consequência de exposição prolongada ao calor, mas, na terminologia clínica, só podemos realmente usar este termo quando falamos de um episódio grave, em que os mecanismos habituais que o corpo tem para se arrefecer falham. Nesse caso, estamos perante uma emergência médica. Que vale a pena lembrarmos agora que o verão está à porta. “É uma situação com risco de morte que tem como consequência uma temperatura corporal muito elevada e a disfunção de vários órgãos”, define o clínico. Mais: se a temperatura exceder os 40 graus, estamos perante o chamado golpe de calor. E o prognóstico é tudo menos simpático. “São situações que, por regra, obrigam ao internamento em cuidados intensivos ou intermédios e com uma mortalidade muito elevada, que ronda os 80%.”

Miguel admite que estes casos extremos são raros. O mesmo não se pode dizer em relação “às outras formas de doença causada pelo calor” – não tão graves, entenda-se -, bem mais frequentes. Durante os meses de praia, sobretudo. Aqui chegados, vale a pena desfazer um segundo equívoco. “As pessoas associam sempre as insolações à praia, mas estas não têm necessariamente de ocorrer num regime balnear. Pode acontecer num passeio ou ar livre ou mesmo durante a prática desportiva. Uma corrida em julho, à hora de almoço, de uma ou duas horas, pode resultar numa situação destas”, exemplifica. Aliás, o exercício físico e a desidratação são, a par da exposição prolongada às temperaturas elevadas, os grandes fatores de risco para as insolações. Mas há outros que podem constituir perigos acrescidos. “Por um lado, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, visto que promovem a desidratação. Sendo que há certas doenças que também aumentam o risco.” É o caso da diabetes, por exemplo. Ou das doenças renais. Ou mesmo da obesidade.

Depois, ainda há que ter em conta que tanto as crianças como os idosos são grupos particularmente suscetíveis à doença causada pelo calor. E a “culpa” é do sistema nervoso central, visto que é ele que determina a nossa capacidade de regular o calor. “Nas crianças, este sistema ainda não está totalmente desenvolvido e nos idosos há casos em que já está algo deteriorado.” Aliás, em relação a esta faixa da população, o clínico deixa um alerta muito particular. “No caso dos idosos, estas situações podem até ocorrer em casa, em locais em que não haja ventilação ou ar condicionado. Aliás, volta e meia há episódios deste género em residências seniores, sobretudo quando se associa também a desidratação.”

Pais cuidadosos, adolescentes arriscam

Já em relação às crianças, Eunice Trindade, pediatra no Centro Hospitalar de São João, no Porto, realça que a principal explicação para o facto de terem uma maior suscetibilidade a este tipo de situações é o facto de terem “menos reserva funcional”. Ou dito de outra forma, “conseguem lidar menos bem com situações extremas, quer de frio quer de calor”. Reconhece, ainda assim, que, neste campo, a pedagogia tem dado os seus frutos. E que os pais são cada vez mais cuidadosos. “Atualmente as pessoas estão razoavelmente bem informadas sobre esse assunto, na sua maioria têm bom senso, também é um tema sempre abordado nas consultas, nesta altura do ano. E portanto vejo pais muito sensibilizados para estas questões, a fazer um investimento na aquisição de protetores, a reforçar a hidratação. As crianças não chegam verdadeiramente com quadros de insolação.” Ou como a literacia para a saúde nesta área tem, aparentemente, dado os seus frutos. A exceção são os adolescentes, que por vezes “adormecem ao sol” e acabam por meter-se em sarilhos.

Ora, e caso ocorra uma situação destas, o que devemos fazer? É Eunice que responde, mas o procedimento é aplicável tanto a miúdos como a graúdos. “Quando [na sequência de uma exposição prolongada ao calor] há uma temperatura corporal superior a 40 graus, deve-se procurar o hospital.” Enquanto não se chega, o essencial é promover o arrefecimento físico. Seja vestindo roupa mais fresca ou mesmo tirando a roupa, seja usando toalhas húmidas. “E no caso de a criança estar consciente devemos hidratá-la.”

Miguel Marques deixa ainda outras sugestões. “Tomar um duche frio, aplicar gelo na testa, pescoço e axilas, recorrer a uma toalha de água fria e uma ventoinha, colocar-se num ambiente frio. E evitar refrigerantes ou bebidas com açúcar.” Em contexto hospitalar, podem também ser aplicados soros frios intravenosos. E quanto a antipiréticos, como o paracetamol e o ibuprofeno? Outro equívoco. No caso de um episódio grave, o mais provável é que, pelo menos a princípio, não surtam qualquer efeito, porque o organismo perdeu a capacidade de perder calor pelos mecanismos habituais. Resta recordamos os cuidados a ter. Evitar a exposição solar direta entre as 11 e as 16 horas, colocar o protetor solar antes de sair de casa e reforçar várias vezes ao dia, usar roupa fresca e chapéu, hidratar, hidratar, hidratar (nas alturas mais quentes, é aconselhável ingerir mais de 1,5 litros de água por dia). Regras básicas que todos conhecemos, mas que vale sempre a pena repetir. Até por causa deste aviso que o responsável pelo serviço de urgência dos Lusíadas faz questão de deixar. “Os golpes de calor são casos raros, mas é importante ter em conta que são situações em que os nossos cuidados, mesmo que ótimos, muitas vezes não têm um resultado positivo. Mesmo os doentes que sobrevivem ficam muitas vezes com algum dano a posteriori.”

Sinais e sintomas de uma insolação

  • Dores de cabeça intensas;
  • A vítima sente-se muito quente, mas não consegue transpirar;
  • Pele muito seca e quente;
  • Temperatura corporal acima dos 40°C;
  • A respiração pode estar rápida e pulso parecerá forte;
  • A vítima fica confusa e pode perder rapidamente a consciência.