Acha que tem o que é preciso para liderar?

Seja a liderança mais ou menos partilhada, há ingredientes universais na receita do bom líder

Se acha que nasceu para isso, já se está a equivocar. Se pensa que só quem é carismático pode ser bem-sucedido também. Demonstrar autenticidade e empatia, dar feedback, delegar e promover a meritocracia entre as competências apreciadas.

Se fizermos um breve exercício de memória relativamente ao nosso percurso profissional, é possível que não sintamos grandes dificuldades em fazer uma avaliação genérica dos superiores hierárquicos que fomos encontrando pelo caminho. O pragmático, o incompetente, o carismático, a idónea, a intragável, a inspiradora. Dito assim, identificar o bom e o mau chefe parece fácil. Mas perceber as características de uma boa liderança é bem mais complexo. Desde logo porque o conceito evolui com o tempo, porque há características hoje valorizadas que em tempos nada significavam e atributos que simplesmente estão a cair em desuso, porque o mundo do trabalho é volátil e as lideranças têm que se adaptar. Posto isto, há uma ideia feita que importa desconstruir rapidamente: que X ou Y será sempre um bom chefe (ou uma boa chefe) porque nasceu para isso. Na verdade, não há nada de mais errado. Artur Queirós, especialista em Psicologia do Trabalho e das Organizações, e fundador da Alento, empresa de recursos humanos e consultoria que também dá formação nesta área, enfatiza este ponto. “Antes de mais, é preciso quebrar esta ideia de que a liderança é inata. O que pode acontecer é alguém reunir um conjunto de características que numa dada circunstância tem sucesso. Por exemplo: se alguém tem um estilo mais autocrático, isso pode funcionar muito bem em situações de crise, mas de forma reiterada vai acabar por criar um ambiente tóxico.”

Mas então um bom líder é…? Sim, há um sem-fim de respostas que podem encaixar nesta pergunta. Artur começa por esta, que lhe parece ser condição sine qua non para tudo o resto: “É aquele que percebe que o estilo de liderança decorre das circunstâncias e não do estado de espírito.” Para percebermos melhor, lembremos Daniel Goleman, psicólogo e jornalista de ciência que tem vários livros publicados sobre o tema. E que distingue seis estilos de liderança: o coercivo, o democrático, o agregador, o confiante, o que marca o ritmo, o coaching. Tipicamente, um líder não dominará mais do que dois. Mas, num cenário ideal, deve procurar expandi-los, para que os possa aplicar mediante as circunstâncias. Este ponto cruza-se com um outro, que se afigura essencial para uma boa liderança: a inteligência emocional. “Desde logo porque o autoconhecimento é crucial. E o autodomínio também.”

Teresa Espassandim, também psicóloga do Trabalho e das Organizações, acrescenta à discussão outra ideia-chave. “Há décadas que há produção científica sobre as características desejadas de um líder. E a verdade é que ao longo deste tempo o ângulo tem vindo a mudar. Atualmente, aquilo em que parece haver mais consenso é que se reconhece uma liderança efetiva a alguém que consegue um bom equilíbrio entre o foco nas tarefas – ou seja, alguém que corrige e reforça à medida que as atividades vão acontecendo no dia a dia – e uma perspetiva mais transformacional, de alguém que consegue gerar mudança, que ajuda outros a melhorarem o seu potencial. Ambas são necessárias.” E voltamos à necessidade de desconstruir ideias feitas. “Nós temos uma tendência para apreciar o líder carismático, que parece muito seguro de si, que é extrovertido. Admiramos pessoas que conduzem e que lutam pelo que é preciso ser feito. Mas também precisamos de alguém que esteja ao nosso lado, que nos ajude a ultrapassar as nossas dificuldades, que nos ajude a desenvolver, que tenha uma capacidade analítica de resolver problemas rapidamente. Tudo isso é importante.”

Não é o fim, é o princípio

Terceira ideia pré-concebida: alguém que chega a líder não tem muito mais para evoluir. Nada mais errado. “Não é porque se chega à liderança que o processo está feito. Longe disso. A viagem de desenvolvimento de competências começa precisamente aí. Até se pode estar bem preparado, mas não chega.” Por essa razão, têm-se multiplicado as formações e os programas destinados a capacitar quem assume tais responsabilidades. Ana Duarte Ribeiro é uma das peças desta engrenagem que visa um acréscimo de “skills”. Além de executive coach, tem ministrado vários cursos de liderança na Católica Lisbon SBE. E chama a atenção para a importância deste conceito: growth mindset (mentalidade de crescimento, numa tradução literal). Na prática, significa que mesmo que tenhamos certas características limitativas, estas não devem servir de forças de bloqueio. Pelo contrário, podem sempre ser trabalhadas e desenvolvidas.

Sendo certo que “o líder perfeito não existe”, a especialista aponta comportamentos a evitar se não quer que lhe colem o rótulo de mau chefe. “Não ouvir os outros, não se deixar influenciar, não criar um clima de segurança, não incentivar opiniões diferentes, querer controlar tudo.” Estabelece ainda uma distinção entre os atributos que têm vindo a ganhar importância no mercado de trabalho moderno, mais virado para o digital, e aqueles que estão a cair em desuso. Porque cada vez mais ser um bom líder depende “da cultura em que se está inserido, do modelo e do tamanho da organização, do ciclo de vida em que esta está, da posição que ocupamos”. Mas sistematizemos. Competências em erosão: “Tudo o que tenha a ver com o comando e o controlo, com o não ser transparente, com o fazer microgestão, com rigidez, com a criação de planos muito rígidos, de longo prazo, com a adoção de regras universais que se apliquem em todas as circunstâncias.” E quanto às competências emergentes? Pois bem: “Gerir uma organização com base num propósito, tomar decisões alicerçadas em dados, demonstrar autenticidade e empatia, ter uma abordagem inclusiva, mostrar humildade”.

Assertividade, elogios, justiça social

E por falar em tendências emergentes, não há como ignorar que “nos últimos 20 ou 30 anos” têm crescido os modelos de liderança que não funcionam de cima para baixo, mas sim com cada equipa a definir em colaboração os seus objetivos. São as chamadas lideranças distribuídas ou partilhadas.

Foi precisamente este o modelo que António Ruivo Meireles, CEO da ndBIM Virtual Building, empresa de consultoria e tecnologia, procurou implementar desde o dia zero – mais precisamente há quase dez anos, quando fundou a empresa. “Desde o arranque que o objetivo foi sempre ter uma liderança distribuída, para incentivar as decisões mais rápidas e para os funcionários se sentirem valorizados.” Na prática, funciona assim: há alguém que distribui os trabalhos e depois a gestão é feita ao projeto, cada equipa tem autonomia dentro do seu projeto, sendo que os gestores vão variando de uns para os outros. “Esta rotatividade faz com que todos conheçam as dores de gerir um projeto. E ajuda a que as pessoas se foquem em procurar ideias e soluções perante um dado problema. Há uma lógica de sinergias e companheirismo.”

António recorreu até a um programa de tutoria, para acelerar a criação de competências dentro da equipa. “Gestão de tempo, gestão de comunicação, liderança, negociação. As chamadas soft skills.” Se o modelo levanta dificuldades? Sim, não o esconde. “Desde logo a possibilidade de haver mais conflitos. Temos connosco uma psicóloga organizacional por isso mesmo. Por outro lado, pessoas que gostam de uma definição muito clara de papéis podem sentir dificuldades em adaptar-se, no início sentem-se algo confusas. Além de que, como não há hierarquias tradicionais que sirvam de guia num processo de integração, reter os colaboradores é ainda mais importante.” Mas as vantagens, a seu ver, compensam tudo. “Há uma maior colaboração, uma maior comunicação, as pessoas estão muito mais à vontade para partilhar ideias, a tomada de decisão é mais rápida porque toda a gente tem acesso a mim, os colaboradores têm mais visibilidade e sentem-se mais valorizados.”

Seja a liderança mais ou menos partilhada, há ingredientes universais na receita do bom líder. Artur Queirós, o especialista a quem António recorreu para acelerar a criação de competências na empresa que lidera, enumera-as: a assertividade, a comunicação positiva, o feedback, a gestão de conflitos, a flexibilidade de adaptação aos diferentes perfis comportamentais dos liderados, a persuasão, a capacidade de motivar e elogiar (os elogios serão tão mais valiosos quanto mais específicos forem), de delegar tarefas também. E não menos importante: a promoção da justiça social. “É fundamental os colaboradores sentirem que o sistema onde se inserem é justo, é meritocrático.” Sob pena de o empenho e a motivação se perderem pelo caminho. Deixa ainda duas últimas notas, em jeito de reflexão. “Há ainda um caminho imenso a percorrer para se tirar benefício das lideranças femininas. Até porque os estudos têm mostrado que, muitas vezes, proporcionam um ambiente organizacional mais saudável e com mais produtividade. E é fundamental que os empresários comecem a conseguir distinguir o seu papel de acionista daquilo que é o seu papel de gestor e de líder. Muitas vezes, conseguem sucesso não pelas suas competências de liderança, mas apesar da falta de competências. Era importante que começassem a ter esta humildade. E que se propusessem a desenvolver-se.”