Vacina contra o HPV nas mulheres adultas: sim ou não?

A vacina é eficaz antes e depois de ter contacto com o vírus

O vírus do papiloma humano é o principal responsável pelo cancro do colo do útero. É uma infeção comum que exige cuidado porque pode progredir. Mesmo em relações estáveis. Prevenir é o melhor remédio em qualquer idade.

O papilomavírus humano (HPV) é o principal responsável pelo cancro do colo do útero. É a infeção sexual mais frequente do Mundo, afeta homens e mulheres, entre 75 e 80% da população sexualmente ativa em algum momento da sua vida. Por isso, máxima atenção. A vacina é comparticipada para meninas de dez anos e para rapazes da mesma idade que tenham nascido a partir de 2009. E as mulheres adultas? O que devem fazer?

Aos 47 anos, o primeiro teste positivo na citologia de rastreio HPV feita no centro de saúde. “Não me preocupei muito, não me alarmei”, recorda Ana (nome fictício). O nome não é importante, a história sim. A doença não estava instalada, não havia lesões, indicação para repetir o teste passado um ano. Assim fez. Novamente positivo. “Foi um susto muito grande quando testei positivo pela segunda vez. Aí, sim, fiquei muito preocupada”, lembra. Até porque o tipo de HPV que acusou positivo não era dos mais inofensivos. São mais de 120 tipos e dividem-se em alto e baixo risco – os tipos 16 e 18 são os piores, responsáveis por 75% das lesões mais graves (leia-se cancro).

Na segunda vez, Ana fez mais perguntas à médica de família, queria saber mais do assunto, decidiu ir a um médico, no privado, enquanto esperava pela consulta no hospital. “Explicou-me tudo muito bem e aconselhou-me a fazer a vacina do HPV. Percebi que e é uma opção válida para prevenir o HPV.” E acrescenta: “Durante muitos anos, nunca me informaram que havia vantagem em ser vacinada mesmo sendo adulta”. Três doses, uma vacina que protege dos nove tipos mais perigosos, mais de 400 euros do próprio bolso. “Apesar de ser um esforço financeiro significativo, preferi fazer esse investimento em relação ao futuro, porque previne, de forma eficaz, um cancro mortal.” Ana sente-se mais protegida. No final de 2021, dois anos depois do primeiro rastreio, a terceira citologia deu negativo.

O HPV não é para brincadeiras nos casos em que o organismo não consegue eliminá-lo. É responsável por quase 100% dos cancros do colo do útero, 84% dos cancros do ânus, 70% da vagina, 47% do pénis, 40% da vulva. É o segundo carcinogéneo mais relevante a seguir ao tabaco. No nosso país, as estimativas apontam para cerca de 20% de mulheres entre os 18 e os 64 anos infetadas por um ou mais tipos de HPV. Em Portugal, cerca de 15% dos casos de cancro do colo do útero são em mulheres acima dos 65 anos. O HPV infeta mulheres mais velhas, portanto. E o preservativo não assegura uma proteção completa no caso de HPV.

Pedro Baptista, ginecologista e obstetra, responsável pela Unidade de Trato Genital Inferior do Hospital de São João, no Porto, aconselha a vacinação a mulheres até aos 40 anos, até aos 35 anos convém não facilitar, e a quem tem lesões de alto grau do colo do útero, da vulva, da vagina, do canal anal, independentemente da idade. “Acima dos 40 anos, o impacto da prevenção primária parece pequeno”, refere. Além disso, as mulheres que, por algum motivo, escaparam à vacinação comparticipada, e são cerca de 10%, deveriam ser repescadas e vacinadas. As imunodeprimidas, com doenças autoimunes, pré-transplantadas, também devem ser vacinadas.

Infeção altamente transmissível e assintomática

O HPV transmite-se muito facilmente durante o contacto sexual, genital ou oral, a infeção é assintomática, daí a importância do rastreio, pode desaparecer espontaneamente ou pode progredir. E a situação pode ser grave. Hemorragia vaginal anormal, corrimento vaginal com sangue e odor intenso, dores na região pélvica e lombar são os sintomas mais frequentes quando as células já são invasivas.

A vacina é eficaz antes e depois de ter contacto com o vírus. Amélia Pedro, ginecologista no Hospital CUF Sintra, presidente da secção de Colposcopia e Patologia do Trato Genital Inferior da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, garante que “a infeção é muito frequente”. Daí a importância da vacina. “Quem já tenha tido lesões do colo do útero ou tenha sido tratada por lesões pré-malignas beneficia em fazer a vacina. Quem faz a vacina recidive menos”, sustenta.

Se é para fazer, quanto mais cedo melhor, até porque, explica Pedro Baptista, “vai ter benefícios, proteção, e uma resposta do sistema imunitário mais cedo”. A vacinação contra o HPV é eficaz nas reativações. “A infeção natural não confere a imunidade”, avisa Pedro Baptista. E há várias ideias que não fazem sentido. A infeção pode acontecer na mesma relação, já ter tido HPV e estar num relacionamento estável para não ser vacinada são argumentos que não servem. O HPV é muito comum numa vida sexual ativa. Para Pedro Baptista, não faz sentido que o rastreio do colo do útero seja feito apenas com o papanicolau, é necessário fazer o teste HPV, que custa 80 euros sem comparticipação.

Todos os anos, na Europa, surgem 60 mil novos casos de cancro do colo do útero, 30 mil são fatais. A verdade é que o HPV é bastante imprevisível e é difícil estabelecer uma relação causa e efeito. “O vírus pode ficar latente e a infeção pode manifestar-se anos mais tarde”, adianta Amélia Pedro. Mas com o cancro não se brinca. “É causa necessária, mas não suficiente. É preciso que haja persistência do vírus e as infeções transitórias não conferem um risco acrescido.”

Feitas as contas, para Pedro Baptista valerá mais a pena investir na vacinação de mulheres adultas e numa possível comparticipação – a vacina contra o HPV custa cerca de 405 euros (três doses) – do que vacinar os rapazes de dez anos. “A vacinação dos rapazes, com a taxa de cobertura das raparigas, tem um impacto mínimo”, salienta. Mas, como sempre, cada caso é um caso.

Protege de nove tipos de vírus
O Programa Nacional de Vacinação contempla, desde 2008, a vacinação contra o HPV de raparigas de dez anos e, em outubro de 2020, passou também a incluir rapazes da mesma idade nascidos a partir de 2009. A vacina HPV nonavalente é comparticipada, aplicada na pré-adolescência, antes do início da vida sexual, e protege contra nove serótipos do vírus, aumentando a proteção para cerca de 90% dos tipos de HPV associados ao cancro do colo do útero e outros cancros anogenitais.

O HPV em números

20%
Em Portugal, cerca de um quinto das mulheres entre os 18 e os 64 anos estão infetadas por um ou mais tipos de HPV.

15%
Do total de casos de cancro do colo do útero no nosso país, 15% são em mulheres com mais de 65 anos.

60.000
Na Europa, registam-se anualmente 60 mil novos casos de cancro do colo do útero, 30 mil são fatais.

80%
Taxa de infeção por HPV. É a infeção sexual mais frequente a nível mundial. É responsável por quase 100% dos cancros do colo do útero, 84% dos cancros do ânus, 70% da vagina, 47% do pénis. É o segundo carcinogéneo mais relevante a seguir ao tabaco.

405 euros
A vacinação completa contra o HPV custa cerca de 405 euros (sem comparticipação). São três doses, com pelo menos dois meses de intervalo entre a primeira e a segunda e até um espaço de um ano para a vacinação completa.