Abelhas e cosméticos, uma relação cada vez mais estreita

Há marcas que até já começaram a desempenhar um papel na proteção das grandes polinizadoras (Foto: Freepik)

Desde tempos imemoriais que o mel e a cera têm papel relevante nos rituais de beleza. Mas há outros produtos que têm vindo a ganhar importância. De tal forma que as gamas inspiradas nas “grandes polinizadoras” são cada vez mais.

“Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, o homem só teria mais quatro de anos de vida.” A frase, frequentemente atribuída a Albert Einstein, resume a importância vital destes insetos no nosso ecossistema. Há até quem lhes chame as “guardiãs da biodiversidade”. Porque, graças à polinização que asseguram – a polinização é o processo em que o grão de pólen é levado até a região onde está o aparelho reprodutor feminino da flor -, contribuem para a reprodução de um sem-fim de plantas, ajudando assim a manter a sustentabilidade da flora e da fauna. Mas o papel que desempenham na nossa vida não se fica por aqui. As propriedades dos seus produtos são de tal forma ricas que acabam por ser também peça central na área dos cosméticos. Aliás, tudo indica que já na civilização egípcia, e mais tarde na grega, o mel ocupava lugar de destaque nos rituais de beleza que então se faziam.

Cécile Lochard, chief sustainability officer da francesa Guerlain, que tem uma relação umbilical com estes seres vivos desde sempre – o que se percebe, desde logo, pela abelha estilizada que é símbolo da marca há mais de 150 anos, quase desde a sua criação -, explica a relevância deste produto. “Usamos o mel como um ingrediente poderoso no cuidado com a pele, para a tratar, para a desintoxicar, para a reparar.” A própria cera há muito foi “adotada” por esta área. É Catarina Fialho Rosado, professora da Escola de Ciências e Tecnologias da Saúde da Universidade Lusófona e orientadora de uma tese de mestrado recente sobre a utilização de materiais extraídos de insetos em produtos cosméticos, quem o sublinha. “Galeno, um dos pais da farmacologia, foi, pouco depois de Cristo, um dos criadores do primeiro ‘cold cream’, na altura um creme muito simples, feito com água de rosas, azeite e cera das abelhas, para estabilizar a emulsão.”

Só que aquilo que, no princípio dos tempos, não passava de um processo moroso, com muitas tentativas, muitos erros também, foi ganhando consistência à luz do conhecimento científico desenvolvido desde então (sobretudo num passado recente). A docente na área das Ciências Farmacêuticas desenvolve. “Temos aqui duas vertentes. Por um lado, a do uso tradicional, que é quase tão antigo como a própria Humanidade. Desde o momento em que o homem arranjou maneira de domesticar as abelhas que houve uma utilização empírica de vários produtos que as abelhas nos fornecem, totalmente baseada na experimentação e no erro”, começa por enunciar. Uma utilização “amadora” que foi, com o tempo, assumindo contornos distintos. “Mais recentemente, começou a estudar-se de forma mais sistemática os efeitos cutâneos dos produtos que as abelhas nos dão. Não só do mel e da cera, mas também da própolis [resina produzida pelas abelhas], da geleia real [secreção de abelhas que é utilizada na nutrição de larvas e rainhas adultas], etc.” Tudo por causa dos efeitos benéficos destes produtos que, além dos nutrientes, contêm compostos com ação hidratante, cicatrizante, antioxidante. “São produtos complexos que, através da mistura de várias substâncias, atuam de forma sinérgica.” E assim se potenciam as suas propriedades e benefícios.

Konstantinos Gardikis, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Apivita, nascida em 1979 tendo por inspiração “a admirável sociedade das abelhas”, aprofunda a questão. “O mundo das abelhas é uma fonte inesgotável de ingredientes bioativos e de inovação. Por exemplo, a própolis é uma mistura de mais de 80 biomoléculas que têm um efeito único no corpo humano, se soubermos protegê-las e entregá-las às células e tecidos”, destaca. O especialista explica como isto se processa, na prática. “A maior parte da inovação em produtos apícolas baseia-se na conceção e criação de sistemas patenteados de distribuição cutânea, microtransportadores naturais sintetizados internamente que incorporam moléculas específicas dos produtos apícolas e as introduzem profundamente na epiderme. Quando estes sistemas atingem as células-alvo, libertam o seu conteúdo de forma controlada, ao ritmo ideal para que estes ingredientes possam ser absorvidos pelas células, exercendo assim a sua máxima eficácia.”

E assim a relação entre as abelhas e os produtos de beleza vai-se estreitando cada vez mais, ao ponto de as próprias marcas terem já começado, à boleia das crescentes preocupações no domínio da sustentabilidade, a desempenhar um papel na proteção das grandes polinizadoras. Prova disso é o “Guerlain For Bees Conservation Programme [programa de conservação de abelhas]”, lançado há mais de dez anos pela marca francesa, na sequência do distúrbio do colapso das colónias (CCD), basicamente o desaparecimento de abelhas em larga escala, que, desde a década passada, tem sido percetível em vários países. Cécile Lochard contextualiza. “Essa foi a razão pela qual assumimos o compromisso deste programa. Na verdade, trata-se de uma rede de cientistas, que se reúnem e trabalham juntos , em prol das abelhas. A ideia foi sermos capazes de dar respostas concretas aos desafios que atualmente enfrentam as mais poderosas polinizadoras do Mundo.” E o futuro pode ser mais risonho. “A constante evolução da biologia molecular e da investigação em produtos apícolas resultará em produtos ainda mais eficazes, que exigirão quantidades menores destes produtos, aumentando assim o perfil de sustentabilidade”, assegura Konstantinos, da Apivita.