Nasceram na Alemanha, no século XVIII, na sequência de um assalto que atrasou o início das vindimas. Conquistaram o Mundo. Portugal também já se rendeu.
Chamam-se Colheita Tardia ou Late Harvest. Reza a história que surgiram em Fulda, na segunda metade do século XVIII, numa altura em que essa pequena localidade alemã era governada por um líder espiritual com plenos poderes na região. Todos os anos, a colheita das uvas só arrancava depois de o tal soberano dar o aval, decisão transmitida por um mensageiro que, a pé ou a cavalo, transportava a boa nova.
Um certo dia, os monges que produziam vinho na colina do Mosteiro de Johannisberg, na Renânia, a uns 100 quilómetros de Frankfurt e a cerca de 150 quilómetros da residência do príncipe-bispo, enviaram o mensageiro, um tal de Babbert, para levantar a autorização de colheita. No entanto, o emissário foi assaltado e até regressar com a autorização as uvas, da casta Riesling, continuaram nas videiras, mas murchas e ressequidas. Apesar de frustrados com a situação, os monges decidiram avançar com a vindima e, para surpresa de todos, o trabalho desenvolvido resultou num vinho doce, licoroso, encantador.
Pois foi precisamente nessa altura, de forma inesperada, que se deu início ao processo de colheita tardia, “exportado” para a francesa região da Alsácia no século seguinte, onde lhe chamaram “Vendange Tardive”, para Itália (“Vendemmia Tardiva”), para Espanha (“Cosecha Tardia”) e finalmente globalizado como “Late Harvest”.
Não há uma data certa quanto à produção do primeiro “Colheita Tardia” no nosso país. Houve, numa primeira fase, no início da segunda metade do século XX, diversas tentativas, mas raramente bem sucedidas. A única certeza é que se trata do vinho doce mais recentemente produzido em Portugal, depois do Vinho do Porto, do Moscatel de Setúbal, do Moscatel do Douro, do Vinho Madeira, do Carcavelos e do Licoroso dos Açores.
Mas a verdade é que há cada vez mais produtores a apostar nesse segmento de mercado e num vinho que passa por um processo de produção extremamente rigoroso e que se inicia precisamente na vindima tardia – novembro ou início de dezembro –, em que há a necessidade de dar tempo às uvas, brancas, para que possam ser afetadas pela “Botrytis cinerea”, popularmente conhecida por “podridão cinzenta” ou “podridão nobre”. Trata-se de um tipo de fungo que cobre a pele das uvas, permitindo que concentrem o sabor, que se desenvolve em ambientes húmidos, resultando na desidratação das bagas, e que provoca reações químicas que afetam a acidez e o açúcar. O resultado final é um vinho doce, com uma amargura muito peculiar, aromático e longo, que conquista o melhor dos papéis quando servido fresco a acompanhar sobremesas, queijos e foie gras.
Mal sabia o mensageiro alemão assaltado na Renânia, na segunda metade do século XVIII, que seria protagonista de uma nova forma de produzir vinho. Babbert, entretanto eternizado numa estátua no interior do Mosteiro de Johannisberg, chegou atrasado aquela vindima, mas muito a tempo de fazer história.
Quinta da Alorna Sobremesa Colheita Tardia Branco 2017
Tejo
Quinta da Alorna
Fernão Pires
14,99 euros (37,5 cl)
Depois de duas seleções, na vinha e na adega, as uvas são alvo de uma fermentação lenta, interrompida quando é identificado o ponto de equilíbrio no triângulo álcool-açúcar-acidez, harmonia que se confirma em prova e que se revela como a principal das virtudes.
Quinta da Biaia Late Harvest Branco Síria 2017
Beira Interior
Quinta da Biaia
Síria
19,99 euros (37,5 cl)
Da sub-região de Castelo Rodrigo, o enólogo Luís Leocádio apresenta-nos um Late Harvest monovarietal que é uma referência da casta Síria. Um vinho recheado de caráter e em que os apontamentos de flor de laranjeira e mel se fazem notar num aroma deliciosamente abundante.
Casa de Vilacetinho Avesso Colheita Tardia 2017
Vinho Verde
Sociedade Agrícola Casa Vilacetinho
Avesso
34,99 euros (37,5 cl)
Não é apenas na cor (forte, carregada) que este Colheita Tardia monovarietal Avesso impressiona. Possui um caráter de tal forma expressivo que consegue conviver – e convencer – sozinho. Excelente trabalho enológico de Fernando Moura, fazendo jus à secular história deste produtor de Alpendorada, Marco de Canaveses.
Rozès Noble Late Harvest 2019
Douro
Rozès
Malvasia-Fina
33,95 euros (37,5 cl)
Um Late Harvest monovarietal de Malvasia-Fina, em que a madeira, em duas etapas, lhe confere a elegância que o distingue em todas as fases da prova: na cor (palha dourada), no nariz (compotas e pêssego) e na boca (muito doce, mas com boa acidez). Seja a aperitivo ou a digestivo, a nota é sempre alta.
Cartuxa Colheita Tardia 2018
Alentejo
Fundação Eugénio de Almeida
Roupeiro, Arinto e Semillon
45,92 euros (37,5 cl)
Produzido pela primeira vez em 1986, este 2018 é um irrepreensível exemplar de um Colheita Tardia. O minucioso trabalho enológico de Pedro Baptista e Duarte Lopes resultou num vinho com forte personalidade e com um equilíbrio único de acidez e complexidade. Perfeito. Nota máxima.
*Nota – Os vinhos apresentados foram enviados pelos produtores e selecionados após provas realizadas, seguindo critérios editoriais. As amostras podem ser endereçadas para Notícias Magazine – Garrafeira – Edifício Jornal de Notícias – Rua Gonçalo Cristóvão, 195 – 4049-011 Porto