Helena e Ana falam do caminho que percorreram até receberem em casa amigos de quatro patas. Antes da decisão, quais os fatores a ponderar? Veterinários, responsáveis por associações ou criadores podem dar conselhos úteis.
A pacata e meiga Micas chegou há três anos a casa de Helena Nogueira e Miguel, em Lisboa. “É um amor que não se aguenta”, comenta a dona que vê nesta scottish fold o “ideal de um animal de companhia”. Todavia, “não interage com o Miguel como ele gostaria”. A consultora de comunicação, de 47 anos, fala do “desejo antigo” de o filho, de 15 anos, ter um cão, adiado porque ele “não tinha idade para assumir essa responsabilidade”. Há um ano ficaram reunidas as condições.
Ilda Gomes Rosa, médica-veterinária e professora de Comportamento e Bem-Estar Animal na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa (FMV-ULisboa), defende que há questões importantes a considerar antes de se levar um animal para casa. “Tenho capacidade para responder a todas as necessidades que este animal vai ter ao longo da vida?”, aponta a também responsável por uma consulta dedicada ao aconselhamento antes da adoção ou compra de um animal de companhia, no Hospital Escolar Veterinário da FMV-ULisboa, referindo-se a gastos com alimentação e cuidados veterinários. “Tenho disponibilidade emocional, material e física?” é outra pergunta fulcral. E especifica: “Nos cães, significa ter tempo para passear, educar, alimentar ou limpar o pelo. Nos gatos, para brincar, estimular ou limpar o caixote”.
Quando decidiram adotar um canídeo, Helena e Miguel tinham essa disponibilidade e começaram a procurar um animal compatível com o estilo de vida ativo que têm, mas não só. “Queríamos uma menina, que vivesse bem num apartamento e que em adulta não ultrapassasse os dez quilos para ir connosco para todo o lado, inclusive viajar de avião sem ser no porão, ou levar de vez em quando para o escritório.” Além disso, Helena fez também um levantamento de custos e consultou o veterinário por causa da Micas. Chegou a pensar em ter um cão de fila de São Miguel, mas desistiu devido a algumas características da raça. Viu, então, um anúncio de adoção e pediu informações. Após uma visita e na posse de mais detalhes, nomeadamente sobre a ascendência da “adorável rafeira”, não restaram dúvidas. Mel foi adotada com três meses de vida.
As características da família e do bicho
Na Abrigo Gatos e Afetos Associação, no Porto, há total disponibilidade para responder às questões dos adotantes. Antes de mais, é preciso apurar “se há alergias entre os membros da família” ou “se têm em conta os gastos extra que podem surgir se o gato adoecer”, esclarece Mariana Ferreira, presidente desta organização, que em 2021 deu 158 gatos para adoção. Perante algumas questões já aconteceu “mudarem de opinião, decidirem adotar um animal mais velho em vez de um gato bebé ou desistirem quando confrontadas com alguns conselhos”. Há também casos em que se concluiu, após a adoção, que “as pessoas, afinal, não foram os donos ideais”, apesar da “triagem rigorosa”.
Ana Fonseca trabalha na área da publicidade e não raras vezes é procurada por pessoas que querem conselhos sobre cães. “Tento dar o cenário mais realista possível. Querem um cão para fazer companhia nas caminhadas e gostam da raça com pelo comprido. Ok, e estão preparados para dar banho todos os dias?”, pormenoriza. Criou um grupo de donos de cães na zona onde habita, em Lisboa, e a página de Facebook “Patudices”, na qual são divulgados “produtos, dicas, ajudas e aconselhamento sobre cães”, após um episódio de “solidariedade canina” há oito anos, quando iniciava os treinos da Baileys, a sua cadela weimaraner.
Também Helena Nogueira lançou o espaço virtual “Petfeelings” com o intuito de reunir “toda a informação possível sobre o mundo animal numa plataforma” e fomentar “a interação e partilha”. Na verdade, a troca de experiências também contribui para a tomada de decisão, até porque, segundo Mariana Ferreira, “só amor não é suficiente; as pessoas devem pensar muito bem”. E, neste processo, profissionais de saúde, pessoas com mais experiência em animais ou numa raça, criadores, comportamentalistas ou responsáveis por associações podem ser úteis.
E porque não um animal mais velho?
Num dos passeios diários de Becas, Doris, Romeu e Da Vinci, foram muitas as experiências que Ana Marques partilhou. Vive na Parede, mas o encontro com a “Notícias Magazine” foi na Quinta dos Ingleses, em Carcavelos, “pelo espaço” que permite os três chihuahua e uma rafeira “andarem livremente”. “Faço três a quatro passeios por dia. No primeiro, tenho que me levantar muito cedo e à noite, por muito que custe, tenho que ir à rua com os cães. É uma boa rotina para um animal adulto. Os mais novos obrigam a mais saídas ou passeios longos”, relata Ana, 57 anos, professora de Artes Visuais e Informática no Ensino Secundário. Os cães mais velhos são igualmente ideais porque a mãe, Fernanda, de 87 anos, vive em sua casa. “Um cão jovem precisa de gastar muita energia e faz imensos disparates. É natural, faz parte do crescimento. Um cão adulto já sabe tudo e respeita mais as pessoas.”
“A Becas e a Doris são as minhas cadelas oficiais. Não sei exatamente, mas devem ter 12 ou 13 anos”, calcula Ana, explicando que foram adotadas há cerca de oito anos. Antes de avançar, pediu informações sobre o “historial e comportamento” junto de quem as acolhia e acerca da “condição física” a um veterinário. No passado, desistiu de adotar um cão porque as informações a que teve acesso “não iam ao encontro do que pretendia”, refere Ana, que é também família de acolhimento temporário de Romeu e Da Vinci.
Por norma, “as pessoas optam por animais bebés e nem encaram a possibilidade de adotarem um animal mais velho, que tem imensas vantagens”, observa a veterinária Ilda Gomes Rosa . Na consulta que dirige, o objetivo é “perceber quais as expectativas das pessoas, analisar o perfil e depois aconselhar”. “O grande problema é comprar ou adotar com o coração e não com a razão.”