Ricardo Vieira. O pianista que dá aulas em bairros sociais

Ricardo Vieira é pianista e professor de Música

Ricardo Vieira deixou de lecionar no Conservatório para ensinar miúdos que vivem em meios vulneráveis, na periferia de Paris. E continua a atuar pelo Mundo.

Mudou-se de Paris para a periferia, andou de bairro em bairro a dar aulas em lugares problemáticos onde poucos professores querem estar. Neste momento, tem 550 alunos dos 11 aos 15 anos, 22 turmas, numa escola da rede de educação prioritária de violência controlada, em Poissy, Île-de-France. E é ali que quer estar.

“Construí uma dinâmica com alunos que não querem escutar Bach, Beethoven ou Mozart.” E conquistou-os. A música é um instrumento versátil numa comunidade multicultural. Trabalha competências como a confiança, a autoestima, o sentido de comunidade, e mostra que vale a pena sonhar, “que é possível ter outras perspetivas, outro futuro”. “Eles sentem que estou lá por eles”, refere. Há um ano em Poissy, já criou um coro e uma orquestra que foi convidada a tocar para a ministra da Cultura e para o ministro da Educação de França. De professor contratado, passou a efetivo num concurso exigente. Tirou 20, a nota máxima, foi o melhor candidato nas provas de acesso ao ensino de segundo nível em França. Deu tudo. “Sou muito feliz como professor em bairros sociais, estou muito contente por partilhar música, e o júri percebeu que eu gosto mesmo do que faço, que o meu lugar é ali.”

Ricardo Vieira é natural de Santa Maria da Feira. Quando era pequeno dizia que queria ser Papa ou presidente da República. Não era para ser importante, era porque sentia que podia fazer a diferença. Essa vontade de querer mudar o Mundo nunca desapareceu. Não faz nada pela metade, entrega-se por inteiro.

Aos três anos, cantava no Orfeão da Feira. A paixão pela música era avassaladora. “Queria tocar qualquer coisa, queria fazer música.” Aos cinco anos, numas obras em casa, um trolha tocou o “Apita o comboio” num piano elétrico que tinha lá por casa. Ficou colado àquela “magia”. No dia seguinte, sabia tocar a música. A mãe, Helena, entendeu esse amor e esse jeito, a avó Adelaide inscreveu-o na Academia de Música de Santa Maria da Feira para aprender piano. Nunca mais parou. Na primeira audição, o nervosismo nem sequer deu o ar da sua graça. “Sabia que a música fazia parte da minha vida e que era o meu destino, sobretudo estava feliz por estar a comunicar com os outros de outra forma”, recorda. Aos 16 anos, o primeiro concerto com orquestra no Teatro S. Luiz, em Lisboa. Como solista, trabalhou com Pedro Burmester e Helena Sá e Costa. Deu aulas, gravou uma obra de António Victorino d’Almeida. Aos 21 anos, vontade de novos desafios, enviou duas cartas a dois pianistas franceses. Os dois estavam interessados em receber o jovem pianista. Partiu para Paris. “Precisava ver mundo para continuar a ser pianista.” Pediu um empréstimo, foi baby-sitter. Continuou a crescer na sua arte, fez parte do painel de jurados dos exames de piano de vários conservatórios franceses. Toca a solo e a quatros mãos com o pianista japonês Tomohiro Hatta no duo Musicorba. Tem dado concertos pelo Mundo, em 2023, estará na Turquia e na China. Dá masterclasses pela Europa e pela Ásia, tem sido cronista e crítico musical em rádios de Paris, revistas e jornais europeus. Em cada concerto, o mesmo desejo. “Quando toco, gosto de sentir quem me ouve. O piano é outra forma para sentir o outro que está ao pé de mim.”

Ricardo Vieira
Localização
: Poissy, França 48º 56’ N 2º 3’ E (GMT+1)
Profissão: pianista, professor de Música
Idade: 36 anos