Saúde mental para todos – da Internet para livro

Foi durante a pandemia que a ideia de materializar a literacia em saúde mental foi concretizada. Destinada a todos, desde miúdos a graúdos, de doentes a simples curiosos, “Não há mal que sempre dure” quer simplificar, desmistificar e retirar o estigmatiza dos problemas mentais.

A doença mental é real, não é uma escolha ou um traço de personalidade, há sinais a detetar, tratamento e esperança de ter uma vida funcional. É pelas 130 páginas de “Não há mal que sempre dure” que encontramos todas estas mensagens, sempre com uma boa dose de ilustrações à mistura. O objetivo é levar literacia em saúde mental a todos, mas, pelo caminho, a autora Mariana Duarte Mangas tem muitos outros desejos.

A também psiquiatra espera que o livro ajude a “cravar um prego no estigma” que ainda há em torno da saúde mental e, para isso, diz, é necessário falar dos números: um em cada cinco adultos tem uma doença mental nalgum momento da vida. Segundo Mangas, este é o ponto de partida para que se perceba que a doença mental pode afetar qualquer pessoa, independentemente da idade, estrato social, género ou qualquer outro fator. “A saúde mental é um assunto que diz respeito a todos e não a uma minoria que a sociedade coloca de lado como sendo ‘maluquinha’ ou os ‘outros’.”

“Todos temos saúde mental, mas nem todos vivemos com uma boa saúde mental.” É também por aqui, e com uma régua de caras felizes a tristes que acompanha o texto, que Mariana Duarte Mangas pretende mostrar que a saúde mental é um assunto complexo. É “uma linha contínua”, em que “a cabeça faz parte do corpo”, ou seja, da saúde física. “Cuidar do nosso corpo”, “divertir-nos”, “manter-nos ligados”, “exercitar o cérebro” e “fazer uma pausa” são algumas das dicas, presentes no livro, para que a saúde mental esteja sempre cuidada.

Sempre pautado por ilustrações temáticas, é através de linguagem simples que o livro pretende levar conhecimento, dicas e sinais de alerta à população

“Não é preguiça, não é uma chamada de atenção, não é má alimentação, não é uma fraqueza mental, não é mau caráter”, refere a obra. “A doença mental é real” e este livro quer levar a temática a todos, dos mais velhos aos mais novos, de doentes a familiares e de principiantes no assunto a pessoas mais experientes.

O tema pode parecer “pesado”, mas as imagens atrativas, umas vezes representativas da doença mental, outras com o intuito de serem positivas e alegres, vão dando ao livro a leveza necessária para que a leitura seja agradável. Encontramos nuvens, caras tristes e monstros sobre uma parede. Mas também gabardines amarelas, estrelas e corações. Ao mesmo tempo, uma linguagem simples e acessível percorre as páginas com temas que vão desde factos sobre a saúde mental à descrição e sintomatologia dos principais problemas psicológicos – ansiedade, depressão, esquizofrenia, doença bipolar, perturbação obsessivo-compulsiva, perturbações de personalidade e demência.

Foco nos mais jovens

Apesar de admitir que o livro pisca o olho juventude, pois é nesta população que as doenças começam a surgir”, a autora sublinha que o conteúdo é para todos. “Todos devíamos ter ferramentas para identificar doenças mentais.” E não há uma idade para começar a falar da temática. Desde bebés que a gestão de emoções é uma forma de dar importância à saúde mental, afirma.

As ilustrações do livro são da autoria de Mariana Duarte Mangas, prima e homónima da autora

Um dos tópicos que Mariana Duarte Mangas considera urgente de “tocar na ferida” é o suicídio. “Há um grande tabu e o medo de que falar do suicídio aumente as taxas. É completamente errado.” A psiquiatra do Centro Hospitalar do Médio Ave frisa que falar de comportamentos suicidiários, “desde que com algumas regras, ajuda as pessoas a reconhecerem-se naquilo”. E reitera: “questionar um amigo ou familiar se tem pensamentos suicidas não vai fazer com que se suicide”. Pelo contrário, pode facilitar a que a pessoa peça ajuda.

Outra temática ainda a precisar de esclarecimento no seio da comunidade é o uso de psicofármacos – no livro desenhados como pequenas cápsulas medicamentosas com um sorriso empático desenhado. Há duas faces neste problema. Por um lado, o estigma em torno da psiquiatria e do uso de medicamentos, que o livro pretende desfazer: “a medicação psiquiátrica não nos vai tornar num zombie”. O ideal, adianta, é associar “medicação e psicoterapia ou outras estratégias”.

Da Internet para livro

Foi durante o internato do curso de Psiquiatria que Mariana Duarte Mangas criou um projeto para fomentar a literacia de saúde mental. Começou por intervenções na comunidade, exposições em escolas, até participou em programas de rádio. Com o início dos isolamentos e quarentenas devido ao Sars-CoV-2, soube que a pandemia “era a altura importante para ajudar a reforçar a saúde mental” e continuou a iniciativa a partir de casa. Criou o blogue “Não há mal que sempre dure”, que, um ano mais tarde, dá origem ao livro com o mesmo título.

Mariana Duarte Mangas, bióloga e psiquiatra, é autora do livro que nasceu como blogue

A obra, publicada em setembro de 2021, é assinada pela bióloga e médica Mariana Duarte Mangas e ilustrada por Mariana Duarte Mangas. Não é um erro. São primas e partilham, não apenas o nome, mas o gosto por ajudar os outros – Mariana, a médica, fê-lo pelas palavras simples e correntes com que pretende chegar a todos. E Mariana, a estudante de Arquitetura, dá ao livro as ilustrações que pretendem ser um espelho para quem sofre de uma doença mental. Mariana Duarte Mangas espera que o livro faça caminho por escolas e associações, para chegar ao maior número possível de pessoas, “fazendo uma ponte para a comunidade”.