O poder do batom e do rímel

Vera Lúcia é cabeleireira e maquilhadora. Promove workshops de imagem para mulheres, em prol da autoestima (Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

O autocuidado anda de mãos dadas com a autoestima e, no mercado, estão disponíveis produtos que realçam a beleza natural. Vera, Vânia e Joana compartilham como usam a maquilhagem em prol de uma maior autoconfiança.

Vera Lúcia Nunes não conhece uma rotina diária que não inclua maquilhagem. É com uma enorme ligeireza que a lisboeta de 40 anos coloca o creme hidratante no rosto e depois uma “boa base adequada à idade”. Segue-se o blush para “realçar as maçãs do rosto e dar vida”, o rímel e “eventualmente um brilho”. Uma sequência de gestos que ocupam não mais do que 10 minutos. “Não consigo sair de casa sem me maquilhar. Se não o fizer, sinto-me diferente, nua. Não me sinto bem”, afirma. É técnica e formadora de colometria capilar. Porém, não é por trabalhar no “mundo da beleza há 22 anos” que tem esta “relação vitalícia” com a maquilhagem. “Faria o mesmo se trabalhasse num escritório. Maquilharmo-nos é aprendermos a gostar de nós.”

Proprietária de um salão de beleza num bairro de Lisboa, mãe de três filhos – Bianca de 22 anos, Letícia de 16 e Alexandre de 7 -, Vera utiliza a maquilhagem para realçar os olhos verdes, mas também para “disfarçar a cara larga e as sardas”, de que não gosta. Conta que já aconteceu ficar sem maquilhagem por ter chorado, de olharem para si e instantaneamente questionarem por que estava “tão abatida e cansada”. Explica que trabalha “imensas horas e se não estiver maquilhada, o cansaço, as olheiras e os sinais revelam-se logo”. Além disso, “a maquilhagem dá uma autoestima brutal e não é preciso investir muito dinheiro. Basta ter um kit com base, rímel, blush e sombra para fazer a diferença”, argumenta Vera, que pode demorar até 30 minutos a maquilhar-se se pretender algo mais elaborado. E não diríamos ser a mesma pessoa quando nos mostrou fotografias do “antes e depois” de ser maquilhada por Alessandra, uma técnica de maquilhagem transformativa com quem tem uma parceria para a realização de workshops, dirigidos a mulheres sobre autoimagem, no seu estabelecimento.

Como o nome sugere, a maquilhagem transformativa altera significativamente as características naturais de uma pessoa. Quem a utiliza, “talvez devido à mudança na aparência, mais facilmente tende a infringir algumas regras sociais, comparativamente com quem usa maquilhagem natural”, segundo uma investigação do Behavioral Lab da Nova SBE, Carcavelos, protagonizada por Irene Consiglio e Natalie Truong Faust, em conjunto com Jennifer Argo, da Universidade de Alberta, Canadá.

Nesta pesquisa, as investigadoras da Nova SBE descobriram haver uma “alteração do autoconhecimento”, espoletada pela mudança da aparência, capaz de “interferir no comportamento”, tendo também um “efeito semelhante ao de uma máscara”. Acreditam que esta investigação poderá, por exemplo, ser útil para empresas cujo código de conduta dos funcionários inclui o uso de maquilhagem.

Na verdade, em algumas atividades profissionais pode fazer a diferença. Que o diga a networker Vânia Ferreira, de Vila Cã, uma localidade do concelho de Pombal, que recorre muitas vezes aos diretos nas redes sociais com a finalidade de promover produtos de uma empresa na área do bem-estar. “Não tenho problema nenhum em aparecer sem maquilhagem. Mas, quando estou maquilhada, tenho mais visualizações e as pessoas estão mais atentas ao que digo”, constata esta jovem de 28 anos, que começou a maquilhar-se aos 12. Usava “só lápis”, depois adicionou o rímel para evidenciar ainda mais os olhos azuis, que “todos elogiavam”. Conta que “à medida que ia crescendo ganhava cada vez mais peso” e, apesar de “ter muito apoio em casa e de não ter sofrido bullying na escola”, não se sentia bem com o físico. “Refugiei-me na maquilhagem. Era um escape. Realçava os olhos com sombras e lápis para não me olharem de lado. Queria que comentassem que tinha uma bonita maquilhagem e que também queriam saber fazer o delineado direitinho como eu fazia”, compartilha.

Emília Lascasas, terapeuta de estética e psicóloga da Clínica You Care – Estética e Equilíbrio, em Matosinhos, aponta, entre as “inúmeras razões dos comportamentos de autoembelezamento” questões culturais, identificação com o grupo, aceitação e, por vezes, reforço da autoestima. “A maquilhagem é usada para realçar a beleza, além de ajudar a disfarçar algumas imperfeições. Tem o poder de mudar o visual e, mais do que isso, deixar as pessoas mais confiantes na forma como se apresentam”, observa. Acrescenta que “uma maquilhagem bonita é transformadora” e inclusive “terapêutica, não no sentido lato da palavra, mas, na medida em que aumenta a autoestima”.

Tinha “medo de não ser aceite por ser gorda”

Quanto mais elogiavam a forma com que Vânia se maquilhava, mais ela investia para impressionar os demais, assistindo a vídeos para aprender diferentes maneiras de se pintar. “A minha baixa autoestima, e o facto de querer ser igual às minhas colegas e amigas, fez com que me limitasse e pensasse que só assim é que conseguiria o meu espaço no grupo em que estava inserida”, lembra a networker. Apesar de sociável, “intimamente tinha medo de não ser aceite por ser gorda”, medo que a acompanhou até à idade adulta. “A maquilhagem ajudou-me a ter mais confiança em mim e a não ter vergonha durante os três anos em que vivi em Sintra, ou nos quatro anos que estive a estudar Biologia Humana em Évora.”

É possível transmitir mensagens através da maquilhagem, pelo que “deve ser usada como uma transformação positiva e não como uma máscara”, adverte Emília Lascasas, defendendo que “se deve ter em conta a personalidade” e contexto, ou seja, se a maquilhagem é para usada no dia a dia, à noite, numa festa ou numa entrevista de emprego.

Vânia Ferreira usa diariamente maquilhagem para se sentir mais bonita e confiante. A elaboração do aspeto final vai mudando consoante as ocasiões
(Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

O objetivo de Vânia destacar os olhos para “esconder a obesidade” persistiu até pouco depois de ter sido mãe de Simão, há três anos. “Antes de perder 20 quilos utilizava contorno para afinar mais o rosto e para tentar disfarçar o ‘papo’”, exemplifica, dizendo que hoje em dia usa “apenas rímel e batom nude” no quotidiano. Já se for a um casamento, por exemplo, capricha “com glitter para aquele glow de cerimónia e os lábios mais para o rosa ou vermelho”.

Nídia Carvalho é make-up artist e é procurada “principalmente para ocasiões especiais” ou para dar workshops. Acredita que essa procura está relacionada com a “diferença no resultado que as pessoas notam, quer já se maquilhem, mas não da forma mais correta, quer quando não usam maquilhagem mas tenham gostado de ver”. Quando recorrem aos serviços de Nídia, pretendem “sentir-se seguras com a maquilhagem que vão usar e que esta seja adequada ao acontecimento e com resultado duradouro” e não raras vezes pedem-lhe conselhos. “A questão mais frequente é sobre o tipo de base. Também pedem dicas para corrigir a sobrancelha ou como tapar manchas sem ficar com um aspeto muito artificial”, relata a maquilhadora de Azeitão.

A dificuldade em lidar com o avançar da idade é uma das principais fragilidades confidenciadas a Vera Lúcia por algumas das suas clientes a quem dá imensas dicas adequadas ao quotidiano e atividade profissional. “Quando são maquilhadas, olham ao espelho, gostam e ficam mais motivadas porque verificam que o cansaço e as marcas da idade não estão tão evidentes”, realça a técnica de colometria capilar.

Joana Machado recomeçou a usar maquilhagem por se sentir desconfortável com as olheiras. Natural de Lisboa, tem 35 anos, vive há 12 em Évora e diz que se maquilhava “quando era mais nova”, mas deixou de investir nesse cuidado pouco depois de começar a trabalhar como técnica de animação turística. “Não dava jeito andar sempre com os produtos na carteira.”

Hoje, é rececionista na área do turismo. E conta que após o primeiro confinamento pandémico, notou “ainda mais as olheiras”. Também apareceu “uma mancha no rosto”, por isso Joana passou a “tratar mais da pele”.

“Comprei um bom creme hidratante e aos poucos fui adquirindo outros produtos. Com o corretor de olheiras fico sem cor, então comecei a usar rímel. Não era suficiente e desde há uns meses introduzi o blush e o batom”, refere, sublinhando que “tem de ser tudo muito prático e que não leve muito tempo”, porque reconhece não ter “muita paciência”.

Na opinião de Nídia Carvalho, “deve-se ter noção do tipo de pele que se tem para escolher os produtos adequados e de qualidade”, mas também “usar protetor solar e limpar bem a pele na altura de desmaquilhar”. Para Emília Lascasas, “o segredo de uma boa base de maquilhagem passa por uma pele bem tratada, limpa, com brilho e hidratada”. A terapeuta de estética salienta “o grande impacto na qualidade de vida, quer no bem-estar físico, quer no psicológico” de uma pessoa ver-se mais bonita.

Joana Machado , maquilha-se sobretudo com o intuito de esconder as olheiras. Usa maquilhagem muito natural, sem exagero
(Foto: Gonçalo Figueiredo/Global Imagens)

Vera Lúcia defende que se deve “ter mais atenção a partir dos 30 anos, quando surgem as primeiras marcas da idade”, garantindo que, “através do autocuidado, é possível ganhar mais segurança e autoconfiança”. E não admite “desculpas”, como a “falta de tempo para a maquilhagem ou de dinheiro para os produtos”.

Há dias em que Vânia Ferreira não se maquilha, mas não prescinde de certos cuidados diários. “Todos os dias limpo, tonifico e hidrato a pele. De tempo a tempo faço máscaras e esfoliação”, menciona, crente de que “a personalidade, a confiança ou o valor não dependem do aspeto”. Apesar de usar uma maquilhagem o mais natural possível, Joana confidencia que gosta do resultado final quando se olha ao espelho. “Não me incomodo se sair à rua sem maquilhagem. Não me sinto tão bonita, mas também não me sinto feia.”