Roncopatia. O que esconde o ressonar

Simplificando, o ressonar “é o som que é emitido pela vibração das paredes da faringe”

Calcula-se que mais de metade da população adulta sofra de roncopatia. Explicações são múltiplas, possíveis soluções também. Mas o ressonar intenso deve sempre merecer atenção.

Já lá vão mais de dez anos desde que João Carlos, agora com 70, resolveu falar ao otorrino daqueles dois ou três sinais que já andava a notar fazia tempo. Acordava invariavelmente com a boca seca, se se sentava no sofá rapidamente adormecia, ressonava até mais não, de dia e de noite. “Tanto que a minha mulher me dizia que aquilo era impossível, não podia ser normal.” João, residente em Lisboa, tardou a levar o caso a sério. Quando, por fim, mencionou o problema ao médico, acabaria por perceber que a esposa estava carregada de razão. Primeiro, foi examinado pelo otorrino. Depois foi a uma consulta específica no Hospital Pulido Valente. E aconselharam-no a passar uma noite no hospital, para fazer “o exame da apneia”. “Aquilo foram uns 21 ou 22 eletrodozinhos que me puseram no corpo todo para perceber o que acontecia enquanto eu dormia.” As notícias não foram incríveis. Segundo o exame, João tinha umas “25 ou 26 paragens respiratórias” por hora, sendo que algumas chegavam aos 14 segundos. E assim chegava o diagnóstico de apneia do sono.

Desde então que dorme invariavelmente com uma máscara ligada a uma máquina (“porque se houver uma paragem respiratória a máquina compensa”, especifica), e que aplica diariamente umas gotas para limpar o nariz (“porque com a máscara só respiro pelo nariz”, acrescenta). Desde então, passou a ter um estilo de vida mais regrado. “Na altura estava com mais de 100 quilos. Entretanto, perdi uns dez e isso ajudou bastante. E o médico já me disse que se perdesse mais dez nem precisava de continuar a usar a máquina.” Além de ter passado a comer menos à noite e a cortar ao álcool. “Agora sinto-me melhor”, constata. “E já quase não ressono.” Reconhece, no entanto, que se não fosse por pressão da esposa, que passou anos a fio às voltas com aquele barulho ensurdecedor, talvez nem tivesse procurado ajuda.

Na verdade, o incómodo e a preocupação do parceiro são frequentemente razões que impelem os doentes a procurar ajuda nesta área. “Mas atualmente também já há muitos pacientes que marcam consulta porque as aplicações os avisam de que algo não está bem com o sono deles, que acordam muitas vezes, por exemplo”, assinala Susana Sousa, pneumologista e coordenadora da Unidade de Medicina do Sono do Hospital CUF Descobertas e Hospital CUF Tejo, que congrega uma multiplicidade de especialidades, da otorrinolaringologia à pneumologia, da neurologia à psiquiatria. Porque as explicações para o ressonar – ou para a roncopatia – podem ser múltiplas e de diversos foros, refere. Fundamental, sublinha, é mesmo estar atento. “A roncopatia implica – ou devia implicar – sempre um estudo porque pode ter uma doença associada”, pormenoriza. Além de que “raramente é um problema só do próprio”. José Abrunhosa, otorrinolaringologista do Centro Hospitalar Universitário do Porto, reforça este ponto. “O problema em relação ao ressonar passa muito pelo incómodo que provoca a terceiros, sobretudo ao parceiro de cama, mas não só. Ainda recentemente atendi um senhor com os seus 80 anos que estava preocupado com o facto de ressonar, apesar de ser viúvo. A questão é que ressonava tão alto que incomodava os vizinhos. É um problema que tem implicações sociais e eventualmente profissionais, se pensarmos, por exemplo, num militar que dorme no mesmo espaço que outros dez indivíduos.”

Rinite, desvio do septo nasal, apneia

Simplificando, o ressonar “é o som que é emitido pela vibração das paredes da faringe”. Que pode ter um vasto leque de explicações. Desde as rinites às alterações estruturais das vias aéreas superiores, que podem passar pelo desvio do septo nasal e a hipertrofia das amígdalas ou das adenoides. Ou mesmo por alterações do palato. Nalguns casos, pode mesmo estar-se perante um quadro de síndrome de apneia obstrutiva do sono. E aí, se nada for feito, o caso pode complicar-se. “Porque a apneia pode ter consequências cardiovasculares e cerebrovasculares realmente graves”, realça Susana Sousa, enumerando os sinais que podem constituir indícios desta doença. “O facto de quem está ao lado ter a sensação de o parceiro parar de respirar durante algum tempo, de o doente acordar com uma sensação de engasgamento ou asfixia, a sensação de um sono não reparador e a sonolência exagerada no dia a dia são sintomas muito sugestivos de uma síndrome de apneia do sono”, revela. José Abrunhosa deixa, no entanto, uma ressalva. “Quem tem uma roncopatia muito intensa tem maior probabilidade de sofrer de apneia. Mas também há quem tenha apneia e não ressone.” Para dissipar dúvidas, o melhor mesmo será realizar uma polissonografia. Um exame que permite escrutinar o sono do doente ao detalhe, detetando eventuais doenças e problemas.

E, afinal, como se trata uma roncopatia? Há abordagens várias. A primeira, salienta José Abrunhosa, passará sempre por uma alteração do estilo de vida. “Perder peso, fazer dieta e exercício físico, evitar bebidas alcoólicas, sobretudo a partir do meio da tarde, deixar de fumar são tudo comportamentos que podem ajudar. Há até medicação crónica que também contribui para agravar o ressonar. Porque sempre que há um relaxamento muscular vai haver uma vibração maior. Não é por acaso que, depois de um jantar de copos com os amigos, tendemos a ressonar mais.” Depois, cabe ao otorrino avaliar se há alterações que justificam uma intervenção. Que pode passar pela lavagem nasal com água salina, pelos corticoides nasais, pelos anti-histamínicos. Ou pela intervenção cirúrgica. “Em certos casos de rinite hipertrófica, de hipertrofia das amígdalas e das adenoides. Ou de um palato redundante, por exemplo.” Por vezes, pode até haver lugar a cirurgia maxilofacial. Ou à utilização de dispositivos orais que, provocando o avanço do maxilar, deixem mais espaço para respirar. Já nos casos de apneia moderada a grave, como é o caso de João Carlos, recorre-se à terapêutica ventilatória. Fundamental é mesmo não ignorar, sobretudo quando está em causa um ressonar muito intenso. Susana Sousa insiste neste ponto. “É importante procurar ajuda, eventualmente fazer um estudo de sono.” Perceber o que esconde o seu ressonar.