Margarida Rebelo Pinto

À deriva


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Vivemos num país em que tudo é possível e quase tudo é desculpável, desde que quem pise o risco esteja na mó de cima. Há sete anos que temos um primeiro-ministro que conquistou, num primeiro momento, o poder sem ter ganho as eleições e que foi, ao longo dos anos, revelando a sua personalidade, qual dançarina exótica que vai largando aos poucos os seus véus. O mesmo que no dia 10 de junho, talvez o mais importante de Portugal enquanto nação valente e imortal, se distraiu a ver o telemóvel durante o desfile das Forças Armadas e que, alguns dias depois, não se coibiu de usar os meios do Estado para ir a Budapeste ver um jogo de futebol. E depois temos um presidente da República que confidencia aos jornalistas que até sabia, relativizando a questão, como se usar o Falcon ao serviço do Estado Português para ir dar um abraço a um treinador fosse normal. A normalização de comportamentos e atos aos quais faltam ética e sentido de Estado assusta-me, seja a nível pessoal, profissional ou institucional, porque contribui para a cristalização de uma mentalidade do vale-tudo. E não pode valer. A maioria absoluta tem servido a António Costa para fazer literalmente tudo o que lhe passa pela cabeça pela mesma razão que os cães lambem os tomates, isto é, porque pode. Não é a minha vocação nem o meu objetivo escrever crónicas sobre política, sou muito mais feliz no mundo da literatura e das questões amorosas, mas o que se passa em Portugal não pode deixar de me entristecer: andamos cada vez mais distraídos com o caos governativo, mais confusos com as infindáveis sessões das comissões de inquérito e mais preocupados em discutir se a série portuguesa “Rabo de Peixe” é boa ou má que perdemos o foco do essencial. A comunicação social não se pode resumir a uma mera caixa de ressonância do diz que disse, nem embalar em ideias feitas sobre políticos e práticas políticas. O Parlamento continua a funcionar e a maioria absoluta do PS continua a chumbar propostas da oposição sem se dar sequer ao trabalho de apresentar alternativas. Vamos a um exemplo concreto: na área da dignidade e do bem-estar da pessoa idosa, há pouco mais de uma semana vários partidos avançaram com propostas e iniciativas que foram chumbadas na sua quase totalidade e nem sequer vão chegar ao debate da especialidade (só passou uma que foi tão badalada na imprensa que seria quase impossível não passar, ainda que com a abstenção do PS). Estamos a falar de um tema socialmente fraturante, mais de um milhão e meio de cidadãos, num país com índice de crescimento baixo, pensões miseráveis, serviços de saúde a funcionar mal, lares ilegais e milhares de idosos isolados a atravessar a sua velhice na mais profunda solidão. Em bom português, vamos ter cada vez mais idosos, não é urgente nem importante criar mecanismos sólidos e seguros para a sua proteção? Porque um dia seremos nós. A governação está desorientada e moribunda, a guerra não dá sinais de terminar, o Planeta continua a aquecer, mas como estamos à porta da silly season, o país em breve irá de férias. Veremos quantos hectares irão arder este verão. Parva sinto-me eu, bem como tantos portugueses, ao ver Portugal à deriva, fingindo que navega à vista.

Um Governo que não cuida dos seus, que não dá prioridade a causas sociais e humanas, que não é capaz de estar presente no momento da inauguração do memorial que lembra as vítimas de Pedrógão Grande (e que ignora essas mesmas vítimas e as muitas famílias destruídas que deixou por lá), que conseguiu pôr o SNS ligado às máquinas, que maltrata os professores e desconsidera as forças policiais e que não cuida dos idosos dá-me uma grande tristeza. Portugal merece melhor