Joel Neto

O que eu sei sobre o Ben-u-ron


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

De resto, também havemos de falhar. Não há sucesso numa coisa destas: apenas graus de fracasso. O segredo é fracassar o menos possível.

Há dias, em trânsito entre o sol do Algarve e as tempestades da ilha, alongámos a escala em Lisboa para ir apanhar umas coisinhas que a Patrícia, mãe de dois, tinha posto de lado para o Artur. Foi assim que a Marta mo descreveu, “umas coisinhas” e eu estremeci. Quem cresceu pobre o suficiente para as coisas que sobravam aos outros fazerem realmente a diferença sabe do que falo: uma pessoa jura a si mesma que nunca mais vai precisar da ajuda de ninguém, e só a ideia de se ver rodeada de sacos de plástico num passeio das Avenidas Novas, à espera do Uber que – logo hoje – ainda vem a 13 minutos de distância, já a assusta.

E não é que nós precisemos, de facto. Mas, por outro lado, precisamos – quem não precisa? Só nos sacos da Patrícia havia mantas, roupas, brinquedos, fraldas de pano, bombas de leite, um casaco de dinossauro totalmente adorável, Ben-u-ron em supositórios que eu não sabia que existia, um ginásio que eu também não sabia o que era, um nã-nã que eu nem sabia o que era, nem sei como se chama no continente e até um dito “robô de cozinha para bebés” que pensei ser um brinquedo, mas afinal era uma trituradora. Quanto poderia custar tudo aquilo?

Preparar a chegada de uma criança, como sempre ouvi, talvez até pudesse intuir, mas afinal não fazia ideia, é um tal empreendimento que nem imagino como podem dois terços dos portugueses corresponder-lhe – mesmo com a ajuda dos amigos. A lista de compras estende-se de tal modo, e por termos tão obscuros (Ergobaby, Next2Me, Tommee Tippee, Shantala, Baby Hug), que há umas semanas a Marta, sempre prática, pediu a outras duas amigas, igualmente mães recentes, para enumerarem o que tinham reunido, mas assinalando o essencial e aquilo em que haviam deitado dinheiro fora.

Portanto: mala de maternidade, uma excentricidade parva; muda-fraldas, basta aquela esponja do Ikea para pôr em cima da cómoda; copos para guardar alimentos, ninguém chega a usar; espreguiçadeira oscilante, quem tem coragem de pôr o garoto naquilo?; porta-documentos, pois é deixar algum Joel Neto oferecer no dia em que for ver o bebé e tiver de passar numa loja à pressa, para não chegar de mãos a abanar.

No mais, precisam as famílias e precisa o Planeta: há que reciclar. Ontem fiquei a saber que já existem até agências de aluguer de instrumentos usados, o que aliás me pareceu uma boa ideia. E, mesmo assim, ainda ficam a faltar os médicos, as escolas, as actividades de tempos livres, as colónias de férias – mais tudo o que não me estou a lembrar, simplesmente não sei e/ou me vai abalroar amanhã de manhã.

Como se educa uma criança para a parcimónia, no meio destas necessidades todas? E para o usufruto da Natureza? E para a atenção em geral? E para a compaixão em particular? Eis o busílis. Vou tentar começar pela memória, como sempre: nós crescemos sem metade disto e estamos aqui, problemáticos mas vivos (quase todos). De resto, também havemos de falhar. Não há sucesso numa coisa destas: apenas graus de fracasso. O segredo é fracassar o menos possível – eis tudo quanto aprendi até agora. Isso e que a Patrícia (que eu nem conhecia) é um amor.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)