Os abusos sexuais (e morais) da Igreja Católica

As vítimas tinham entre 2 e 17 anos na altura dos abusos

É como abrir a caixa de Pandora e espreitar para dentro do armário da Igreja. O que se vai sabendo não é bonito, mas não será uma surpresa absoluta. Os casos de pedofilia são falados em surdina há anos e anos. Em Portugal, as denúncias estão a aumentar.

“Dar voz ao silêncio”
Esse é o apelo da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja Católica em Portugal, anunciada em dezembro de 2021, criada em janeiro de 2022. Pedro Strecht, pedopsiquiatra, é o coordenador desta estrutura. O psiquiatra Daniel Sampaio, o juiz conselheiro Laborinho Lúcio e a socióloga e investigadora Ana Nunes de Almeida integram a comissão.

Missão e relatório
O objetivo da Comissão Independente passa por identificar abusos praticados por membros da Igreja Católica, ou nas suas instituições, para enumerar casos que aconteceram entre 1950 e 2022, bem como analisar as suas características e tipificar as diversas situações. Prevê-se a apresentação de um relatório com as conclusões até ao final do ano.

2-17 anos
As idades das vítimas na altura dos abusos. Os seus anos de nascimento vão de 1934 a 2009.

“Uma das coisas que me impressionou foi a comissão dizer que ninguém fala em indemnizações, não é essa a preocupação. Querem uma assunção de responsabilidades por aquilo que terá acontecido”
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República

D. Manuel Clemente e a polémica
A investigação do “Observador” caiu como uma bomba. D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa, terá encoberto denúncias de abusos sexuais de um padre na década de 1990. A vítima não terá querido divulgar o caso, o sacerdote que terá abusado continuou em funções, o caso não foi comunicado às autoridades. A 5 de agosto, D. Manuel Clemente foi recebido pelo Papa e terá colocado o lugar à disposição. Ninguém confirma, ninguém desmente. O silêncio impera.

362
Número de testemunhos recebidos até julho, 17 casos foram enviados para o Ministério Público, três arquivados.

O apoio do patriarcado
O Secretariado Permanente do Conselho Presbiteral do Patriarcado de Lisboa manifestou total apoio a D. Manuel Clemente. O Patriarcado veio defender o “caminho de conversão” da Igreja e lamentar a “dinâmica mediática” que “transformou tudo em mais um ‘caso’”.

“Aceito que este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado não correspondem aos padrões e recomendações que hoje todos queremos ver implementados”
D. Manuel Clemente
Cardeal-patriarca de Lisboa
Carta aberta, 29 de julho de 2022

O clero e seus esqueletos
As notícias sucedem-se. O semanário “Expresso” noticiou outras histórias. Um padre católico divulgou abusos por parte de 12 sacerdotes, desde 1997. Metade está ao serviço. Um dos casos relaciona-se com suspeitas de abusos de vários rapazes escuteiros e acólitos. A investigação jornalística aprofunda o assunto e avança que os bispos Manuel Felício e Gilberto Reis terão tido conhecimento de abusos sexuais, nos distritos da Guarda e de Setúbal, e que os padres suspeitos não terão sido afastados das suas funções.

Cinco formas de denunciar
Preencher o inquérito disponível no site darvozaosilencio.org, mandar um email para [email protected], enviar uma carta para CE Comissão Independente, Apartado 012079, EC Picoas – 1061-011 Lisboa, telefonar para o 917110000, agendar uma entrevista com profissionais especializados presencialmente ou através das plataformas digitais. A comissão garante sigilo profissional, anonimato, total confidencialidade.

Prevenir, prevenir, prevenir
A Comissão Independente pretende envolver jovens de movimentos católicos na prevenção de abusos por parte da Igreja Católica. A ideia é passar a mensagem, explicar o problema, chegar a vários contextos. Denunciar, denunciar, denunciar.

“As próprias vítimas podem ter um papel decisivo na transformação do ponto de vista relativamente a esta matéria. O que está por trás disto é o atávico desrespeito pela criança enquanto pessoa”
Álvaro Laborinho Lúcio
Juiz conselheiro, ex-ministro da Justiça, membro da Comissão Independente