Porque é que guardamos segredos?

A educação emocional que nos permite distinguir o que esconder e o que contar deve começar na infância

Há um mundo interior que partilhamos com os demais e outro que guardamos só para nós. Porque é que guardamos segredos e o que é que isso nos faz? Quando e porquê devemos contá-los? Há bons motivos para ter segredos, mas também há bons motivos para os partilhar.

Uma parte significativa das 100 mil pessoas que trabalharam no Projeto Manhattan, que resultou na criação da bomba nuclear, não fazia a mínima ideia do propósito do seu trabalho. A receita original da mistura de 11 ervas e especiarias do Kentucky Fried Chicken permanece guardada num cofre em Louisville. E uma parte significativa das pessoas que de alguma forma traem os parceiros, amigos ou colegas não lhes revela. As guerras, os negócios e as relações pessoais explicam a maioria dos segredos que se guardam. E uma coisa é certa: toda a gente os tem.

Nos últimos anos, Michael Slepian, investigador da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, fez vários estudos e inquéritos em torno do secretismo no quotidiano que envolveram mais de dez mil pessoas. Concluiu que 97% de nós tem pelo menos um segredo significativo em qualquer momento da vida, embora a média sejam 13.

A lista dos milhares de segredos que lhe confidenciaram resultou na identificação de 38 categorias típicas, sendo algumas delas a traição, hábitos de consumo de substâncias, atividades ilegais, experiências traumáticas, ter violado a confiança de alguém, ambições profissionais ou de negócios e problemas de saúde.

E porque mantemos segredos? Bom, eles cumprem quase sempre a mesma função: proteger quem os guarda. “Se os outros não souberem a verdade, eles não podem estigmatizar-nos, ficar com raiva de nós, desapontados ou mandar-nos para a prisão. Além disso, também podem dar uma vantagem estratégica: quando sabemos alguma coisa que os outros ainda não sabem, temos mais tempo para agir”, explica Andreas Wismeijer, professor e investigador em ciências comportamentais da Universidade de Tilburg, que se tem dedicado a estudar a psicologia dos segredos.

As relações entre pessoas implicam que saibam coisas umas sobre as outras. É por isso que, geralmente, quanto mais se sabe sobre alguém, maior é a relação de intimidade. Mas se é verdade que as autorrevelações promovem as relações próximas, também é verdade que as podem destruir. Dizer tudo o que se pensa ou sente pode arrasar uma relação e magoar muito profundamente os outros.

A sinceridade também deve ter limites e há informações que devem ficar onde pertencem: no nosso mundo interior. “Ter segredos é importante para nós – porque nos definem – e para as nossas relações – porque nos permite geri-las”, defende Paulo Vitória, psicólogo clínico e professor na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. “Algumas coisas devem ser guardadas só para nós. Todos temos direito aos nossos segredos que ficam numa esfera de intimidade individual, do lado de cá da fronteira que nos separa dos outros, mesmo dos mais próximos. Podemos ver essa fronteira como se fosse a nossa pele relacional.”

Carregar o fardo

O que as pessoas sentem que é preciso esconder das outras muda com o tempo. No século passado eram frequentes os casos de crianças nascidas com deficiência escondidas em instituições desde a nascença, por vergonha das famílias. Já neste, muitos adolescentes homossexuais optavam – e alguns ainda optam – por “ficar no armário”, para não lidarem com as consequências sociais e familiares da sua orientação afetiva e sexual. Assim, aquilo que se esconde e aquilo que se revela é, em primeiro lugar, condicionado pelo tempo e pelo espaço que se habita.

Depois, há as diferenças individuais. Por questões de personalidade, uns têm mais tendência para guardar segredos do que outros, explica Andreas Wismeijer: os neuróticos (pessoas emocionalmente mais instáveis e reativas a situações negativas), os socialmente ansiosos e quem têm baixa autoestima. “São características que fazem com que as pessoas se sintam mais preocupadas com a forma como os outros reagem a elas, portanto, tendem a manter mais informações em segredo com receio de serem rejeitadas socialmente.”

Acontece que ao mesmo tempo que nos protegem, os segredos também podem ter um impacto negativo na nossa saúde. “Podem gerar culpa, conflitos internos e interpessoais e muita ansiedade. A ansiedade está ligada com outros problemas de saúde mental, como problemas de sono e depressões. Comporta também um risco para a saúde física, pois relaciona-se com alergias, enfraquecimento do sistema imunitário e problemas cardiovasculares, além do abuso de substâncias”, explica o psicólogo Paulo Vitória.

Este eventual impacto negativo, revelam os estudos de Andreas Wismeijer, não se prende com o segredo em si, mas com a forma como nos relacionamos como ele. “Há muitos casos em que eles geram sentimentos positivos muito poderosos e, nessas situações, podem ser benéficos”, diz o professor e investigador da Universidade de Tilburg. “Mas quando se tem um segredo emocionalmente pesado, daqueles que geram preocupação, ruminação e insónia, é aconselhável expressá-lo de alguma forma.”

A questão é que, geralmente, quando mais incomoda o segredo, menor é a possibilidade de o contar sem que isso tenha também um impacto negativo. A alternativa, defende Wismeijer, é enveredar por outras formas de expressão. “Podemos optar por não revelar o segredo às pessoas envolvidas – por exemplo, não confessar uma traição ao parceiro -, mas escrever isso numa carta que nunca se enviará ou escrever num diário, ou dizer a um amigo de confiança, para se aliviar esse fardo.” Ou, como acrescenta Paulo Vitória, “quando um segredo pesado não pode ser partilhado com as pessoas do nosso pequeno mundo familiar e pessoal, isso é um bom motivo para consultar um psicólogo”.

Guardar ou contar?

A educação emocional que nos permite distinguir o que esconder e o que contar deve começar na infância. E cabe aos adultos ensinar as crianças a distinguir os segredos “bons”, que se podem ter, dos segredos “maus”, que se devem contar, para evitar o silêncio, por exemplo, em situações de abuso sexual ou bullying. A psicóloga clínica e de justiça Rute Agulhas considera que os adultos continuam (erradamente) a ensinar às crianças que os segredos são para guardar e explica que a melhor forma de ajudar uma criança pequena a distinguir os segredos bons dos segredos maus “é relacioná-los com as emoções, com aquilo que sentem”.

E exemplifica aquilo que pode ser uma explicação simples e muito clara à criança: “Imagina que o teu amigo vai fazer anos e estás a preparar-lhe uma surpresa! Guardas segredo sobre a prenda e a surpresa. E como te sentes? (…) É um segredo que te faz sentir bem e que podes guardar. Agora imagina que um colega te bate e empurra no recreio e diz que não podes contar a ninguém. Como te sentes? (…) Se te sentes triste, zangado, com medo, se o teu corpo fica diferente, mais duro, o coração bate mais depressa… então, esse é um mau segredo. É um segredo que não deves guardar: deves pedir ajuda a um adulto de confiança”.

Como mantermos ou não mantermos segredos depende da reação esperada, há pessoas com quem é mais fácil partilhá-los: aquelas que sabemos que não nos vão excluir e que não se vão zangar. Isso é particularmente visível nas relações entre os adolescentes e os pais. “Os principais segredos nesta fase do desenvolvimento estão relacionados com a vida amorosa e sexual, bem como com a experimentação ou o consumo de substâncias”, salienta Rute Agulhas. A vida amorosa e sexual porque “continua ainda a ser um tema tabu em muitas famílias”, o consumo de álcool ou outras substâncias porque “a maior parte dos jovens antecipa críticas e proibições da parte dos pais, pelo que optam por esconder”.

Para que uma coisa e outra não sejam segredos, a psicóloga realça que é importante “que os pais cultivem com os filhos, desde sempre, uma comunicação clara e aberta, sabendo escutar sem criticar desde logo. Se esse canal de comunicação estiver criado, mais facilmente os jovens confiam nos pais e partilham com eles as suas vivências, sejam elas positivas ou negativas”.

Há outra grande questão que os segredos nos colocam: saber guardá-los quando nos são confiados pelos outros. Que vontade é esta que temos de partilhar os segredos alheios? O nosso ego não nos ajuda, sentimo-nos especiais quando sabemos alguma coisa que os outros não sabem e queremos mostrar isso. O nosso cérebro também não nos ajuda, quando tentamos suprimir um pensamento, ele tende a fixar-se na nossa mente com mais força. Finalmente, porque somos seres sociais, “os segredos geralmente são histórias importantes e, muitas vezes, alguém que conhecemos está envolvido. Isso torna difícil guardá-lo: queremos partilhá-lo com os outros para ouvir seus pensamentos sobre toda a situação”, frisa Andreas Wismeijer. E é por isso que aconselha: “Pode ser útil controlar a curiosidade excessiva sobre os segredos dos outros. Muitas vezes, o melhor é nem os conhecer em primeiro lugar”.