Tratar o excesso de peso sem cortes ou cicatrizes

Rita Vicente foi submetida a uma intervenção menos invasiva para o tratamento da obesidade (Foto: Carlos Alberto/Global Imagens)

A técnica inovadora, que se faz por via endoscópica, não implica incisões e a recuperação é mais rápida. O Método Apollo permite tratar doentes obesos que antes não tinham solução. Estreou-se no privado, mas também se encontra no SNS. E está a disseminar-se.

“Quando me falaram da técnica por endoscopia fiquei tão contente. E quem me vir, neste verão, quando for para a praia, não tenho uma única cicatriz.” Rita Vicente, 24 anos, faz as contas num ápice, para quem chegou a pesar 130 quilos, os números importam e deixam marcas. Já perdeu 54 quilos desde que começou uma luta contra a obesidade, 20 dos quais depois de ser submetida ao tratamento de redução do estômago por endoscopia, sem cortes nem cicatrizes, o Método Apollo, técnica inovadora que chegou a Portugal em 2019 – estreou-se no privado, mas também já está no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Foi, aliás, o SNS que abriu as portas a Rita para a transformação de uma vida.

Foi aos seis anos que começou a ganhar peso, à conta da ansiedade de quem estava a entrar para a escola e começava a comer “compulsivamente”. Nunca mais conseguiu pôr travão, com episódios de bullying pelo meio e num caminho que só viria a piorar no Ensino Secundário. Aos 18 anos, engravidou de gémeas. E, a somar à gravidez, no pós-parto engordou 20 quilos em dois meses. “A autoestima foi descendo, não me sentia bem, não encontrava roupa, a mobilidade já estava muito difícil, não tinha resistência. Um dia, estava a tomar banho e deparei-me com dificuldades em lavar-me e pensei ‘isto tem que mudar’.”

Rita Vicente chegou a pesar 130 quilos
(Foto: DR)

Pediu à médica de família para ser referenciada para consulta de obesidade, já tinha ouvido falar de cirurgias, mas não quis ganhar muita esperança. Mais de um ano de espera haveria de valer a pena: em fevereiro de 2021 foi à primeira consulta no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. E a vida dava uma cambalhota. Começou a ser seguida em endocrinologia, psicologia, nutrição. Sem metas definidas, foi seguindo os planos à risca, entre atividade física e alimentação, chegou a setembro com 35 quilos perdidos. E foi aí que o Método Apollo entrou na equação. “Um método menos invasivo, com menos riscos, era uma oportunidade maravilhosa. A 10 de dezembro fui operada e saí do hospital no dia a seguir. O pós-operatório foi super tranquilo, foi espetacular.”

A dar passos no SNS

Em Portugal, o Santa Maria foi o primeiro hospital público a realizar esta intervenção menos invasiva para o tratamento da obesidade de forma regular. Arrancou em setembro e, segundo Bernardo Conde Maria, médico de cirurgia geral, o hospital que criou a Unidade de Cirurgia Endoluminal está perto dos 80 doentes operados – e todos estão a perder peso. Um marco importante depois de a Organização Mundial da Saúde ter considerado a obesidade a epidemia do século XXI. “Os números estão a crescer e a previsão é que em 2030 metade da população dos Estados Unidos seja obesa. Isto tem que ser combatido, a obesidade acarreta grandes custos para os sistemas de saúde e tem um grande peso na qualidade de vida destes doentes.” A doença está associada a uma série de comorbilidades, desde a hipertensão à diabetes, além do risco aumentado de múltiplos cancros. Um doente obeso vive, em média, menos dez anos do que uma pessoa não obesa.

Mas, afinal, em que é que consiste a nova técnica? É feita pela boca, como uma endoscopia normal, e através do endoscópio fazem-se suturas, cosendo as paredes do estômago, numa espécie de pregas. “Passamos pontos ao longo da curvatura do estômago, o que leva a uma redução do volume. Na sua forma final, permite que o estômago fique com 30% a 40% da sua capacidade inicial.” Com menos espaço para receber alimentos, come-se menos, a saciedade é mais prolongada e isso leva a uma perda de peso ao longo do tempo (porque exige tempo, não há milagres).

Por ser menos invasiva do que as cirurgias mais convencionais – e sem cortes no estômago como acontece com o sleeve e o bypass -, as vantagens são muitas. “Não há incisões no abdómen, o que leva a menos dor no pós-operatório, à ausência de cicatrizes, menos complicações, uma recuperação mais rápida.” Dura cerca de 45 minutos, é usada anestesia geral e, por regra, os doentes têm alta no dia a seguir à intervenção. Tal como aconteceu com Rita, que continua a ser acompanhada no Santa Maria. “Já passaram seis meses e sinto-me muito bem. Estou com 76 quilos. Agora é manter o peso, a dieta, o exercício. Isto é uma luta para a vida. Mas este procedimento foi a melhor coisa que me aconteceu. Já consigo correr atrás das minhas filhas, tenho mais resistência, é muito bom.”

Dos pré-obesos aos super obesos

A verdade é que os resultados desta técnica no Santa Maria têm superado as expectativas. O expectável é que a perda de peso global ronde os 20% a 25%. E se focarmos só no excesso de peso, as estimativas apontam para uma perda na ordem dos 55% ao fim de um ano. Segundo o médico, “já há casos que, em três e seis meses, conseguiram uma perda do excesso de peso na ordem dos 50%”.

Aqui, o método permitiu dar uma nova esperança a muitos doentes, alguns que nem cumpriam critérios para cirurgia mais invasiva. “A nossa indicação inicial é para doentes com Índice de Massa Corporal (IMC) inferior a 40. É uma nova arma para doentes que estão a caminhar para a obesidade mórbida, porque conseguimos intervir precocemente e evitar que cheguem a esses níveis.” Mas o hospital já alargou o leque também a super obesos, inclusive alguns que já tinham sido submetidos a cirurgia bariátrica e que, depois da perda, voltaram a ganhar peso.

Aliás, é este último critério que o Hospital de São João, no Porto, que está prestes a estrear-se nesta técnica (deverá avançar nos próximos meses), vai usar. Numa abordagem diferente, aqui, o Método Apollo servirá de ponte para outras cirurgias convencionais. “Vai ser proposto a doentes que não tenham condições cirúrgicas ou que tenham alto risco cirúrgico, com IMC superior a 45. Sendo a cirurgia altamente complexa, usamos esta técnica primeiro, que permite perder algum peso e diminuir os riscos para avançar para cirurgia. Temos dezenas de doentes super obesos que não podiam ser operados até então porque não havia segurança”, explica Marco Silva, gastrenterologista e coordenador de Endoscopia do Centro de Responsabilidade Integrado de Obesidade no São João, que já tem pelo menos 11 doentes sinalizados para a nova técnica, que, apesar de todas as vantagens, não tem tão bons resultados como as cirurgias convencionais.

Há três anos no privado

Ainda antes do SNS, a técnica estreou-se em Portugal em 2019, no setor privado, pelas mãos do médico espanhol López-Nava. O gastrenterologista Leonel Ricardo – atualmente na Clínica de Carcavelos, do grupo Joaquim Chaves Saúde – fez parte da equipa pioneira em terras lusas e desde então já usou o Método Apollo em mais de 200 doentes. “O procedimento surgiu há cerca de 12 anos, desenvolvido por uma empresa norte-americana e tem vindo a ser cada vez mais utilizado a nível mundial”, diz o médico, que sublinha que já muitos doentes lhe chegam referenciados pelo médico de família, “o que mostra que há maior conhecimento desta técnica pela comunidade médica”.

Desde que iniciou o processo no Santa Maria, que culminou na redução de estômago, Rita Vicente perdeu 54 quilos
(Foto: Carlos Alberto/Global Imagens)

No privado, garante, é o preço – cerca de 9 mil euros, incluindo o acompanhamento – o maior travão. Ainda assim, como a técnica pode ser usada em doentes com IMC entre 30 e 40, ou seja, obesidade de grau I e II, “permite a uma série de pessoas que antes não tinha solução ter acesso a tratamento”. Uma coisa é certa, não se acorda magro do dia para a noite: “A redução do estômago é uma grande ajuda, mas é a mudança de comportamentos que depois vai ditar resultados a longo prazo”.

Números

20% a 25%
Os doentes submetidos ao tratamento da obesidade por endoscopia conseguem, em média, uma perda de peso entre 20% e 25%. Sendo que no primeiro mês perdem logo 10% do peso corporal. Com isso, também há melhorias significativas das doenças associadas à obesidade, como a diabetes ou a hipertensão, chegando mesmo a haver a sua resolução.

70%
O Método Apollo permite uma redução de 70% do volume do estômago, ou seja, reduz três quartos do seu tamanho, o que potencia uma perda de peso eficaz.

3%
Nos casos de obesidade mórbida, apenas 3% das pessoas consegue perder peso só com alterações do estilo de vida e alimentares. Por muito eficaz que seja o acompanhamento e por muito que os doentes adiram às mudanças, só isso não é suficiente.

1,5 milhões
A obesidade continua a crescer em Portugal e os dados mais recentes mostram que metade da população (53%) tem excesso de peso e 1,5 milhões de pessoas são obesas.