Margarida Rebelo Pinto

Os nossos filhos


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Fazemos tudo pelos nossos filhos, até ao dia em que eles começam a fazer tudo por nós. Ser pai e mãe é para sempre. E ser filho também, mesmo depois de alcançarmos a orfandade.

Os filhos são a nossa maior aventura. Por eles fazemos o impossível, o impensável, o inimaginável. Num ápice somos um urso, uma loba, um leão, saltamos muros, enfrentamos armas, movemos montanhas. No dia do ataque à escola de Uvalde, Angeli Rose, mãe de duas crianças que estavam no edifício, foi algemada pela polícia quando tentou intervir na operação de resgate. Depois de convencer os agentes a libertá-la, saltou a vedação à revelia e resgatou os filhos.

Fazemos tudo pelos nossos filhos desde o instante em que se anunciam: compramos roupa, preparamos a casa e o quarto, lemos manuais, mudamos os horários, as prioridades, mudamos de vida. Os nossos filhos passam a ser o epicentro da nossa existência, a nossa maior prioridade. Desdobramo-nos para lhes conseguir dar tudo todos os dias. Por vezes falta-nos tempo, ou forças, mas nunca desistimos da missão. Mal-aventurados aqueles que deles desistem, porque os perdem em vida, quando os filhos aceitam que não precisam de quem não esteve lá quando partiram a cabeça, quando receberam um diploma ou quando fizeram de vaca do presépio na festa de Natal da escola. As crianças possuem um instinto de sobrevivência que as leva a escolher o progenitor mais forte. Elas sabem quase sempre em quem confiar.

Quando entram para a adolescência, esse armário sem fundo, é preciso manter a firmeza, dar amor e ter muita paciência, porque um dia crescem e deixam de chocar contra a parede que os ampara e protege, a parede que imaginam que somos, enquanto vão construindo, por tentativa e erro, a sua personalidade. E quando crescem, começa a terceira parte da aventura que é aceitá-los tal como são, orientando-os naquilo que eles deixam, tentando não os moldar à nossa imagem e semelhança. Sempre com firmeza, paciência, resistência, resiliência, reconhecimento, motivação, e mais amor, sempre o amor, porque ter filhos é como receber todos os dias uma dose de amor nas veias que nos alimenta para a vida.

Às vezes penso que no nosso coração os filhos nunca crescem, o que cresce é o amor que sentimos por eles. Há uma semana fui jantar a casa do meu Júnior, que vive sozinho e tem mais talento para os tachos do que eu. Ele cozinhou com todo e amor e carinho vegetais com leite de coco, um ligeiro travo a gengibre e lima e arroz basmati, um menu digno de um restaurante asiático, iguarias da sua autoria que nunca aprendeu comigo, pois apesar de não me safar mal na área, não me sinto com segurança para ser criativa ao fogão. Prefiro escrever romances e crónicas e, perante um acesso de fome, contento-me com um frango assado comprado na churrascaria do bairro. Tinha sido um dia anormalmente comprido, sentia-me exausta. Depois do repasto, encostei-me no sofá e adormeci. Acordei com festas no cabelo, demos dois longos abraços e regressei a casa, o corpo apaziguado e a alma cheia de paz.

Fazemos tudo pelos nossos filhos, até ao dia em que eles começam a fazer tudo por nós. Ser pai e mãe é para sempre. E ser filho também, mesmo depois de alcançarmos a orfandade. Somos todos parte de um todo, um tronco com pernas e braços, ramos e laços. E são esses laços que nos sustentam, fios mágicos tecidos por corações laboriosos que nunca desistem daqueles que amam.