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Visitas a recém-nascidos. Sim ou não?

Madalena e Ricardo receberam visitas da família e amigos pouco depois de terem os três primeiros filhos, Sebastião, Marta e Matilde, e tencionam fazer o mesmo com quarto que vem a caminho (Foto: Rita Chantre/Global Imagens)

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Há famílias a que nem o cansaço tira a vontade de partilhar a felicidade que é o nascimento de um filho. Outras há que recebem os visitantes de braços abertos, mas definem limites. Há ainda aquelas que optam por apresentar o novo membro semanas mais tarde. As vantagens e os riscos para pais e bebés. E como estabelecer regras e limites no período pós-natal.

“Temos sempre a porta aberta para familiares e amigos.” Madalena Castro Salvaterra sublinha “o gosto e a alegria” de receber visitas. A educadora de infância de 39 anos é casada com Ricardo Salvaterra, engenheiro geógrafo de 42 anos, e desta união nasceram o Sebastião há 12 anos, a Marta, há nove, e a Matilde, há quatro. Moram em São Domingos de Rana, uma localidade do concelho de Cascais onde “toda a vida” a Madalena viveu, e contam como se conheceram e apaixonaram. Ele, natural de Portalegre, Alentejo, foi estudar para Lisboa e não raras vezes ia para casa de um colega de curso, um dos 12 irmãos dela. “A minha mãe fazia comida a mais e dizia que ‘quem dá comida a 15, dá a mais’”, comenta a sexta de 13 irmãos. E, se as visitas no dia a dia são uma constante, quando há um nascimento são ainda mais e, nesta família, são muitos. “A minha mãe tem 34 netos e vêm dois a caminho. O nosso quarto filho, Pedro, e um sobrinho”, relata Madalena.

Das três vezes que foi mãe, recebeu visitas pouco tempo depois do parto. Recorda que a mãe e a irmã Catarina conheceram o primogénito, nascido a 28 de dezembro, no percurso entre o bloco de partos e o quarto da maternidade: “Só deixavam entrar crianças até aos dez anos se fossem irmãos do bebé e disse que o meu sobrinho Francisco era irmão para conhecer logo o primo Sebastião”. Poucos dias depois, foram ao almoço habitual de Ano Novo organizado pelos pais de Madalena e na semana seguinte receberam amigos em casa para um lanche.

Andreia Leitão, pediatra de neurodesenvolvimento e diretora clínica do centro PIN Porto, realça que o nascimento de um recém-nascido é “um evento repleto de felicidade, tornando-se num alvo de atenção e curiosidade”. E quando é que os pais devem permitir as visitas? “Quando se sentirem confortáveis.” Para Mónica Pinto, pediatra na Clínica Gerações, em Lisboa, “é importante respeitar o momento em que se forma uma família”. Recomenda muitas vezes aos pais que “reduzam as visitas às pessoas essenciais e anunciem aos amigos o nascimento, indicando-lhes quando sentem que já poderão receber visitas”. “O tempo de adaptação depende do casal”: se uns “preferem primeiro organizar-se nas novas rotinas”, para outros “receberem visitas não gera dificuldades”.

Madalena e Ricardo encararam com “a maior naturalidade” estas visitações. “A minha mulher gosta muito de conversar e quem nos visitava nessas ocasiões acabava por permanecer algum tempo na nossa companhia. Não colocávamos restrições e até acontecia lancharem e ficarem para jantar”, lembra Ricardo. “Os amigos que temos são a família que escolhemos. São pessoas da casa, com quem não fazermos cerimónia”, frisa Madalena. Aquando do nascimento da segunda filha, Marta, logo que saiu do recobro, recebeu visitas. É com carinho e emoção que recorda o que aconteceu no parto da mais nova, Matilde. “O meu irmão Marcos é padre e pôde entrar no bloco antes de a menina nascer. Saiu quando entrei em trabalho de parto e voltou a entrar pouco depois do nascimento.”

“Não deixei que dessem beijinhos à menina”

Isabel Henriques vive no Caramulo, tem 36 anos e viveu duas experiências diferentes no que toca a limites. Há 13 anos, quando foi mãe pela primeira vez, de Matilde, “todos pegavam, todos beijavam” a filha recém-nascida. Há três, quando nasceu Selene, “foi tudo mais regrado”.

Atualmente desempregada, Isabel trabalhou os últimos 17 anos como educadora social numa creche e , ao perceber “alguns riscos de que as pessoas não têm noção, como a transmissão de herpes com um simples beijinho”, optou por definir “cuidados simples”. “Quem nos viesse visitar já sabia que tinha que lavar as mãos ao aqui chegar e que não deveria vir com cheiros fortes, de perfume por exemplo. Os fumadores deveriam ter o cuidado de não terem a roupa com forte cheiro a tabaco. Também não deixei que dessem beijinhos à menina.”

Andreia Leitão considera fundamental “estabelecer limites e regras”, como o horário em que são feitas as visitas ou o sono do recém-nascido. “Nunca estimular o bebé enquanto dorme. As suas rotinas devem ser respeitadas e priorizadas”, aconselha. Antes de abrirem a porta, os pais devem ter em mente “a imaturidade do sistema imunitário, a exposição a microrganismos potencialmente agentes de infeção e a vulnerabilidade específica, como imunodeficiência ou extrema prematuridade”.

Quando Isabel Henriques foi mãe pela primeira vez, há 13 anos, de Matilde, permitiu que todos pegassem na filha, mas com a segunda, Selene, estabeleceu limites
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

O primeiro mês de vida é um “período de maior fragilidade humana para o bebé”, sustenta Mónica Pinto. Por isso, a pediatra sugere que as pessoas “telefonem antes a avisar da visita, adiem se estiverem doentes, lavem sempre as mãos ao chegarem, não mexam no bebé a não ser que a mãe o solicite, evitem levar crianças porque há sempre mais risco de manipulação e de infeções, não beijem as mãos nem a face do bebé, respeitem a privacidade no tempo da amamentação, sejam breves, não fumem, evitem usar perfumes e não deem palpites, mas ofereçam ajuda com as tarefas domésticas ou com outros filhos do casal, se os pais desejarem”. Isto porque “o mesmo vírus que, num adulto causa uma doença ligeira, poderá no recém-nascido provocar bronquiolites ou infeções graves, pois a imunidade é mais frágil e ainda não tem as vacinas”.

Isabel lidou de modo diferente com os poucos “conselhos não solicitados” que ouviu em cada nascimento. Alguns dos comentários que menos gostou eram relacionados com a amamentação. “Quando nasceu a Matilde tinha apenas 22 anos, estava rodeada de mães e avós mais experientes. Se não tinha leite e aconselhavam a dar leite artificial à bebé, dava de imediato. Entretanto, desenvolvi a minha inteligência emocional que faz toda a diferença. Também ganhei experiência e isso já não aconteceu com a Selene”, salienta.

Para a doula Carla Santos, “é importante haver mais estrutura por parte dos serviços de saúde, mais atualização principalmente na amamentação e vínculo”, mas também “maior tolerância na sociedade para as mães aprenderem por elas próprias, sem sentirem que estão a desempenhar um mau papel”.

O gosto de Isabel em receber visitas foi igual nos dois períodos pós-natal. Escolheu para ambos os partos a Maternidade Bissaya Barreto, do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, onde poucas pessoas a visitaram por “ser longe”. Em casa, recebeu visitas de familiares, amigos e vizinhos. O apoio da irmã Dulce foi muito importante. “Acumulava imensa roupa e a minha irmã vinha passar a ferro”, lembra, focando a importância que tem ao nível psicológico “uma simples conversa”.

“A decisão de aceitar visitas é um equilíbrio entre a partilha de um momento feliz e o descanso que a mamã e o bebé necessitam”, defende Andreia Leitão, salientando que “os pais têm o direito de restringir visitas e devem ser respeitados”.

A maioria das mulheres que Carla Santos acompanha como doula “já sente uma grande invasão durante a gravidez”, consequentemente são mais aquelas que “preferem, à partida, limitar as visitas” recebidas no pós-parto. “Há pais que precisam de muita privacidade, ou têm famílias muito invasivas e preferem não ouvir comentários – muitos baseados em mitos – nem comparações ou pressões para seguir este ou aquele caminho. Outras famílias sentem que esse apoio é importante, uma vez que não precisam de se preocupar em colocar fronteiras, porque facilmente são compreendidas.”

“As pessoas respeitam pouco as decisões que os pais tomam em relação aos bebés”

Muitas famílias abordam este assunto com Mónica Pinto, manifestando “receio de que os outros se sintam ofendidos ou excluídos”. “Costumo dizer que os amigos verdadeiros irão perceber se lhes pedirem para lhes darem tempo para se organizarem e poderão fazer visitas dentro de dois ou três meses com maior serenidade para todos.”

Antes de Artur nascer, em abril passado, Sara Gabriela Coelho tinha conversado com o marido, Ricardo, que preferia não receber visitas nos primeiros meses de vida do menino. E assim foi para esta família da Figueira da Foz. Para a instrutora de língua gestual para bebés ouvintes, de 34 anos, é um período em que são “criadas as ligações e fortalecidos os elos de ligação entre a mãe, o pai e o bebé”.

Sara Gabriela Coelho só permitiu visitas ao bebé Artur depois dos dois meses
(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

Sara cimentou o que não queria para si quando nasceu o primeiro sobrinho. “A minha cunhada saiu da maternidade e tinha a casa cheia de gente. Vinha cansada, debilitada, e ainda teve de ir preparar lanches. Ter observado isto foi decisivo.” E embora entenda a importância da rede de apoio à mãe e ao bebé, acredita que “aquelas visitas para ver, mexer, agarrar ou conviver não são benéficas e quebram a rotina”.

Convicta de que “as pessoas respeitam pouco as decisões que os pais tomam em relação aos bebés”, preferiu resguardar a família. Os avós paternos foram os primeiros visitantes do Artur. Tinha dois meses e uma semana. “Para mim, foi crucial ter esse tempo com o meu filho, sem interferências. Foi incrível criarmos uma ligação da forma mais tranquila possível e só depois somar a convivência com outras pessoas. Consegui recuperar e organizar a casa”, partilha Sara, que confessa ter usado a pandemia como desculpa, para “não dar grandes justificações”. “Da parte dos amigos, fui 99% respeitada por esta decisão e da parte dos familiares respeitaram porque sabiam que não iria abrir a porta se aparecessem.”

Sara diz que “muito dificilmente” voltará a engravidar, mas se acontecer garante que fará tudo igual. Isabel Henriques deseja ser mãe pela terceira vez e, se se concretizar, será “com alegria” que vai receber os visitantes quer na maternidade, quer em casa. Quando Pedro nascer, em março, Madalena e Ricardo contam receber visitas na maternidade e “ter a casa cheia”, porque “é bom partilhar os bons momentos”.