Margarida Rebelo Pinto

Os milagres acontecem devagar


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

O reencontro foi emocionante. Apesar de terem passado 42 anos, estava tudo lá: o mesmo encanto, a mesma emoção, a mesma beleza dos verdes anos. Quando Jeanne regressou a casa, a decisão estava tomada: iriam passar o resto da vida juntos.

Foi no verão de 2020 que Jeanne Gustavson decidiu, enfim, voltar a abrir o seu coração e procurar Steve Watts, de quem não tinha notícias há 42 anos. Jeanne e Steve conheceram-se em 1971 na Universidade de Loyola em Chicago. Foi amor à primeira vista, mas a cor da pele de Steve não agradava à mãe de Jeanne, que chegou a reunir com o gabinete do reitor para pedir que impedissem os dois apaixonados de se encontrarem. O namoro secreto durou sete anos. Jeanne acabou por ceder à pressão familiar e terminar a relação, por telefone, numa triste noite no hospital onde cumpria os turnos de enfermeira.

Jeanne casou e divorciou-se anos mais tarde, o mesmo aconteceu com Steve. Nenhum teve filhos. Jeanne vive em Portland, no estado de Oregon, conhecido pelas suas imponentes sequoias, originariamente da Califórnia, plantadas na década de 30 do século passado. Estes belos gigantes são as maiores árvores do Planeta; chegam a ter três metros de diâmetro, mais de 70 metros de altura e podem viver dois mil anos.

A busca do amor perdido durou sete meses, Steve não tinha rasto na Internet. Finalmente, através do e-mail de uma sobrinha deste, Jeanne soube que estava internado num lar nos arredores de Washington e apanhou o primeiro avião. Encontrou-o acamado e em estado frágil. Sofrera dois AVC e fora-lhe amputada uma perna por causa de uma infeção. Para Steve, Jeanne foi uma aparição, e também a sua primeira e única visita em dez anos.

O reencontro foi emocionante. Apesar de terem passado 42 anos, estava tudo lá: o mesmo encanto, a mesma emoção, a mesma beleza dos verdes anos. Quando Jeanne regressou a casa, a decisão estava tomada: iriam passar o resto da vida juntos. Com a ajuda do irmão e de amigos, alugou uma carrinha de transporte especial que atravessou cinco estados e trouxe Steve para casa. A América do Norte, aculturada aos finais felizes inventados nos contos de fadas e recriados até à exaustão pela fábrica de sonhos de Hollywood, apaixonou-se por este caso. Não houve um dia em que não pensasse nele, disse Jeanne à imprensa. Um capítulo em aberto num livro por acabar. Tinha de haver mais vida.

A ideia de que o amor tudo vence não é nova nem original, a história da Humanidade está repleta de reencontros amorosos mais fortes do que o tempo e do que vida. No entanto, cada vez que assistimos a estes episódios, torna-se impossível não nos tocar, pela sua pureza e grandeza. É quase um milagre quando uma força maior é capaz de triunfar sobre o tempo, porque é como se não tivesse passado, de domar a realidade, porque a suplanta e a altera, de ganhar à vida, que quase sempre lhe ganha.

Em época de festejar um santo importado que faz disparar a venda de lingerie encarnada, deixando um velado amargo de boca aos encalhados e parecendo ridículo aos olhos dos casais que já são mais sócios do que marido e mulher, podemos olhar para o amor de duas maneiras: ou entramos na roda gigante, rezando para que não se transforme numa montanha-russa, ou ficamos a olhar para o céu, enquanto ela gira. Podemos ser protagonistas ou espectadores, viver a vida ou vê-la passar. Mas podemos sempre escolher, somos donos e senhores do livre-arbítrio.

Talvez o pior seja não acreditar que os milagres acontecem, ainda que devagar, e que o amor pode ser gigante como uma sequoia. Onde fores feliz, fica. Onde dormes em paz, sonha. Onde os abraços forem mais fortes, demora-te. O amor é um bem escasso, cuida-o. Tem de haver mais vida. E há.