Valter Hugo Mãe

O século dos imbecis


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

É duro ver como se aproximam as armas nucleares do grotesco Putin, como se entrega de novo a Itália ao pior de seu passado e como no Brasil tanta gente ratifica o discurso ignorante, machista, racista, violento de um presidente que representa com esplendor o imbecil orgulhoso.

Julgo que se criou uma vertigem por certo juízo final no qual, à falta de Deus, todos se tornam carrascos uns dos outros. Como se fosse um fim do Mundo em que desse a pressa na vizinhança para chegar primeiro ao poder de acusar e condenar. O Mundo virou um lugar de ódio e ressentimento e tudo quanto se defendeu, tudo quanto se conhece, é nada diante da euforia com a estupidez e desumanidade. Subitamente, os imbecis têm orgulho em o ser e a normalização de figuras agentes do ódio na praça pública encolhe a humanidade e instala com toda a desfaçatez algo que não passará tão cedo. Será muito difícil reeducar as pessoas para a compaixão ou, ao menos, para o que diz a ciência. O século XXI está feito para ser de saque puro num capitalismo sem honradez alguma, desmoronando a ecologia do Planeta, acabando com a paz e armando cada um para o regresso à escassez e à guerra.

O Século dos Imbecis é este em que tudo quanto se conquistou de mais nobre é deitado por terra em favor dessa folia com aterrorizar o outro. Tanta escola, tanto livro e debate, tanta reforma jurídica, tanto reconhecimento de direitos fundamentais, podem nada agora perante a fanática vontade de simplesmente exercer uma cidadania torturante, sobranceira, que reclame um privilégio acima dos outros, afinal reclamando uma desigualdade que se parece justificar numa suposta superioridade moral que não tem como existir.

É duro ver como se aproximam as armas nucleares do grotesco Putin, como se entrega de novo a Itália ao pior de seu passado e como no Brasil tanta gente ratifica o discurso ignorante, machista, racista, violento de um presidente que representa com esplendor o imbecil orgulhoso. Por todo o Mundo, o fascínio com estas figuras do mal tem de significar que quem usa o respeito e o conhecimento perdeu credibilidade. Não creio que isso aconteça porque não sabemos a vantagem de respeitar e de usar o conhecimento, mas porque a política dos moderados entrou numa retórica impune que as mais das vezes vem vazia de conteúdo e, sobretudo, de acção. A política tradicional perdeu a capacidade de fazer porque entendeu que gerir o discurso é mais premente para manter o poder do que gerir de verdade o dinheiro público em prol de uma construção social efectiva.

Estou convencido de que nos encurralámos. Não vai passar com explicação nenhuma. Vai piorar. Vai piorar nas próximas décadas, até que a brutalidade chegue a todos, ricos e pobres, e seja outra vez notória a vantagem da paz e do Direito. Tão radicalizadas em seu ódio, as pessoas só vão entender quando for inevitável aceitar que o ódio matará a todos, inclusive os que odeiam, e não apenas os odiados.

Parece que estamos de regresso ao século XX, munidos de muito maior informação, cheios de memória em nossos livros e filmes, e preparados, afinal, com a mesma ignorância diante da mesma manipulação e, por isso, caminhando por uma estupidez muito maior.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)