Paulo de Carvalho. 60 anos de cantigas, 10 momentos

Discos, concertos, amigos, canções, letras, melodias. Estrada. Muita estrada. Setenta e cinco anos de vida, seis décadas de carreira. A digressão que celebra esse percurso começa a 2 de setembro, no Tivoli, em Lisboa, segue para o Coliseu do Porto, a 9, Convento São Francisco, em Coimbra, a 10, Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, a 17. Pretexto para uma conversa bem-disposta e partilha de instantes e pessoas que a memória guarda e recorda. Sem ordem cronológica, sem hierarquia afetiva. A azia no festival da Eurovisão de 1974, a condecoração da liberdade, a canção que mudou de letra, o salto da primeira banda, o programa “Sheiks com Cobertura”.

Os desenhos

Os desenhos. Caricatura de Luís Frasco. “Três fases físicas da minha vida. A primeira com o cabelo grande, curiosamente é a que está mais perto da outra que vem a seguir. Do lado esquerdo, está ali um fulano que parece mais o Ramalho Eanes do que eu, em determinada altura da vida – cabelinho todo coiso com patilhas, eu não era tanto assim. E depois o fulano como sou hoje, mas já sem óculos porque fiz a operação aos olhos.” Agora, confessa: “Vejo que pareço uma águia”.

Desenho de Mário Alberto, setembro de 1981. “Um grande cenógrafo do Parque Mayer que fez essa caricatura com um cabelo que parece um ninho de vespas, mas que era próximo do que eu usava na altura – não era tanto assim, mas era assim grande.”

Dois discos

Um disco. Capa do primeiro LP cantado em português, 1968. Tem o álbum e quase tudo do que é disco, CD e LP da sua autoria. E uma confissão, um parêntesis. “Sou o gajo mais desprendido do Mundo, há imensas coisas minhas que devia ter e não tenho.” Ainda ouve os discos? “A minha companheira decidiu oferecer-me um aparelho onde se pode ouvir LP, cassetes, essa coisa toda, pens e não sei quantos e tal. Às vezes, queria levar CD para o carro e não tenho onde tocar, zero – agora os carros já não têm toca-CD, é tudo pens, e depois tenho de andar a pedir para gravarem para a pen. Vá lá que agora já sei mexer no Spotify, o que já não é mau.”

O primeiro disco, não necessariamente o que gosta mais. “Normalmente, aqueles que nós gostamos mais são aqueles que são os menos conhecidos. Já os escritores e os pintores queixam-se da mesma coisa.”

Capa do primeiro LP cantado em inglês, lançado em toda a Europa, 1970

Um concerto

Um concerto. Comemoração dos 55 anos de carreira na Praça do Município, em frente à Câmara de Lisboa, 8 de julho de 2017. Dueto com Carlos do Carmo com “Lisboa menina e moça” – e que, mais tarde, no ano de falecimento de Carlos do Carmo, passou a ser a música representativa da cidade de Lisboa. O amigo de casa, o amigo com quem passava férias, com quem dormiu muitas vezes no mesmo quarto. O músico, o cantor, a cultura que representa.

“Lisboa menina e moça”, a cantiga que fez com Joaquim Pessoa, escritor e poeta, em 1977, para o Festival da Canção. “Tinha outro título, não se chamava assim, chamava-se ‘Do Algarve ao Minho’.” A música não foi escolhida para o Festival da Canção. A melodia convencia, a letra nem por isso. “O Carlos do Carmo, que estava a assistir à escolha das canções, disse que gostava da música e foi ver de quem é que era.” Na altura, recorda, “os nomes dos autores chegavam num envelope lacrado”. Carlos do Carmo pediu para abrirem o envelope, queria saber de quem era a cantiga. “Já nos conhecíamos e o Carlos fez a proposta de trabalharmos com o Ary dos Santos.” E o Ary escreveu o que veio a ser “Lisboa Menina e Moça”. “De maneira que ‘Do Algarve ao Minho’ foi à vida.”

Um festival

Um festival. Eurovisão da Canção, 6 de abril, de 1974, Brighton, Inglaterra. Canção “E depois do adeus.” “Hoje em dia, usa-se um termo, sobretudo no futebol, que é a azia. Fiquei com bastante azia por causa da porcaria dos votos que me deram. Se me tivessem dado zero votos, ficava todo satisfeito porque se percebia perfeitamente o que era aquilo, o que era aquele festival. Dois votozinhos da Espanha mais um do Luxemburgo, onde trabalhavam muitos portugueses, e a gente sai de lá com três votos com uma cantiga que até era boa.” Verdade.

Não sabia, não fazia ideia, do que estava reservado para essa cantiga. “Pouca gente saberia o que pretendiam fazer com uma música que serviu como primeira senha do 25 de Abril. Foi esta canção que depois serviu para o primeiro passo, vamos dizer assim, do 25 de Abril, para a saída dos militares dos quartéis.”

O início

A primeira banda. Sheiks, 1965-67. Paulo de Carvalho, Carlos Mendes, Fernando Chaby, Jorge Barreto. Estúdio da Valentim de Carvalho, Paço de Arcos. “Uma rampa por ali abaixo, vamos a correr até à entrada da rampa, o fotógrafo está mais abaixo, damos o salto.” A imitar as bandas inglesas. “Acho que os Beatles têm uma fotografia parecida com esta, não é bem desta maneira, mas a dar um salto também ou coisa assim do género”, lembra.
Cantava e tocava bateria, mal, “muito mal”, admite, arte que aprimorou no Thilo’s Combo, grupo de Thilo Krasmann, a sua universidade da música.

A condecoração

A condecoração. A Ordem da Liberdade atribuída pelo presidente da República, na cerimónia do 10 de junho de 2009, em Santarém. “É uma condecoração que me honra muito. Liberdade, o valor básico disto tudo. A liberdade, o entendimento, o respeito pelos outros, o amor pelas pessoas, é a base da nossa vida, ou devia ser. Neste momento, tudo isto está um pouco alterado, é a sociedade que estamos a construir, mas há de ser melhor.”

O amigo-irmão

O amigo-irmão. Ivan Lins, grande amigo, grande músico, com quem trabalhou bastante. “O Ivan é um brasileiro muito português. Está sempre disposto a funcionar connosco, a tocar connosco.” Em 2009, Ivan Lins ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira. Paulo de Carvalho estava a seu lado. “Eu estou a cantar com ele, curiosamente uma música da minha autoria, gravada na Holanda. O disco foi gravado ao vivo com uma orquestra holandesa.”

O reencontro

VII Festival RTP da Canção, 22 de maio, 1970, Cinema Monumental, Lisboa. Canção: “Corre Nina”. “Foi um festival maravilhoso para mim, ia na maior porque não tinha nada a ganhar nem a perder, ninguém me conhecia nem a malta sabia quem eu era. É aquela história, não tinha responsabilidade nenhuma. Fiquei em quarto lugar, acho que as pessoas gostaram muito, mesmo os críticos.”

Uma canção

O reencontro. “Sheiks com Cobertura”, programa transmitido pela RTP2, entre fevereiro e abril de 1980. “Uns bons anos depois voltámo-nos a encontrar para fazer 12 programas de televisão, música, sketches, entrevistas, coisas importantíssimas.” Num dos programas, recorda, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Zé Mário, todos a cantar. “Um programa que, na altura, era considerado uma coisa de variedades, apresentado pelo Júlio Isidro. Quem o escreveu foi o Artur Semedo. Muita gente trabalhou nestes programas, desde músicos a atores, imensa malta. Foi um contributo engraçado até para uma certa renovação, até de humor – houve quem depois aproveitasse aquelas coisas, o que fizemos ali.”

Um espetáculo

Um espetáculo. “Só nós três”, lançamento, 1989. “Um dos grandes espetáculos musicais que se fizeram em Portugal foi ‘Só nós três’ com Fernando Tordo e Carlos Mendes.” Estreou no Casino de Estoril, saltou para a década de 90, andou por vários lados. “Até a Macau fomos.”