Joel Neto

Os nossos enxovais


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Quantas novas capacidades adquire um feto a cada dia que passa? E a cada hora? E a cada minuto?

Às vezes ponho-me a pensar na quantidade de funções do corpo humano – funções físicas e mentais, funções motoras, neurológicas, cardiovasculares, respiratórias, digestivas, urinárias, nervosas, linfáticas, endócrinas, tegumentares, genitais, neurais – e pergunto-me: de quantas coisas o Artur passou a ser capaz desde a semana passada? Quantas novas capacidades adquire um feto a cada dia que passa? E a cada hora? E a cada minuto?

A paternidade é um dos assuntos da minha vida, e agora não vale a pena estar a descrever as tantas faces que assumiu ao longo dos anos. Mas, mesmo depois de medicamente assente que ia acontecer, permaneceu na minha cabeça – talvez por algum impulso de autoprotecção – um conceito mais ou menos abstracto. Da primeira vez que a Marta me disse: “Fala com ele”, e mesmo tendo já ficado para trás a infame ecografia das doze semanas, debrucei-me sobre a sua barriga e não soube o que dizer.

Entretanto, essa barriga dilatou-se com basto fervor, o que constitui em si uma materialização. Mas, sobretudo, ficámos a saber que, passada a 27.ª semana, já há boas probabilidades – seis em sete, de acordo com a maior parte das fontes – de um bebé resistir a um parto prematuro. E não é que eu tenha aprendido a falar com uma barriga, de facto. Mas agora é como se ouvisse uma campainha algures, tocando num frenesim sempre que o nosso filho adquire nova capacidade. Plim!, ele já forma memórias. Plim!, ele já consegue reconhecer diferentes níveis de luz. Plim!, ele já está apto a controlar cerebralmente a temperatura do corpo. Plim!, ele já é capaz de respirar durante trinta, perdão quarenta, perdão cinquenta por cento do tempo. Não há app que aguente. É um milagre e é uma vertigem: centenas de novas coisas por minuto, provavelmente centenas por segundo – uma pessoa a formar-se, a somar competências, a desenvolver habilidades, a preparar-se para se tornar autónoma, a individualizar-se. Uma pessoa. E uma pessoa que, a partir de agora, pode soltar-se no Mundo a qualquer instante.

Portanto, no fim-de-semana estive a reler a lista que a Marlene nos deu com o que se deve acondicionar no saco a levar para o hospital no dia do parto. Para o bebé, bodies (não confundir com babygrows, já aprendi), “conjuntos exteriores” (acho que aqui podem ser babygrows, tenho de confirmar), mantas, fraldas, chupetas, biberões. Para a mãe, camisas de noite, robe, chinelos, escova de cabelo, escova de dentes, batom hidratante, faixa pós-parto, soutiens de amamentação, cuecas descartáveis, boletim de gravidez, exames recentes, documentos pessoais.

E para mim? Bem, para mim uma manta e uma almofada. Talvez uma sande de queijo. Telemóvel, claro. Powerbank carregada. AirPods. Um jornal com as notícias do Sporting, ou outra coisa que distraia bastante e não tenha importância nenhuma. Aquela canção do Sérgio Godinho, Espalhem a Notícia (pode ser na versão dos Clã). E, claro, uma garrafa de Cardhu, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e cuecas descartáveis também (dois pares). A fumar, depois deste esforço todo, é que eu não volto.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)