Os cobertores e o sono. Qual a relação?

A temperatura tem uma palavra a dizer em relação à roupa que se coloca na cama

O peso que cobre o corpo durante a noite faz compressão e cria a sensação de conforto, de aconchego, de abraço. Todavia, as evidências clínicas são escassas para associar roupa de cama a um dormir sereno e tranquilo. Nesta equação, há emoções, experiências e recordações.

Um cobertor pesado em cima do corpo não significa uma noite bem dormida. Pode acontecer, pode não acontecer. Até ao momento, os estudos realizados nesta matéria envolvem amostras reduzidas e muito específicas, que não permitem sólidas comparações e firmes extrapolações. Mas uma coisa é certa. A roupa de cama interfere no conforto e quem não se sente tranquilo não dorme bem, não relaxa para adormecer, não mantém o sono com qualidade.

Um cobertor pesado relaxa o sistema nervoso, reduz os movimentos na cama, melhora o sono? A ciência não tem conclusões robustas. “Não parece haver evidência científica suficiente que demonstre que o uso de cobertores pesados possa reduzir insónia e ansiedade, mas demonstra que são seguros e, portanto, quem quiser experimentar pode fazê-lo com segurança, exceto grávidas e crianças de colo, em que a falta de estudos nesta população não nos permite extrapolar se são seguros ou não”, adianta Patrícia Cebola, especialista em Medicina Geral e Familiar no Grupo Clara Saúde, no Seixal.

O que se sabe é que um cobertor faz pressão nos músculos e nas articulações, semelhante à sentida numa massagem, relaxa o corpo e estimula o cérebro a produzir mais neurotransmissores responsáveis pelo bem-estar. É este o mecanismo e o corpo acalma. “O cérebro vai reduzindo a sua atividade, os músculos e articulações vão sendo inibidos, a frequência cardíaca e a pressão arterial vão diminuindo.” E um mais um é igual a dois. “Estando nós mais relaxados, vamos conseguir adormecer e manter o sono mais facilmente”, refere Patrícia Cebola.

“Na prática, ainda não sabemos se há melhoria de sono com os cobertores pesados”, observa Isabel Luzeiro, neurologista, especialista na área do sono, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia. As pesquisas realizadas, nota, incidem em pessoas com patologias de sono associadas e não fazem as devidas comparações do antes e depois de dormir com cobertores ora pesados, ora leves, numa amostra mais ampla e saudável. Há, todavia, outros dados. Nos últimos dois anos, houve um aumento de pesquisas em doentes com patologias psiquiátricas ligadas ao sono, nomeadamente insónias graves e associadas à depressão, ansiedade muito marcada, síndromes de hiperatividade. Nestes casos, os cobertores pesados, revela Isabel Luzeiro, “melhoram a fragmentação do sono e a insónia.” Além disso, verifica-se a necessidade de menos medicação, a toma de menos anti-histamínicos e antidepressivos para dormir.

Há fatores externos da memória, de experiências, de sensações que entram nesta equação. “Quando pensamos em sono, pensamos em cobertores”, diz Isabel Luzeiro. É quase automático. E roupa de cama mais pesada significa mais calor, mais aconchego, mais a sensação de abraço. “A compressão que aconchega e que faz bem. Estamos um bocadinho condicionados subjetivamente com o aconchego, o bem-estar.” São essas sensações que, aliás, os doentes com patologias graves de sono dão conta, sentem-se mais confortáveis, mais protegidos. Há, portanto, componentes sensoriais, não evidências clínicas objetivas puras e duras. “Há várias experiências e emoções que têm a ver com o controlo de ansiedade. Sem ansiedade, dorme-se melhor.”

Ansiedade e stresse

Gostos não se discutem. “Todas as pessoas têm diferentes necessidades e preferências no que respeita às opções para quarto e cama, pelo que não existem melhores opções, apenas as mais adequadas a cada indivíduo”, sustenta Mafalda van Zeller, pneumologista, coordenadora da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

Seja como for, o peso dos cobertores tem merecido particular atenção, seja porque podem melhorar a qualidade do sono, seja porque podem reduzir a ansiedade e o stresse. “Na literatura, a evidência do efeito destes cobertores pesados é ainda escassa e muito limitada pelo que nenhuma recomendação pode ser feita”, garante a pneumologista. Nos testes, lembra, são usados cobertores com cerca de 10% do peso de cada pessoa, que simulam a terapia do toque e da pressão, “método de aplicação gentil, mas firme de pressão no corpo (simulando abraços) que promove sensação de calma e que tem sido utilizada em transtornos de ansiedade”.

Neste momento, as provas são insuficientes, mas há coisas que acontecem. “A aplicação de pressão no corpo poderá promover a mudança de ativação do sistema nervoso simpático (responsável pelo comportamento de alerta, hiperativado em situações de ansiedade, stresse ou responsável pela resposta de fuga ou ataque) para um predomínio do sistema nervoso parassimpático que promoveria relaxamento muscular, redução da frequência cardíaca, que melhora a circulação e está associado à libertação de endorfinas (associadas a sentimento de bem-estar e felicidade), mas ainda sem evidência de benefícios”, especifica. E um aviso. “Até mais informação, estes cobertores são globalmente desaconselhados em crianças e em adultos com doenças respiratórias e/ou cardiovasculares”, pormenoriza.

Mafalda van Zeller fala ainda da temperatura ideal para dormir, que varia de pessoa para pessoa, mas, regra geral, o quarto deve estar entre os 16 e 21 graus. A temperatura do corpo começa a diminuir a partir do fim da tarde, preparando-o para o sono, é parte do normal ciclo sono-vigília, e depois sobe para avisar que é hora de acordar. Durante o sono, a capacidade de regulação da temperatura corporal diminuiu. “O calor está associado à redução da qualidade e do tempo de sono. No entanto, o frio excessivo também pode ser prejudicial.” “Os quartos demasiado frios podem fazer com que o corpo trabalhe mais, revelou um estudo, o que poderá explicar as taxas de enfarte do miocárdio mais elevadas no inverno”, adverte a pneumologista.

A temperatura tem uma palavra a dizer em relação à roupa que se coloca na cama. A escolha, de acordo com Mafalda van Zeller, deve ter em atenção, além das preferências individuais, a estabilização da temperatura e materiais respiráveis e fáceis de cuidar e de lavar.

Há quem durma melhor num lençol de seda, há quem prefira o algodão. Há quem opte pela lã e há quem escolha o linho. A roupa de cama é a gosto, escolhas que, segundo Isabel Luzeiro, podem vir de experiências antigas, ancestrais, de infância. Preferências não se discutem. Há, porém, outros aspetos. Roupa de cama mais pesada pode inibir movimentos durante o sono o que não significa que se dorme melhor. Dormir quieto não é sinónimo de dormir bem. Dormir agitado não significa dormir mal. Os sonhos podem interferir com os movimentos do corpo. Há, no entanto, um dado incontestável: quem acorda mais durante a noite tem o sono mais fragmentado.

O peso, a textura e os tecidos que cobrem o corpo durante a noite não são um pormenor sem a mínima importância. Patrícia Cebola explica. “São fundamentais no sentido em que influenciam o quão confortáveis ficamos e, consequentemente, vão influenciar o nível de relaxamento que temos para conseguir adormecer e aprofundar o nosso sono, por forma a que seja reparador.” O organismo repara nesses detalhes, a circulação sanguínea, o sistema nervoso, o batimento cardíaco, a atividade cerebral. Quanto mais repouso, melhor.

Roupa de cama*

Material. Roupa de cama rica em algodão não irrita a pele e não desperta alergias, irritações e infeções cutâneas.

Tamanho. Ao comprimento e à largura, o tamanho ideal para uma temperatura adequada e homogénea por todo o corpo.

Limpeza. Trocar lençóis e fronhas a cada sete dias para evitar contaminações por microrganismos. Lençóis lavados a 40 graus.

Arejar a roupa de cama diariamente pelo menos 30 minutos, para que secreções e resíduos do corpo, e ácaros também, não se acumulem.

Higienização. Cobertores e edredões higienizados a cada três meses. Ter o cuidado de sacudi-los ou aspirá-los com frequência, pelo menos quando se troca de lençóis. Temperatura de lavagem de acordo com as recomendações do fabricante para que o tecido não perca a textura e o conforto.

*Dicas de Patrícia Cebola, especialista em Medicina Geral e Familiar