Jorge Manuel Lopes

Palolo e a inteligência do coração


Crítica de cinema, por Jorge Manuel Lopes.

O documentário “A. Palolo – Ver o pensamento a correr”, realização de 1995 de Jorge Silva Melo e agora lançado em DVD pela Midas Filmes, serve-se da montagem de uma exposição no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para mostrar o percurso de um artista “irreverente e heterodoxo”, nas palavras da comissária da mostra, Maria Helena Freitas. Um artista nascido em Évora em 1946 e que “não respeita uma única corrente artística”, dançando entre a figuração e a abstração. Um artista possuidor de uma “inteligência do coração”.

Feito cinco anos antes da sua morte, “Ver o pensamento a correr” alinha memórias e depoimentos de Maria Helena Freitas, de Silva Melo e de outros que se atravessaram no percurso do artista plástico autodidata.

Na Lisboa de meados da década de 1960, Palolo revela-se na Galeria 111. Uma explosão pop art, psicadélica. A Guerra Colonial empurra-o para Angola, onde não pára de pintar. Veem-se obras que são uma celebração de linhas e cores. Assiste-se a uma depuração a partir de meados dos anos 70. Passa-se pela casa de Jorge Lima Barreto, músico dos Telectu, as paredes com múltiplas obras de Palolo, que também contribuiu para capas de discos da banda. As linhas vão cedendo terreno a figuras de contornos humanos (ou astrais?), sem rosto.

Comenta-se a alegria de ver Palolo pintar. Folheando cadernos, estabelece pontes com o registo dos contemporâneos e conterrâneos Álvaro Lapa e Joaquim Bravo. Lembra António Areal, que lhes abriu as portas das galerias lisboetas. Ouve-se “The creative act”, 1957, em que Marcel Duchamp equipara o artista plástico a um médium, negando-lhe “o estado de consciência no plano estético”. No fim, a materialização épica de uma obra no muro da estação de Sete Rios, na capital.

A câmara percorre com gosto e vagar a obra de Palolo. Nem o som várias vezes impercetível do DVD arruína este exercício de partilha afetiva com o espectador.