A tecnologia, dirigida à doença arterial periférica, permite aos médicos monitorizar os pacientes e lançar desafios. Já foi testada e os resultados são positivos.
A pergunta de partida é simples: como vamos convencer um doente a caminhar se quando caminha tem dor? Uma equipa do Hospital de Santo António, no Porto, juntou-se para criar uma app para telemóvel, a WalkingPAD, que quer ajudar pacientes com doença arterial periférica a fazer exercício físico, prescrevendo caminhadas – o número semanal e o limite mínimo de tempo – e monitorizando os doentes à distância. O projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, já tem resultados. Mas comecemos pelo princípio. “Esta é uma doença das artérias dos membros inferiores que, estando parcial ou totalmente entupidas, fazem com que chegue menos sangue aos músculos das pernas e dos pés. Ou seja, o doente quando caminha sente dor”, explica Ivone Silva, cirurgiã vascular e coordenadora do projeto. A doença atinge cerca de 27 milhões de pessoas na Europa e nos Estados Unidos. Em Portugal a prevalência anda entre os 4% e os 8%. É a principal causa de amputação dos membros inferiores.
A dor, que pode começar por aparecer ao fim de 500 metros de caminhada, mais tarde surge ao fim de 300 metros até ao momento em que se torna incapacitante. Mas há esperança. Para lá da medicação, o exercício físico é a receita, porque permite que “se desenvolvam artérias paralelas, de circulação lateral, para ultrapassar a lesão”. Só que “a adesão é pequena”. “Os locais que podemos aconselhar são os escassos centros de reabilitação cardíaca, que não são dirigidos para esta doença e obrigam a que o doente falte ao trabalho.” Daí a WalkingPAD, disponível para telemóveis Android, criada em parceria com o INESC TEC e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “Inclui um programa de caminhada que o doente pode fazer na área de residência. É ele que escolhe onde e quando fazer. E nós conseguimos monitorizar remotamente se caminha ou não, e saber se é o doente que está a caminhar, através da passada.”
Mas a app, como tantas outras que existem, não caminha pelo paciente e o segredo do projeto, que já foi testado em dois grupos, está no programa de educação, motivação e mudança comportamental levado a cabo em sessões presenciais e por telefone pela psicóloga Susana Pedras. É a literacia sobre a doença, a intervenção psicológica que tem dado frutos. Isso e os desafios que os médicos têm lançado. “Um deles era percorrer a Estrada Nacional 2. De acordo com o número de quilómetros que caminham, a app mostra em que local estariam e qual o objetivo para a próxima consulta. O que gerou uma espécie de competição”, conta Ivone Silva. Ao fim de seis meses de teste, “houve uma melhoria da performance funcional e clínica de todos os doentes, que aumentaram a distância caminhada sem dor”. E mesmo com os mais velhos (distribuíram smartphones), a iliteracia digital não foi uma barreira, “porque a app é muito simples”.
Agora, o objetivo é alargar a escala, sair das portas do Santo António e tornar a app funcional para todos os cuidados de saúde primários e hospitais. “Estamos na fase de criar um avatar, a Matilde, que no fundo vai fazer o papel que a nossa psicóloga faria. Porque à escala nacional não há Susanas que cheguem.” A equipa já está em negociações com os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.