Pedro Neves Marques: veneziana

Pedro Neves Marques é artista visual

Representa Portugal na Bienal de Veneza. O percurso é marcado pela polivalência, na personalidade e na obra. “Tento não me fechar a nada.” Antropologia e ficção científica, Eric Rohmer e Marvel, Manga e Homero. Música Clássica e New Age.

Uma nave espacial viaja entre a Terra e um planeta longínquo. A bordo, cinco passageiros vivem dramas e rotinas, a melancolia da existência, na longa viagem. Mais do que um princípio e do que um fim, conta a jornada. Cinco vampiros, seres que na sua imortalidade suscitaram debates sobre género em diferentes épocas, protagonizam o “primeiro projeto explicitamente queer” na história do Pavilhão de Portugal nas exposições internacionais de Arte da La Biennale di Venezia. Uma proposta artística de Pedro Neves Marques, em representação nacional, exposta no Palácio Franchetti, nas margens do Grande Canal veneziano, até 27 de novembro. Em “Vampires in Space”, trabalho cinematográfico, literário, cénico, e narrativa de contornos políticos assumidos – “a arte é, por si mesma, política, sempre” -, as questões de representação trans e não-binárias ganham uma visibilidade sem precedentes”, ancoradas na própria experiência trans não-binária de Pedro Neves Marques. “Para mim, no meu trabalho, tem sido muito importante a honestidade e por isso assumi.” Uma decisão que exige “ainda muita coragem”.

Em vésperas da apresentação do pavilhão nacional ao público, declarava: “Desejo que entrem numa nave que é tanto passado quanto presente, espaço psicológico interior e cosmos galáctico lá fora. E espero que se deixem emocionar”. Aconteceu. “Em Veneza, fizemos várias pessoas chorar. Foi muito bonito ver a receção ao trabalho. Ver as pessoas muito emocionadas.”

O percurso, reconhecido internacionalmente, é marcado pela polivalência, na personalidade e na obra. “Tento não me fechar a nada”. Antropologia e ficção científica, Eric Rohmer e Marvel, Manga e Homero. Música clássica e New Age. Diz de si: “Sou muito exigente intelectualmente. Um artista é um intelectual. É uma voz, tenho isso para mim. Mas também não podemos levar-nos muito a sério. Tudo pode ser misturado”.

Cresceu em Odivelas, “criança muito aluada, sempre nas nuvens”. Os pais incentivaram a natureza criativa, o interesse pela escrita. “A escrita está em mim desde o início, desde os primeiros trabalhos. A escrita é a origem de tudo – na ficção, no texto crítico ou na poesia. Só depois chega a imagem. Achei que ia ser escritora, não artista.” Nomeia-se assim, no feminino. Define-se “energética”, “pensadora”, “polivalente”.

André Romão, artista plástico, conheceu Pedro nas Belas-Artes de Lisboa. “Era uma leitora ávida. Confiante, uma criatura do sol. Leão de signo, tem grande fascínio pela astrologia”, acrescenta, confirmando “o interesse por coisas novas, nem sempre previsível”. Há em si, diz Pedro, “o desejo de escapismo”. Por isso, saiu de Portugal mal pôde: Londres, São Paulo e Nova Iorque.

A capacidade de trabalho é “gigante”. João Mourão, curador do projeto veneziano, descreve o desafio: “Foi tremendo. Seis meses para preparar o projeto. Pedro ficou super contente, mas sabia que a operação gigante implicaria dias de dedicação exclusiva. Mas, em Pedro, a força é gigantesca. Durante este percurso, trabalhava das oito da manhã às dez da noite, ininterruptamente”.

Conhecem-se há 15 anos. O curador recorda as primeiras impressões: “Uma pessoa muito arguta, muito inteligente com um pensamento artístico muito articulado”. Filipa Ramos, curadora e diretora artística do Departamento de Arte Contemporânea do Porto, é amiga antiga: “Pedro é extremamente inteligente, calorosa e divertida. Com um conhecimento teórico e cultural muito aprofundado, muito exigente. Extremamente racional, mas com uma sensibilidade muito forte. Teve a coragem de assumir a identidade de género – e, sim, nos dias de hoje ainda é coragem”.

Na sequência da polémica que envolveu a seleção do projeto deste ano, através de concurso fechado promovido pela Direção-Geral das Artes, Pedro Neves Marques foi um alvo. “Na sua pele, não sei o que teria feito. Se escolheria o martírio ou a vida pessoal e a sanidade mental. Foi de uma coragem enorme”, salienta Filipa Ramos. Pedro Neves Marques opta por desvalorizar. “À adversidade e às críticas respondo com trabalho, mas não quero voltar a isso. Estou a viver um tempo maravilhoso.”

Pedro Neves Marques
Cargo:
artista visual
Nascimento: 10/08/1984 (37 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)