Televisores grandes, casas pequenas. Como isso está a afetar os olhos e o pescoço?

Todos os fabricantes incluem no guia de escolha de um televisor uma espécie de manual de visualização, mas nunca é o principal argumento de venda do comerciante

Verdadeiros monstros em salas de estar cada vez mais apertadas podem fazer muito mal à saúde ocular. Na hora de comprar a TV, siga os conselhos da distância de visualização.

Normalmente, os lugares da primeira fila no cinema costumam ser os últimos a serem vendidos. Há uma razão para isso. A experiência de ver um filme nesses bancos não é muito agradável. Precisamos de mexer o pescoço para ver todo o ecrã e, quando estamos muito perto, não dá para visualizar a imagem completa de uma vez. Se o filme for legendado… ainda pior.

Algumas destas situações estão a ser levadas para o aconchego do lar, agora que os principais fabricantes de televisores apostam tudo em transformar a nossa sala de estar numa sala de cinema. Será que estamos a ver televisão na temida primeira fila do cinema? E como isso está a afetar a nossa vista e o pescoço?

As tendências de mercado nos últimos dez anos dizem-nos que há direções opostas que poderão influenciar como os portugueses consomem televisão do ponto de vista da saúde ocular. Os dados concluem que as famílias compram televisores cada vez maiores, com destaque para a gama a partir de 65 polegadas (165 centímetros), já verdadeiros monstros na sala. Pelo contrário, o Instituto Nacional de Estatística (INE) constata que os portugueses estão a comprar casas com salas cada vez mais pequenas. Se o tamanho do televisor aumenta e a sala de estar diminui, estaremos a ver TV de uma forma errada?

Os últimos dados do INE indicam que a superfície habitável média de casas novas está a diminuir desde 2011, passando dos 21,5 para os 19,6 metros quadrados. No lado aposto, as marcas de televisores recomendam “o maior tamanho possível para o seu orçamento”, como aconselha a Samsung, que reforça a sua mensagem com “maior é melhor”. E até citam um estudo em que “uma das principais razões para comprar uma nova televisão é a procura por ecrãs maiores”.

Aliás, todos os fabricantes incluem no guia de escolha de um televisor uma espécie de manual de visualização, mas nunca é o principal argumento de venda do comerciante. Raramente perguntam o tamanho da sala quando o interesse é vender uma determinada marca com um determinado tamanho. Os fabricantes ressaltam que “a melhor e mais imersiva experiência de visualização é quando 40 graus do seu campo de visão é ocupado pelo ecrã”. Para calcular a distância do campo de visão basta que se multiplique o tamanho do ecrã por 1,2. Ou seja, para uma televisão de 75 polegadas, isso significa sentar-se a 90 polegadas, ou 2,3 metros de distância.

No fundo, o que é levado em consideração é poder estar perto e ver as imagens com clareza, sem distinguir os píxeis, e não tanto que nossos olhos sofram ou não.

O oftalmologista Vasco Miranda, do Centro Hospitalar Universitário do Porto, explica que, em termos de distância do televisor, “devemos mobilizar o mínimo possível a nossa cabeça”. Ou seja, “o ecrã tem de caber nos 30 graus do centro da visão, caso contrário, embora não seja lesivo para o olho, dá problemas na coluna e no pescoço como torcicolos, lesões musculares e tendinites”. No entanto, podem surgir complicações oculares se não focarmos à distância certa. “Quanto mais próximo estiver o objeto mais esforço de focagem tem de se fazer. O facto de os olhos terem de convergir obriga a maior esforço.”

Pedro Santos, responsável da Hisense em Portugal, concorda que há uma tendência para comprar aparelhos cada vez maiores, mas também recorda que a Hisense tem o cuidado de aconselhar a distância correta. Mas alerta que as marcas, em particular a Hisense, “têm antecipado esta tendência e desenvolvido melhores tecnologias de imagem”, de forma a esbater qualquer lesão ocular e “tirar melhor partido das séries e filmes, tendo a melhor experiência cinematográfica em casa”.

Apesar de avanços nas tecnologias de imagem, Vasco Miranda alerta que exposições muito prolongadas em frente ao ecrã “fazem com que os olhos pestanejem menos” e, perante esse fenómeno, “a lágrima – que funciona como um escudo contra as partículas no ar – não é tão renovada e pode deixar os olhos secos”. O oftalmologista acrescenta ainda que, quando vemos televisão durante algum tempo, “podemos reduzir em dez vezes o ato de pestanejar”.

Tudo junto, a focagem, a distância e o tempo podem criar o “computer vision syndrome”, segundo Vasco Miranda, que é assinalado “por uma ardência nos olhos, desconforto ocular, dor de cabeça e a sensação de areias nos olhos. Pode até provocar dor”. Para ajudar a debelar esse problema, as marcas dizem que os televisores maiores e mais caros têm a função de regulação automática de brilho dependendo do ambiente e do momento em que vemos TV, o que levará a cansar menos os olhos.

No caso das crianças, já habituadas a outro tipo de ecrãs que não os televisores, o oftalmologista diz que também é necessário ter um cuidado especial e prestar atenção à distância com que veem TV, pois, além dos sintomas típicos de fadiga visual, “podem desenvolver miopia”. Vasco Miranda constata que a incidência de miopia nas crianças “tem vindo a aumentar nas últimas décadas de forma constante”, embora ainda não se tenha conseguido provar que “esteja associado ao facto de estarem expostas cada vez mais a ecrãs”. Isto porque, em teoria, a exposição digital aumentou de forma explosiva, o que teria de ser acompanhado pelo crescimento da miopia, o que não aconteceu. Apesar de tudo, se notar que uma criança está muito perto do ecrã, pode ser sinal de um possível erro de refração (miopia, hipermetropia ou astigmatismo) ou outra anomalia visual. Ou seja, o tamanho do televisor é importante, mas não é o único aspeto com que tem de se preocupar quando pensar trocar de TV.

Números

1,9 m2
foi a redução das salas de estar das casas em Portugal entre 2011 e 2022.

235 269
foi o número de televisores smart TV com mais de 65 polegadas (165 centímetros) vendidos em 2021.

70%
dos televisores vendidos em Portugal são smart TV com pelo menos 65 polegadas.

Fontes: INE, IDC Portugal