Zeferino Coelho: nobelíssimo

Zeferino Coelho é editor e livreiro

Ao longo do caminho leu centenas e centenas de manuscritos. Leu-os mesmo. Sempre com um lápis na mão. E nunca desiste. Sem falsa modéstia, garante que, se vivesse outra vez, escolheria os mesmos caminhos. Colecionador de autobiografias, vê-se “um homem comum, com uma vida relativamente banal”. Foge aos adjetivos. “Desde logo, estragam a prosa.”

Foi editor de um Nobel, publicou oito vencedores do Prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa, marcos de um percurso de 50 anos, ímpar, reconhecido pelos pares e pela Cultura, agora homenageado com o Prémio Vasco Graça Moura – Cidadania Cultural/2022. Zeferino Coelho faz o que gosta. Com prazer e empenho, depois de todos estes anos. “A minha profissão não me cansa.”

Ao longo do caminho leu centenas e centenas de manuscritos. Leu-os mesmo. Sempre com um lápis na mão – “Se não for assim, não sei ler. Até os livros”. Lápis pronto a anotar as margens das páginas que revisita com prazer acrescido: Eça de Queirós, “alguém que como autor devia ser um bocado insuportável”; Fernão Mendes Pinto, pela “imaginação delirante e a ironia”, em a “Peregrinação”; Sophia, “sempre presente diante de mim”; Saramago, de quem foi único editor desde o romance “Levantado do chão”, lendo o que outros não souberam ler, e de todos os livros publicados, até à morte do escritor. Que quis Zeferino Coelho a seu lado na hora de receber os louros, em Oslo.

O editor recordará para sempre esses dias de 1998, em que Amartya Sen, Nobel da Economia desse ano, viu no rosto do português de Paredes, nascido em 1945, traços de Trotsky. Outros, encontram parecenças com Lenine. Bárbara Bulhosa, por exemplo. Porém, a editora fundadora da Tinta-da-china sabe que, no panorama editorial português, o comunista não se parece com ninguém. “Tenho-o como modelo. Foi o primeiro editor português a apostar de forma consistente na literatura dos países africanos de expressão portuguesa. Fez um trabalho que marcou uma geração.” Marcou Mia Couto. “Ele fez pelos autores de todos os países africanos de língua oficial portuguesa mais do que qualquer outra instituição cultural dos nossos governos”, destaca o escritor moçambicano.

Bárbara Bulhosa recorda o dia em que o conheceu pessoalmente. “Demonstrei a profunda admiração que sinto por ele.” Os elogios deixam Zeferino Coelho “à toa”. “Extremamente cordato, nunca ouvi nenhum autor queixar-se dele. E ele tem muitos autores, que sempre segurou, mesmo estando agora num grupo grande como o LeYa.”

Zeferino Coelho despertou para a atividade editorial dando os primeiros passos na Editorial Inova, em 1969. Em 1977, entrou na Editorial Caminho, agora integrada no Grupo LeYa. “É um senhor”, diz Bárbara. “Um cavalheiro”, concorda Mário de Carvalho. “Tivemos uma longa relação de trabalho e guardo desse tempo a melhor impressão”, revela o escritor. Recorda uma personalidade “pouco expansiva”. Voz cava, fala vagarosa, pensando o que diz. “Um grande editor que nos dava uma grande segurança. Muito sério, para o bem e para o mal – se o livro não lhe agradasse, fazia-o sentir. Sabia muito bem em quem apostar”, observa o autor de “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto”. “A única vez em que me telefonou com algum entusiasmo foi depois de ler o manuscrito desse livro.” Para Mia Couto, Zeferino Coelho foi um prémio. “Um dos grandes prémios da minha vida foi conhecer este homem sábio e atento aos outros, sereno e inquieto, sabendo-se repartir entre livros e pessoas.”

Filho de camponeses “remediados” de Paredes, apaixonou-se pela leitura com a chegada ao campo das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian. “Lia de tudo horas e horas por dia.” Estudou Filosofia no Porto dos anos 1960, participando na efervescência da década em longas tertúlias no Piolho, café emblemático. Ali se falava de filmes e de livros, e da falta de liberdade, início da formação ideológica do editor. Que participou nas eleições de 1969 pela Comissão Democrática Eleitoral (CDE) e entrou, em 1972, na clandestinidade comunista.

Antes ou depois dos livros, está a música. “Bach, Beethoven e Brahms levam-me de tal maneira que não consigo ouvir e ler ao mesmo tempo.” Nunca desiste. Sem falsa modéstia garante que, se vivesse outra vez, escolheria os mesmos caminhos. Colecionador de autobiografias, vê-se “um homem comum, com uma vida relativamente banal”. Foge aos adjetivos. “Desde logo, estragam a prosa.”

Zeferino Antas de Sousa Coelho
Cargo:
editor e livreiro
Nascimento: 24/05/1945 (76 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Paredes)