Obesidade, essa doença crónica e complexa em adultos e crianças

A experiência nacional em cirurgia da obesidade nos adolescentes é ainda ínfima

Há avanços na redução de quilos a mais na balança dos mais novos. Ainda assim, em 2019, quase 30% das crianças portuguesas tinham excesso de peso e perto de 12% obesidade. A prevenção continua a ser essencial. O Dia Mundial da Obesidade assinala-se este sábado, 21 de maio.

Vamos a factos e a números. Em 2019, de acordo com um Inquérito Nacional de Saúde, 16,9% da população adulta portuguesa tinha obesidade e cerca de 60% excesso de peso. A prevalência da obesidade na população adulta em Portugal, de acordo com os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), é de 28,7%. Portugal é assim o terceiro país europeu com maior prevalência de obesidade. Por outro lado, os vários confinamentos durante a pandemia contribuíram para que 26,4% dos portugueses tenham aumentado de peso.

Em Portugal, a obesidade e o excesso de peso representam um custo direto anual de 1,2 mil milhões de euros, um valor equivalente a 0,6% da riqueza produzida no país, segundo indica uma pesquisa, realizada em outubro de 2021, pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e uma consultora. A diabetes, o acidente vascular cerebral, a doença cardíaca isquémica e a doença renal crónica são as doenças relacionadas com a obesidade que mais contribuíram para esses 1,2 mil milhões.

Agora, as crianças. O COSI é o primeiro sistema europeu de vigilância nutricional infantil da Organização Mundial da Saúde (OMS), do qual Portugal faz parte desde o início. No nosso país, os números divulgados mostram que há reduções estatisticamente significativas desde 2008, tanto no excesso de peso, como na obesidade, em crianças do 1.º Ciclo do Ensino Básico. É uma evolução positiva e pouco frequente noutros países. Mesmo assim, em 2019, 29,7% dessas crianças tinham excesso de peso e 11,9% obesidade.

A obesidade é uma doença com grande impacto na qualidade de vida, aumenta a probabilidade de comorbilidades e duplica o risco de hospitalização por covid-19

Segundo Leonor Manaças, diretora do Centro de Responsabilidade Integrada (CRI) do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, a explicação para estas percentagens assenta em dois pontos. Prevalência do sedentarismo destas crianças, ou seja, apenas 19% se deslocavam a pé até à escola e, além disso, a oferta de atividade física ao longo da semana nas escolas ainda não é generalizada. O outro ponto é a frequência elevada de consumo semanal de alimentos e bebidas açucaradas.

Aqui exige-se atenção, muita atenção. Oitenta por cento das crianças consomem uma a três vezes por semana biscoitos, bolachas, bolos, donuts – e 16 % consomem-nos quase diariamente, quatro ou mais vezes por semana. Setenta e um por cento consomem refrigerantes açucarados uma a três vezes por semana – 14 % consomem-nos quase diariamente, quatro ou mais vezes por semana.

“Neste estudo COSI, conclui-se a necessidade trabalhar os ambientes familiares, que se revelaram mais obesogénicos do que o ambiente escolar”, repara Leonor Manaças. “Além disto, estudos randomizados e publicados confirmaram que a prevalência da obesidade aumenta com a idade até à terceira idade, altura em que pode ocorrer alguma perda de peso.” A associação causa-efeito é evidente. “Assim, uma criança com excesso de peso tem grande probabilidade de vir a ser um adolescente com obesidade e, mais tarde, um adulto com obesidade”, sublinha a responsável.

Estimativas indicam que, em 2030, metade da população europeia terá obesidade e 89% excesso de peso

Nas escolas analisadas, adianta Leonor Manaças, a oferta alimentar privilegiou alimentos saudáveis, em conformidade com as orientações da Direção-Geral da Educação. No entanto, alguns alimentos cuja disponibilidade não é permitida em ambiente escolar ainda estão presentes nas escolas portuguesas, embora numa percentagem inferior relativamente ao estudo anterior. Ainda há 4% de escolas com bebidas açucaradas, 2,2% com batatas fritas e outros snacks salgados, 8,9% com chocolates, produtos de pastelaria e outros doces.

“Durante a infância, a estratégia para reverter o aumento de peso passa pela prevenção, prevenção, prevenção. Na escola, na família e na sociedade. A promoção de estilos de vida saudáveis em toda a família, a obrigatoriedade de exercício diário, a monitorização desse exercício, a monitorização dos horários de sono e da utilização de telemóveis, videojogos, televisão, etc. e a regulamentação de publicidade e de venda de alimentos e bebidas açucaradas às crianças e seus cuidadores, são pontos a ter em conta”, sublinha a responsável.

Quando é demasiado tarde para a prevenção, há necessidade de acompanhamento por profissionais de saúde nos cuidados primários, nomeadamente nos hospitais. O pediatra, ou o médico de família que acompanha a criança, deve identificar as várias causas de obesidade da criança ou adolescente, desde comportamentais a familiares. “Raramente a obesidade tem uma causa genética ou tem como base uma doença que provoque um aumento de peso grave”, refere Leonor Manaças.

A intervenção dos profissionais de saúde é muito focada no tratamento das comorbilidades, ou seja, nas doenças que acompanham a obesidade grave, nomeadamente a diabetes e a hipertensão arterial

Segundo a médica, “a cirurgia da obesidade é aconselhada apenas nos adolescentes que entraram na puberdade, atingiram o nível de crescimento expectável e reúnem condições pessoais, familiares e sociais para uma intervenção cirúrgica que irá permitir uma significativa perda de peso e a resolução das suas comorbilidades”.

A cirurgia exige uma equipa multidisciplinar num centro de tratamento cirúrgico da obesidade credenciado. “Deve ser segura, eficaz e realizada exclusivamente por um cirurgião bariátrico, em centro cirúrgico credenciado e especializado, e tão importante quanto a técnica cirúrgica realizada deve o doente obeso ser acompanhado por uma equipa multidisciplinar experiente e eficiente.” Em relação ao adulto, os princípios cirúrgicos não se modificam ou adaptam pelo facto de a intervenção ser realizada num adolescente”.

A experiência nacional em cirurgia da obesidade nos adolescentes é ainda ínfima. O Centro Responsabilidade Integrada (CRI) de Tratamento Cirúrgico da Obesidade do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central iniciou há dois anos a formação de uma cirurgiã pediátrica em cirurgia de obesidade. Reúne vários profissionais do Hospital Dona Estefânia, tendo sido já criada a Unidade de Tratamento Cirúrgico Obesidade Pediátrica.

As cirurgias começarão a ser realizadas no próximo mês. “Estamos, neste momento, aptos para iniciar a cirurgia bariátrica em adolescentes em junho de 2022, após processo cuidado e validado de seleção dos candidatos”, revela Leonor Manaças. Há condições físicas para o internamento dos adolescentes e a possibilidade de um familiar/tutor pernoitar no mesmo quarto.