Valter Hugo Mãe

Voltar aos alunos


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Os alunos precisam da honestidade de lhes dizermos que não são piores do que ninguém. Nenhuma geração nasce condenada a ser imbecil.

Devido à pandemia, passaram anos desde a última vez que falei aos alunos de alguma escola. Por alegria e sorte, quis o destino que pudesse ir a Vimioso falar com os estudantes que ali inventam o seu futuro. É um mistério saber o que será da geração que vai no terceiro ano lectivo adulterado pelo acontecimento deste vírus. O que haverá de ser do ensino destes jovens cuja escola avança em soluços, profundamente desigual como desiguais são as famílias, as casas, as condições que cada um tem para se motivar, concentrar, progredir?

Passei parte de uma tarde no Auditório Municipal de Vimioso à conversa com os estudantes e admito que comecei por me sentir perdido. Há tanto que não o fazia, fico sempre problematizado, tenho pavor a aborrecer os alunos, a dizer-lhes o que não lhes interesse nem sirva para nada. O primeiro escritor que ouvi na vida foi certo poeta cujo mau humor era tão antipático que me prometi a ser tudo ao contrário. Acredito até que escritores de trombas deviam ser proibidos nas escolas e junto dos alunos.

Os alunos precisam da honestidade de lhes dizermos que não são piores do que ninguém. Nenhuma geração nasce condenada a ser imbecil. É uma covardia culpar-se os jovens de qualquer desatino do Mundo. Todas as juventudes são lugares de aprendizagem, aposta, risco, maravilha, descoberta. E todos os jovens estão ao pé de saberem o que nós, mais velhos, já não teremos capacidade de saber. É elementar que assim aconteça. Por isso, ainda que possamos temer por nossos hábitos antigos, é só com esperança e fascínio que devemos olhar para os mais novos. Eles não são o fim da linha. Eles são o reajuste e a continuidade do projecto humano.

São muito peculiares os alunos da pandemia. Talvez se sintam mais à deriva, confusos, mas vejo-os disponíveis. Quero dizer, parecem-me à espera que alguém lhes garanta algo, algo que possam ter como objectivo e sinalize o caminho. Não há justiça sem sentido. É urgente conferir sentido ao esforço, à espera, à lonjura, à desigualdade.

Os alunos de Vimioso chegaram como eu esperei, meio em festa e sem convicção de valer muito a pena aquela conversa. Depois, julgo que todos afundámos um pouco nas cadeiras e nos entendemos. Por vezes, mesmo no entusiasmo impaciente da juventude, escutar algo mais demorado pode ser exactamente o que nos falta e o que nos faz sentir bem. Eu devo confessar que me deixaram muito grato os alunos de Vimioso. Nosso encontro foi o recomeço da escola para mim. Porque espero das escolas a salvação de todos quantos não tenham mais nada, de todos quantos tenham a lucidez de entender que qualquer sonho começa a ser construído na força interior, na auto-estima, na aprendizagem que fazemos da tão vasta informação da vida. E os professores são os grandes informadores. Começam quase tudo na nossa importante ciência pessoal.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)