Joel Neto

O primeiro email


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Amado Artur: a mãe e o pai criaram esta caixa de email, seguindo uma sugestão do amigo Roberto – vais gostar dele -, para que seja ao mesmo tempo a tua primeira morada electrónica e o destino das memórias, declarações de amor, desabafos e fotografias que lhes ocorra enviar-te ao longo da tua infância. Poderás ler, ver e consultar tudo quando tiveres a idade adequada. Se calhar nessa altura já não passará de uma relíquia, isto do email, mas assim também poderás começar a perceber que os que viveram antes de ti viveram em muitos aspectos de outra maneira e, mesmo assim, amaram como tu.

Esta não é a tua história. Esta é, quando muito, a nossa história comum, e apenas como a mãe e o pai a viram. A tua história, serás tu a escrevê-la. És o mestre do teu destino, como diz um verso que hás-de conhecer. E nós esperamos ser sempre capazes de atender a isso que é a maior das evidências e o principal dos direitos: és uma pessoa e deves ter a oportunidade de te autonomizares como pessoa.

Portanto, o endereço e a password que repetimos em anexo são para guardares em lugar seguro. Aproveita e guarda também o teu assento de nascimento, que formaliza o nome que te demos e determina a tua naturalidade oficial. Esperamos não ter escolhido mal, nem em relação a “Artur”, nem à Terra Chã. Mas “Artur” ainda poderás vir a renegar, sob determinadas condições. Terra Chã, uma freguesia que foi rica, empobreceu e até ganhou mau nome, não mudará. A nossa esperança é que vejas nisso uma verdade, não só sobre identidade, mas sobre justiça.

De resto, juntamos a primeira fotografia da tua vida e uma canção que o teu pai, fraco poeta, escreveu para assinalar o advento. Podes rir-te, mas não duvidar de que a escreveu com o coração. Nela baseou uma crónica da coluna “Pai aos 50”, que vem publicando numa revista importante a propósito da tua chegada. E, sim: não tem a tua autorização nem, aliás, 50 anos feitos (ainda só tem 48). Mas espera vir a obtê-la a ela, ainda que retroactivamente, e a completá-los a eles.

Talvez valha a pena saberes que, no momento em que te escrevemos, não podes estar onde devias, e que era no nosso colo. Adquiriste ao nascer uma infecção que vais debelando num espaço diferente do hospital onde a mãe convalesce da cesariana. Só estás surpreendido porque foi apenas um susto e nem chegou a entrar na mitografia familiar. Mas mal podemos esperar por levar-te para casa, mostrar-te o jardim e apresentar-te aos teus irmãos, o Gauguin e a Colette. Vais adorá-los. Têm ambos quatro patas, mas não te deves sentir diminuído: nunca escreverão uma sinestesia.

Ficas avisado de que, apesar de todos os conselhos que te daremos anos fora, não haverá nenhum mais importante do que estes dois: nunca desistas de mudar o Mundo; e faz planos até ao último dia. Entretanto, vamos tentar que, a partir daqui, não se usem mais entre nós expressões como “a mãe” ou “o pai”. Tratamo-nos a todos por “tu” e “eu”, e convidamos-te a fazer o mesmo. Queremos dar-te uma educação republicana, que te permita sentires-te ao nível de qualquer pessoa (como estás). De certeza que saberás combinar isso com o respeito que é parte inalienável da mesma espécie de educação.

Dos teus pais que te celebram, Marta e Joel.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)