Há tapioca e pão de queijo nos supermercados, pululam os restaurantes típicos do país do Cristo Redentor, ouve-se funk e sertanejo nas rádios e nos bares, dança-se samba, a estética conquista terreno e o sotaque ritmado está em todos os recantos. A vaga migratória que chega da outra margem do Atlântico - sem paralelo nos últimos 20 anos - tem trazido em força a cultura do Brasil na mala. Que por cá se tem enraizado numa fusão tão rica quanto inevitável.
O dia era 26 de junho. O Parque da Bela Vista, a rebentar pelas costuras, enchia-se de pó e de histeria. Anitta subia ao palco no último dia do Rock in Rio Lisboa para uma enchente de loucura. Não era cabeça de cartaz, mas desengane-se quem pensa que grande parte daquelas 80 mil pessoas não estava ali pela artista brasileira. É certo que a música com a pronúncia do outro lado do Atlântico há muito que entra nas rádios, nas novelas, nos bares, nos gira-discos das casas portuguesas. Pela voz de Caetano Veloso ou de Chico Buarque, de Maria Bethânia ou de Gal Costa. Mas talvez nunca tenha chegado com tanta força como agora – lá iremos.
Roberta Medina já leva 19 anos a morar em Portugal, veio com uma missão, organizar o Rock in Rio em Portugal, só que se apaixonou. Pelo país, por Lisboa, pelas pessoas, por uma cultura menos competitiva e menos agressiva no mercado de trabalho. “Descobri uma coisa que não sabia que existia: a nossa personalidade identificar-se com o estilo de vida de uma cidade. E eu sou de uma leva em que não havia tantos brasileiros a viver em Portugal. Muito diferente do que é hoje em dia.”
Hoje, é casada com um português, tem dois filhos, “mais enraizada é impossível”. E está a assistir à recente vaga de imigração de brasileiros, a maior dos últimos 20 anos. Tanto que há uma presença crescente e notada da cultura brasileira por cá, numa fusão que se faz ouvir também na música. Na força do funk, do sertanejo, para lá do samba e da bossa nova de outros tempos, a soar nas colunas de quase todos os cafés, bares e discotecas do país.
“Vejo isto como um ciclo. É um novo pico. Quando cheguei, das coisas que mais me chamou a atenção é que toda a gente conhecia a gíria brasileira, e em qualquer restaurante que entrava estava a tocar música popular brasileira. Muito por influência das novelas. Depois, a influência baixou com o crescimento das novelas portuguesas. E agora é um novo pico. A Anitta hoje é o Caetano ou o Gilberto Gil de antigamente.”
Se recuar ao ano em que aterrou em solo luso, é ela quem diz, o fenómeno era Daniela Mercury, Gabriel O Pensador, Ivete Sangalo. “Portugal sempre teve uma relação muito aberta com o Brasil, mesmo com todos os preconceitos que existem, há uma paixão quase de pai para filho. Há muita abertura para o consumo de cultura brasileira.”
Ainda assim, num caminho muito facilitado por um mundo digital democrático, mas também pela maior presença de brasileiros por cá, Roberta admite a tendência. De Wesley Safadão a Giulia Be ou Vitor Kley, de enfiada dá um chorrilho de exemplos de artistas que cá fazem sucesso. E os festivais não contribuem para isso? “As plataformas de streaming, as rádios, o acesso à cultura brasileira criam o interesse e os festivais respondem ao interesse do público, trabalham sobretudo com talentos com dimensão.”
Para lá do funk, as rodas de samba
No ano passado, o número de brasileiros a viver em Portugal, segundo dados do SEF, ultrapassava os 204 mil. E só no primeiro semestre de 2022 contabilizam-se mais 47 600 títulos de residência atribuídos a cidadãos brasileiros. São a maior comunidade estrangeira no nosso país desde 2007, ano de início de uma vaga de migração semelhante à de agora, que atingiu o pico em 2010 com 119 mil brasileiros a residir em Portugal. Mesmo assim, longe dos números atuais.
Não é preciso muito, basta andar pela rua que a cada canto se ouve o sotaque ritmado do país tropical. Duzentos anos depois da independência do Brasil (que se comemora a 7 de setembro), a influência cultural da outra margem do Atlântico está a enraizar-se cada vez mais no país de Camões. Mariana Serafim, ou melhor, Nika, como é tratada, é produtora cultural e também terá dedo nisso. Rebobinemos até 2017 quando veio a Portugal visitar uma amiga. Era só para desanuviar, para repensar objetivos. Acabou por ficar para abrir com a amiga Marina Ginde, em 2018, a Valsa, um espaço de convívio multicultural na capital, que também é um pequeno restaurante de pizas, onde há cerveja artesanal, rodas de samba todos os meses, concertos, eventos. “Estávamos a conversar as duas sobre lugares onde gostávamos de ir em São Paulo, com opções culturais, comida e bebida acessível. E porque não criar esse lugar aqui?”, conta.
Na Valsa, dão palco a artistas emergentes, sobretudo brasileiros que vivem cá, mas também a portugueses e de outras nacionalidades. “Acabamos por virar uma comunidade, um lugar seguro para pessoas migrantes. A maioria dos nossos clientes são brasileiros, mas também há muitos portugueses. Vêm pela comida e ficam pela cultura. Adoram.” É uma “casa de experimentação”. Um laboratório para artistas.
Nika aterrou em Portugal pouco antes da chegada massiva de brasileiros ao país. Mesmo assim, diz que já sente diferenças. “Para quem chegou há quatro anos, posso dizer que em Lisboa e no Porto muita coisa mudou, falo sobretudo pela cena cultural. O que é muito interessante para Portugal. Em Lisboa, os artistas, DJ e muitas das pessoas que trabalham na noite atualmente são brasileiras. Isso deve-se muito à recente vaga e a cena cultural está a ser muito influenciada.”
E vai para lá disso. Nika mora na Penha de França, “já de si um bairro muito brasileiro”. “Só aqui, no último ano abriram uns três ou quatro restaurantes brasileiros. Vejo casas com pão de queijo, com coxinha, picanha. E agora em agosto só ouço português do Brasil, além de turistas a falar inglês”, comenta.
Uma vaga migratória, a xenofobia a reboque
Sobre o êxodo recente de brasileiros e a implantação em Portugal, além da segurança urbana que encontram e a facilidade da língua, todos sugerem mil e uma explicações. Mas Thais França, socióloga e investigadora na área das migrações do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, resume-as bem. “Este não é um fenómeno novo. Sempre houve picos destes, mas há uma chegada de brasileiros como não se via desde a época da austeridade. E há vários fatores. A situação política e económica no Brasil, é certo. Mas nem tudo pode ser explicado só por isso.” Segundo Thais, há uma série de pessoas de classe alta que costumava ir para os Estados Unidos e que está a vir para cá. “Com a dificuldade em conseguir visto e o aumento dos preços, Portugal torna-se um lugar mais atrativo.”
Paralelamente, o país criou uma política de atração “de investimento, de profissionais qualificados, com programas de impostos”. Depois, há o contingente de estudantes, já que “se tem investido muito na internacionalização das universidades e há uma propaganda muito forte no exterior, nomeadamente no Brasil, para atrair estudantes internacionais”. Há ainda outro fator: como esta imigração brasileira não é recente para Portugal, já se criaram muitas redes. “Não podemos desconsiderar os imigrantes que já cá estiveram e que voltaram, ou que ajudam com informações ou que têm descendentes a chegar.”
E o fenómeno é positivo? “Para Portugal claro que sim. Um país que tem o problema demográfico que tem, além de um problema de falta de mão de obra qualificada e não qualificada, claro que se vêm imigrantes é sempre benéfico.” Só que a par disso, começam a vir à tona os discursos xenófobos, a propagar o preconceito, a discriminação, a recuperar-se os velhinhos estereótipos. Que estão a ganhar cada vez mais visibilidade, inclusive na imprensa brasileira. A própria Thais, sendo brasileira, o testemunha, ainda que já cá esteja desde 2008 a fazer carreira académica. Fez parte de um movimento de luta contra o preconceito de mulheres brasileiras em Portugal, no ido ano de 2011. “Diria que a minha experiência foi menos tumultuosa do que seria hoje. Mas nem por isso deixou de ser problemática. Em serviços públicos, no SEF, no centro de saúde. Coisas que continuo a experienciar hoje, ao fim de 17 anos. Mesmo na academia portuguesa, digamos que fica sempre muito claro que sou brasileira e que não pertenço da mesma maneira.”
Tal como Nika o sente, “todos os dias, é interminável”. “Ainda no fim de semana, tivemos na Valsa uma visita de rotina da Polícia extremamente exagerada e com um tom xenófobo. Dez agentes a pedir autorizações de residência. Já para não falar da diminuição da nossa experiência profissional, cheguei a procurar alguns trabalhos quando cheguei cá e é como se ser brasileiro fosse uma coisa ruim.”
Nos meandros das conversas, ouvem-se termos como “colonização reversa” ou “invasão” e o crescimento da comunidade brasileira, com mais canais de denúncia, também tem permitido expor mais os episódios xenófobos. O aumento de associações de apoio, desde a Casa do Brasil de Lisboa ao coletivo Andorinha ou à Associação UAI, é reflexo disso mesmo.
Imigrante há cinco anos, mestre em Psicologia Clínica e idealizadora do projeto “Brasileiras Não Se Calam”, Mariana Braz sabe que ainda há muito preconceito em relação a brasileiros e sobretudo estereotipação da mulher brasileira, numa imagem sexualizada. “Mas espero que com esta vinda de tanta gente acabe por se quebrar. Sinto que também temos tido esse papel de levantar o debate sobre a xenofobia cá. No Brasil há uma grande discussão em torno destes temas e já vimos com essa bagagem.”
À bagagem do ativismo junta-se tudo o resto, que é tanto. E a tendência para uma maior presença cultural brasileira em Portugal vai continuar a acontecer, Mariana não tem dúvidas. “Porque há mais brasileiros. Conheci uma menina que está cá há 20 anos e ela disse-me que no início tinha dificuldade em encontrar produtos brasileiros.” Hoje não. Já há produtos típicos do Brasil nos supermercados portugueses, cada vez mais restaurantes brasileiros, lojas só com produtos do Brasil. “A música também tem grande influência aqui, a dança, os filmes, as séries. A estética, que no Brasil é muito forte, o samba, o Carnaval, o funk. E é muito rica essa troca.”
Dentistas, cirurgia estética e o mundo da beleza
Hiram Fischer entra nesta história no capítulo da estética, mais precisamente da medicina dentária. Foi um dos primeiros médicos-dentistas brasileiros a chegar a Portugal, corria o ano de 1998. Desde então, muitos outros chegaram “à procura do Eldorado”. Na altura, encontrou um Portugal completamente diferente. “Um país com estradas deficitárias, sem infraestruturas, basicamente com quatro canais de televisão. E a evolução desde aí foi muito, muito grande. Dou muito valor a isso.”
A diferença também era notória na medicina dentária. A escola brasileira segue o padrão norte-americano. “Um conceito de estética, função, de tentar recuperar as peças dentárias. Enquanto aqui, na época, havia situações de quase mutilações. Nomeadamente de perda de dentes prematuros quando os dentes eram perfeitamente possíveis de serem aproveitados. Então, nós, profissionais brasileiros, entrámos com uma visão diferente.”
Foi há 27 anos que Hiram e outros dois colegas brasileiros criaram o Centro Europeu de Pós-Graduação em Medicina Dentária, no Porto, que começou a dar formação a dentistas portugueses e brasileiros. Esta área em Portugal cresceu muito desde então, e não tem dúvidas de que “a presença de profissionais brasileiros foi um dos motores”.
Mais recentemente, tem sido também pelas mãos de brasileiros que a estética facial, a chamada harmonização facial (que vai desde a aplicação de botox a ácido hialurónico) tem entrado na prática da medicina dentária em Portugal. “O Brasil sempre foi um dos países mais avançados em cirurgias plásticas. E lá a especialidade da estética facial é da medicina dentária. Agora, já há dentistas brasileiros e portugueses a fazê-lo em Portugal.” Este é, aliás, um campo onde a bola ainda não parou de girar. A estética é um dos reinados do Brasil em Portugal, uma das fortes influências que se têm vindo a fazer sentir. Ainda no ano passado chegou a Braga, onde há uma expressiva comunidade brasileira, a primeira clínica Onodera – que reclama o estatuto de maior rede de clínicas de estética no Brasil – fora do país. O que é sintomático. E o universo da estética, além dos implantes e demais cirurgias, estende os tentáculos ao design de sobrancelhas, às unhas, com muitos brasileiros a apostar em estabelecimentos nesta área.
Herança mais antiga é a do samba no Carnaval, seja em Ovar ou Estarreja, debaixo do frio típico de fevereiro. Como o são os livros de autores brasileiros, de Jorge Amado a Tati Bernardi, à venda nas livrarias ou que entram no Plano Nacional de Leitura. Um ‘rewind’ nesta cassete até dezembro de 1990, quando Edson Athayde, um dos publicitários mais premiados da história de Portugal, se mudou para fugir a “um presidente muito louco”, Fernando Collor de Mello. “O Brasil tem o hábito de ter presidentes muito loucos, é um movimento cíclico.” Chegou sem grande informação, não havia Internet. Sabia que em Portugal se falava e escrevia em português, pouco mais, realidade bem distante da imigração de hoje.
No arranque de 1991 já estava a trabalhar e acabou a descobrir um país que nunca mais quis abandonar, num “amor à primeira vista”. “Portugal estava a abrir-se ao Mundo na altura, numa dinâmica muito boa. Foi aí que apareceu a TVI, a SIC, mais jornais, mais revistas. Hoje é um país diferente, o mesmo, mas diferente.”
Dedicou-se a construir relações com os locais, mais do que com a comunidade imigrante brasileira, forçou-se a sair da zona de conforto, a integrar-se. E isso deu frutos, muitos. Da publicidade às crónicas e à produção musical tem 12 livros publicados e até na política entrou – há quem lhe atribua o sucesso da campanha que elegeu António Guterres como primeiro-ministro. “Nestes 32 anos, cheguei a morar em Espanha, nos Estados Unidos, no Brasil, mas nunca fiquei mais de um mês sem vir a Portugal.” Em três décadas, já assistiu a muitos movimentos migratórios, “do Brasil para cá e de regresso”. “Conheço poucas pessoas desta atual onda. Mas percebo que é gente que já chega com estrutura, que já tem o seu lugar no Mundo e escolhe trabalhar a partir de Portugal. E isso é curioso.”
Curioso também é Edson, que hoje é CEO e diretor criativo da agência de publicidade FCB Lisboa (que acabou de conquistar um Grand Prix de Cannes), sentir que não há mais influência cultural agora. “Quando cheguei havia novelas brasileiras em prime time, numa época com dois canais a funcionar. Toda a gente via o mesmo. Sempre passou música brasileira na rádio, sempre houve shows de cantores brasileiros. Os desenhos animados eram dobrados em português do Brasil. Acho é que hoje a influência é mais diversa. Há várias culturas a chegar, a do funk, do sertanejo. Como há fenómenos da cultura portuguesa que fazem sucesso no Brasil, desde o Gato Fedorento a Bruno Aleixo.” E isso, acredita piamente, não é transitório. “É permanente. Não tem mais como fechar o espaço das pessoas.”
Do pão de queijo à tapioca
Edson pode não sentir, mas na gastronomia a diferença é flagrante. Não importamos só música, novelas, dança. O facto de as lojas Continente terem produtos do Brasil à venda é demonstrativo. Há tapiocas, kimilho (farinha de milho em flocos), polvilho (doce e azedo), farofa, farinha de mandioca fubá, sagu, pão de queijo, açaí, cachaça, feijão ou paçoca. Além de marcas brasileiras como Moreninha do Rio ou Da Terrinha. A aposta “Cozinhas do Mundo – Brasil” começou em finais de 2020, segundo a MC (antiga Sonae MC), em algumas lojas-piloto, ainda que antes disso já houvesse alguns artigos típicos do Brasil e de marcas brasileiras à venda. Em 2021, chegou a todas as lojas Continente, Continente Modelo e Continente Bom Dia e houve um aumento dos artigos direcionados para o público brasileiro e “demais apreciadores desta cozinha”.
O motivo é óbvio. O crescimento da comunidade brasileira em Portugal e “também o facto de certos produtos estarem a tornar-se tendência e alvo de preferência para o público português, como as tapiocas”. Os números cedidos pela MC subscrevem: entre 2019 e 2021, houve um aumento de 50% nas vendas destes produtos.
Rua Dr. Alfredo Magalhães, Porto. A música brasileira a soar, as camisolas das funcionárias com as cores do país irmão. E um corrupio de gente a entrar e sair, sobretudo brasileiros. O Mercado Brasil Tropical abriu há cinco anos na Invicta. Também existe em Arroios, Odivelas, Cascais e Vila Franca de Xira. “Há muita procura de produtos brasileiros, não só por brasileiros, também por portugueses. Temos uma clientela muito grande de portugueses, influenciados por programas de televisão ou porque já foram ao Brasil e experimentaram”, explica Anni Broiet, gerente do espaço portuense.
Muitos dos portugueses chegam também porque veem receitas no YouTube ou para seguirem dicas de vizinhos e amigos brasileiros, comenta Elisangela Lima, ali funcionária. “O que a loja tem é o que é difícil encontrar aqui. A maioria são produtos exclusivos.” Do flocão de milho ao miojo, que se chega a vender às caixas de 50, nada falha. É conhecido por mercado da saudade e da variedade por alguma razão.
Rita Ribeiro, socióloga, professora e investigadora na Universidade do Minho, admite que “a cultura brasileira está presente em Portugal há muito tempo”. “Mas mais recentemente, parece-me normal esta expansão. Por um lado, porque a comunidade brasileira cresceu e há a influência de quem está cá e estabelece relações de amizade e trabalho com portugueses.” Por outro, porque se assistem a cada vez mais iniciativas estruturadas, como o festival “Do Bira ao Samba”, em Braga, que liga a cultura portuguesa e brasileira, “e que visa precisamente esta fusão”.
“Cultura bastante exportável”
Mas porque será que somos tão influenciados pela cultura brasileira? “As relações entre Portugal e o Brasil são seculares. Não nos podemos esquecer que o movimento inverso, a emigração de portugueses para o Brasil se faz há muito, e foi muito intensa entre o século XIX e o início do século XX”, recorda a socióloga. As relações intensificaram-se com estes movimentos, e depois com a massificação da cultura, desde as novelas ao YouTube, “hoje tudo circula com facilidade”.
Além disso, tendencialmente, a cultura portuguesa tem alguma abertura, “as culturas pequenas acabam por ter esta característica, também recebemos muita influência do mercado anglo-saxónico”. E há mais um fator, é que a cultura brasileira “é em si bastante exportável, é vista com um certo exotismo por parte dos europeus, porque há essa dimensão tropical”. Basta ver que a capoeira é um sucesso na Europa, muito para lá de Portugal.
Dos discursos nacionalistas ou puristas, que temem que a cultura portuguesa se perca num caminho de globalização, Rita Ribeiro diz ser “absurdo”. “As culturas não são fechadas, não são ilhas nem nunca foram, foram sempre fusão e mistura. Não há culturas puras. Não vejo nenhum risco identitário.” Geralmente, os momentos mais criativos e dinâmicos nas sociedades “são os de encontro, fusão, porque daí nascem coisas novas”. Os próprios brasileiros chegam, defende, “com interesse na cultura portuguesa, em busca das suas raízes, e encantam-se com ícones culturais como o fado”.
Tal como Maria Maia, que aterrou em Braga há sete anos e se rendeu. “Se agora pudesse escolher outro país, escolheria Portugal novamente.” Fala acelerada, despachada, de quem tem muitos afazeres. Criou cá a empresa Queijo Coalho Portugal, que é típico do nordeste do Brasil e fabricado 100% no nosso país – com distribuição para toda a Europa. Há duas a três produções por semana na fábrica que construiu na cidade dos arcebispos. O negócio ultrapassa o queijo coalho, há massa de pastel, bolo de rolo, enchidos tradicionais do Brasil. “Tenho muitos clientes portugueses, até perco a conta. Ora porque experimentaram no Brasil, ora porque é o queijo das novelas.”
Está a assistir de perto à vaga de imigração e reconhece sem medos: “Há muita, muita gente mesmo a chegar. E não há dúvidas de que estamos a trazer muito do Brasil para cá. Ainda em setembro vamos ter a Festa do Dia do Brasil em Braga, com espaços dedicados a muitos estados, de Pernambuco ao Amazonas, da Bahia ao Espírito Santo…”
Pôr travão à partilha que se está a cimentar cada vez mais não parece possível. O Brasil apaixonou-se por Portugal e Portugal está a abrir os braços às mil culturas do país irmão. Que vieram para ficar. Como diz o luso-brasileiro Edson Athayde: “Não pretendo morrer, mas se for caso de acontecer, prefiro que seja em Portugal”.