Obesidade rouba até sete anos de vida

A obesidade é uma doença crónica que leva a outros problemas diversos, desde físicos a psicológicos

É uma doença crónica descrita como a epidemia do século XXI, devido à elevada prevalência. A 4 de março celebra-se o Dia Mundial da Obesidade e o mote deste ano da Federação Mundial da Obesidade é "garantir vidas mais felizes, mais saudáveis e mais longas para todos".

Já considerada, por diversas vezes e por várias associações e sociedades da área, a epidemia do século XXI, a obesidade é uma preocupação acrescida para a saúde pelas muitas comorbilidades que lhe estão associadas. Apontando um recente estudo norte-americano, João Jácome de Castro, endocrinologista e especialista em matéria de obesidade, sublinha que os doentes obesos “vivem, em média, menos sete anos”.

O endocrinologista, também presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, ressalva que os números são preocupantes e que a consciência dos problemas associados à doença deve ser maior. O primeiro passo, diz, é reter que esta é uma doença crónica, assim definida pela Organização Mundial de Saúde e também pelas autoridades de saúde portuguesas, “um dos primeiros países europeus a reconhecê-la assim”.

Os problemas de saúde que advêm do excesso de peso e da obesidade em particular são inúmeros, desde hipertensão, hipercolesterolemia, cancro, doença cardiovascular e cerebrovascular e diabetes. Mas, para João Jácome de Castro, é igualmente importante a componente psicológica e psíquica, “muitas vezes não suficientemente valorizada”. Défice de autoestima, ansiedade, depressão, entre outros. “Alguns estudos salientam menor vontade de ir ao cinema, de entrar numa loja para comprar uma roupa, limitações para acompanhar os filhos à escola, falta de à-vontade nas relações pessoais e uma elevada taxa de absentismo ao trabalho. Situações que podem parecer banais, mas que são extremamente importantes.”

Consciencializar através dos números

Em resumo, “a obesidade é um gerador de custos enormíssimo para a saúde”. E, adianta o médico endocrinologista, para combater todos os problemas associados, é necessário combater a obesidade. Um dos primeiros estigmas a “desmistificar é a barreira entre excesso de peso e obesidade”. Obesidade, que significa excesso de tecido adiposo, é medida na prática clínica através do Índice de Massa Corporal, que compara o peso com a altura. É considerado excesso de peso quando o Índice de Massa Corporal é superior a 25, e, a partir dos 30, passa a obesidade.

“Um olhar para os números globais da obesidade é suficiente para percebermos que não estamos onde devíamos estar”, alerta José Manuel Boavida, Presidente da Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), apontando que este é um problema que afeta 800 milhões de pessoas em todo o mundo.

Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo estima que mais de 65% da população viva com, pelo menos, excesso de peso. Quanto à população considerada obesa, o número é de mais de 25%. “Há muita obesidade e excesso de peso no Mundo ocidental e em Portugal”, sentencia João Jácome de Castro, que refere o caso português como estando nos primeiros lugares “em termos de prevalência do excesso de peso e da obesidade” a nível global.

Palavras-chave: prevenir e tratar

As causas para a obesidade passam por fatores genéticos, ambientais, comportamentais e endócrinas, e o tratamento deve ser adequado a essa realidade multifatorial. “É importante prevenir, por um lado.” Tomar medidas na sociedade para que haja menos obesidade, para que as pessoas tenham uma vida, alimentação e movimentos mais saudáveis são algumas das ações apontadas pelo presidente e endocrinologista. “Mas há, ao mesmo tempo, os que já são obesos, que precisam de ser ajudados.” Para João Jácome de Castro, os dois lados são preponderantes para combater os números da obesidade: a prevenção e o tratamento.

O tratamento passa obrigatoriamente por mudanças nos hábitos de vida, de alimentação e de exercício, mas, afirma Jácome de Castro, “também faz todo o sentido ajudar com fármacos que são cada vez mais seguros e eficazes”. A cirurgia, considera, “é uma excelente solução que deve ser considerada apenas num fim de linha”. “É importante passar a mensagem que, depois de ser operada, a pessoa terá de mudar os hábitos na mesma. Se conseguirmos que as pessoas, antes de serem operadas, consigam modificar o seu estilo de vida, muitas delas não irão precisar de ser operadas.”

Em linha com o endocrinologista Jácome de Castro, o Diretor Clínico da APDP, João Filipe Raposo, acredita que é fundamental conhecer as causas mais profundas da doença e tratá-la num “pacote abrangente de políticas de prevenção e de tratamento”. “O desafio ultrapassa o próprio Sistema de Saúde, necessitando da ação das autarquias e das organizações da sociedade civil. É necessário encorajar a colaboração entre todos estes diferentes setores da sociedade.”

João Jácome de Castro é endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo

E qualquer conquista é importante. O endocrinologista realça diversos estudos que “apontam que, ainda que em pequenas quantidades, qualquer perda de peso num caso de obesidade, vai obter imensas poupanças, porque vai ter efeito imediato em reduzir comorbilidades”.

Segundo o presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, os doentes obesos que chegam a uma consulta são variados. “Há quem chegue com um ligeiro excesso de peso e a principal preocupação é mais estética do que outra coisa, há também muitos pacientes que já vêm à consulta com problemas muito sérios de saúde e temos ainda as pessoas mais preocupadas com o impacto psicológico acima de tudo o resto.”

Num trabalho conjunto da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia Diabetes e Metabolismo, a Associação de Doentes Obesos e Ex-Obesos de Portugal (ADEXO) e a Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), foi lançado o projeto “Recalibrar a balança“, que atua, nas palavras de João Jácome de Castro, na “sensibilização – das pessoas, dos médicos, das autoridades de saúde – para o que podemos fazer para melhorar a vida dos doentes com obesidade”. A principal ação tem sido a intervenção junto da esfera política, propostas de medidas aprovadas em parlamento e um diálogo constante com as autoridades de saúde portuguesas. “Estamos confiantes que vamos de braço dado contribuir para que haja menos obesos em Portugal e que os que já têm excesso de peso tenham uma vida melhor.”

A mensagem do endocrinologista para o Dia Mundial da Obesidade, celebrado a 4 de março, está em linha com a mensagem deste ano da Federação Mundial da Obesidade – “Podemos trabalhar todos juntos para garantir vidas mais felizes, mais saudáveis e mais longas para todos”. Esperançoso, João Jácome de Castro remata: “Há cada vez mais obesidade, mas é possível tratá-la cada vez melhor e mais eficazmente e é preciso fazê-lo urgentemente”.