Jorge Manuel Lopes

Prince e a urgência do dia seguinte


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

A 30 de março de 1985, Prince estava a três semanas de lançar o álbum “Around the world in a day”, terminado enquanto corria palcos na triunfal e intensiva Purple Rain Tour, uma digressão pelos Estados Unidos e Canadá iniciada em novembro de 84 para mostrar o álbum (e o filme) homónimo que marcou o salto quântico na sua carreira. Entre a saída do best-seller “Purple rain” (mais de 25 milhões de exemplares vendidos até hoje) e do sucessor distam apenas dez meses – um pequeno pesadelo para quem gere editoras e carreiras, o ritmo certo para a voragem criativa de Prince.

De recordação pública da Purple Rain Tour ficou este concerto captado no Carrier Dome em Syracuse, Nova Iorque. Lançado à época somente em vídeo, “Prince and the Revolution: Live” (NPG/ Legacy/ Sony Music) conhece agora edição em CD e LP.

Com uns meros seis álbuns editados, Prince ainda tocava canções (algumas, em todo o caso) na íntegra ao vivo, com o bónus de se encontrarem novos ajustes, adendas, prefácios, posfácios, anexos, divagações e trasladações a cada apresentação em palco, criando um potencial de novidade e descoberta permanentes. Para tal ser possível, muito terá contribuído a relação telepática entre o mestre de cerimónias e os Revolution. É lugar-comum afirmar que foi a melhor banda de Prince (a par da derivação que o acompanhou a seguir, no período “Sign o’ the times”/“Lovesexy”) e o lugar-comum está certo: Bobby Z na bateria, Brown Mark no baixo, Wendy Melvoin na guitarra, Lisa Coleman e Dr. Fink nos teclados, mais acompanhantes habituais como Eric Leeds no saxofone e Sheila E. nas percussões, entre outros.

Servido por um som de uma clareza e força inatacáveis, os pontos altos entre as 20 faixas de “Live” são incontáveis, mas brilham um pouco mais o arranque com “Let’s go crazy” e a funktástica e não menos vamos-dançar-a-um-passo-do-abismo “1999”; a catarse de “God” e a renovada densidade rítmica de “Darling Nikki”; uma distendida e hipnótica “When doves cry” e os celestiais e apoteóticos 18 minutos de “Purple rain”. Nesta extraordinária atuação ouve-se a urgência do dia seguinte de Prince e dos Revolution.