O Natal em que Sara Matos se sente capaz de tudo

Lisboa, 18/11/2022 - A atriz e Modelo Sara Matos para a edição especial de Natal da NM. Sara Matos (Gerardo Santos / Global Imagens)

Uma viagem às festas passadas em casa dos avós, invariavelmente com as mesmas músicas, os mesmos filmes, os mesmos programas. Mas também ao presente. Ao filho bebé e ao turbilhão que lhe inundou a vida. Uma conversa natalícia que é também sobre a maternidade e a saúde mental, sobre uma carreira que vai de vento em popa e o peso do mediatismo. E sobre o presente de que o Mundo mais precisa.

Quando recua aos Natais que lhe fizeram a infância e o início da adolescência, há uma memória particularmente nítida: a da família reunida, por entre o doce aroma dos bolos e do amor, a ver a emissão especial de “Bravo Bravíssimo”, programa de talentos emitido pela SIC entre 1994 e 2002. “Já na altura achava: ‘Um dia, pode ser que tenha essa sorte’.” Como se o futuro de Sara Matos, hoje nome maior da ficção nacional, se anunciasse ali mesmo, naqueles serões pintados a afetos e magia, que haveriam de ser parte indelével do imaginário da quadra. “O Natal foi desde sempre uma época muito mágica. Até por calhar no mês do meu aniversário [completa 33 anos a 20 de dezembro]. Sempre foi uma época que me transportou para um mundo de fantasia, com os cheiros dos bolos e as velas, com a mesa farta e os enfeites, com os programas em família.” Onde, lá está, não podia faltar a edição especial do “Bravo Bravíssimo”. Mas também as músicas da época cantadas em uníssono. E os filmes, esses que transbordam Natal por todos os lados. “O ‘Sozinho em casa’, então, tínhamos de ver todos os anos”, lembra Sara, o olhar feliz perdido nas memórias que sabem a casa. “Ainda hoje continuo a ver, para conseguir transportar-me para essa altura, para conseguir viajar, para voltar à Sara pequenina.”

Durante anos, a festa fez-se na casa dos avós, em Lisboa. Com a mãe, o irmão, os tios, os primos. “Nos filmes há imensa gente à mesa e eu sempre adorei essa imagem. Logo eu que sou uma eterna romântica. Mas nunca tive uma família alargada.” Eram poucos, mas bons. E o espírito da quadra, no que de mais profundo tem, nunca faltou. “Foi sempre uma época muito dedicada à família, a biológica e aquela que escolhemos ter. Acho que é a única altura em que as pessoas se libertam daquela pressão profissional que existe durante o ano todo e realmente relaxam.” Já as prendas eram sempre com conta, peso e medida. “Nunca tive muitos presentes nem nunca senti que isso fosse uma preocupação. Preocupávamo-nos mais em estar juntos, em cantar as músicas de Natal, em ver os filmes de sempre. A minha família nunca cultivou essa parte consumista.” Jura até que não consegue recordar-se de um presente que a tenha marcado particularmente. “Acho que isso é tudo aquilo de que não devíamos falar quando falamos de Natal”, atira, contundente, mas sempre a sorrir.

Entretanto, a vida apressou-se, a Sara miúda deu lugar à Sara adulta, a atriz enamorou-se, juntou-se (com o também ator Pedro Teixeira), passaram a dividir a quadra entre a mãe dela e a mãe dele. Lá pelo meio, Sara e Pedro também foram pais, já lá vão quase 15 meses. E o Natal ganhou ainda mais cor. Mesmo que tudo se tenha tornado inevitavelmente diferente. “Confesso que no ano passado não estava tão focada em ajudar a preparar tudo e em vero ‘Sozinho em casa’, como é habitual, porque tinha ali um bebé muito pequenino a precisar de mim. E com essa idade, então para quem está a amamentar, o único foco são eles. Além de que um bebé de três meses [a idade de Manuel no Natal passado] não tem propriamente horários, nós é que temos de nos adaptar a ele, pelo menos é a minha forma de ver as coisas. Então teve de ser tudo um bocadinho acabado à pressa, às 22 horas já estava tudo recambiado para casa.” Agora, que a cria já terá 15 meses, a passar, a expectativa é distinta. “Confesso que acho que vai ser melhor. O Manuel está muito mais comunicativo, percebe quase tudo o que dizemos. É verdade que tem a sua hora de deitar e eu gosto das rotinas, acho que são importantes. Mas vamos fazer a árvore de Natal em conjunto, enquanto ouvimos as músicas da época, uma sessão fotográfica nossa, com o Pedro a tirar as fotos. E isso será sempre o mais importante: estarmos juntos e em família.” Mesmo que a quadra, esta em particular, se faça também de saudade, porque 2022 foi o ano que lhe levou a avó.

De resto, há muito que o Natal é um demorado convite à introspeção, a uma espécie de solidão construtiva. Sem que isso signifique fechar-se debaixo da carapaça. “No meu dia a dia, os estímulos são tantos que seria difícil se em algum momento me fechasse sobre mim mesma. Aliás, o meu trabalho vive disso, das emoções, da entrega, da disponibilidade para os outros. Quanto falo em introspeção, é na perspetiva de ter sempre presente que estou diariamente a construir personagens, mas que existe a Sara, inteira. E isso implicar gerir muito bem as emoções, para encontrar esse equilíbrio, requer um autoconhecimento muito grande. No fundo, passa por perguntar a mim mesma ‘o que é que fiz para me melhorar este ano?’. E por me tornar sempre melhor e mais disponível para os outros.”

“Porque estás sempre bem-disposta?”

Na verdade, garante, nunca se sentiu tão aberta ao outro, tão disponível para se entregar. E voltamos ao Manuel. E à maternidade. A essa outra forma de renascimento que é em si mesma um enorme pedaço de Natal. “Não há um dia em que, no meu trabalho, não me cruze com alguém que me pergunta: ‘Porque estás sempre tão bem-disposta?’.” E Sara responde quase sempre da mesma maneira. “Eu não sei. Acho que é o meu filho.” O filho que, num só fôlego, a amoleceu e fortaleceu. “Acho que antes não me dava aos outros como me dou. Estou muito mais moldável e muito mais atenta. Principalmente em relação às mulheres, acho que tenho hoje para com elas uma atenção que não tinha. Porque sei a força que é preciso para ser mulher, para ser mãe.” E é aqui que entra o fortalecimento. “Tornei-me uma pessoa muito mais serena, pessoal e profissionalmente. O Manuel ajudou-me em todos os sentidos. Pouco depois de ele nascer, recebi o convite para apresentar o ‘Ídolos’ [a estreia da atriz na apresentação] e senti que ia correr bem porque se já tinha sido mãe era capaz de tudo. E eu acho que é mesmo isto. É uma frase que parece cliché, mas que não é. Porque a partir do momento em que nasce uma criança e em que temos a responsabilidade de a educar, de gerir as emoções, de pensar em cada momento o que podemos fazer melhor, sentimo-nos mesmo capazes de tudo.”

Também por isso não hesita em responder com um enfático “incrííííííííível” quando lhe perguntamos como tem sido vestir a pele da Sara mãe. Mesmo que a maternidade seja “uma montanha de emoções muito grande”. A amamentação, sobretudo. “Felizmente, consegui amamentar até aos seis meses. E é mesmo muito desafiante. Passamos metade de um ano literalmente a viver para aquele bebé, a dormir as horas que ele dorme, a viver ao ritmo dele. Porque quando digo que tem sido incrível isso não quer dizer que tive um bebé que dormia a noite toda, bem pelo contrário. É claro que de alguma forma nos sentimos presas. Mas se compensa? Sem dúvida que compensa. E acabei por conseguir lidar relativamente bem com a privação de sono. Aliás, eu nunca consegui dormir durante o dia. Por isso, aproveitava os momentos em que ele dormia de dia para… ficar sozinha. Para fazer meditação, para me ouvir respirar, para comer uma boa comida, para me exercitar. E isso ajudou-me muito.” Sente até que acabou por ter mais energia durante a fase da amamentação do que a que tem quando está “um ano inteiro a fazer uma novela”.

“Felizmente, correu sempre tudo muito bem”, dá graças. Sara não pode jurar que essa foi a chave do sucesso, mas admite que se preparou muito para o que aí vinha. “Em tudo o que faço na vida gosto de me preparar. Há muitos anos que faço terapia e isso ajuda-me. E fiz questão de não trabalhar durante a gravidez, que era uma coisa que nunca tinha feito. Senti que precisava de tempo e de espaço para me ver como a Sara que ia ser mãe. Preparei-me muito, para tudo o que pudesse vir, sem preconceitos. Ouvi muitos testemunhos de pessoas com quem as coisas não correram assim tão bem, de depressões, de tristezas sem qualquer razão aparente. Acho que estava muito preparada para o pior, que me preparei para abraçar esse vazio. E de repente não foi o pior. Foi só um bebé, com toda a atenção de que um bebé precisa.”

A recompensa faz-se diariamente, a uma qualquer hora do dia, quase sem aviso. “Sempre que estou a trabalhar e recebo um vídeo do Manuel é como se ficasse com mais oxigénio, é algo que me enche o coração. Nem consigo destacar um momento inesquecível, são vários, todos os dias, e parece que cada dia é melhor.” E a gestão com o trabalho? É grata por encontrar do outro lado quem sempre a compreendeu e ajudou a equilibrar a maternidade com o lado profissional. “Quando comecei a gravar o ‘Ídolos’ deram-me todo o tempo para levar o Manuel comigo para as gravações, foi um mês intensivo. E uma aventura, claro. Mas foi giro. Acho que fui uma corajosa.”

Mesmo hoje, entre uma agenda repleta de gravações [é protagonista da novela “Sangue oculto”, da SIC, em que desempenha o duplo papel de Carolina e Benedita, gémeas], não abdica de garantir tempo para estar com o filho. “Tenho de o ver todos os dias, aí não há volta a dar. Eu decidi aceitar este projeto nesta fase porque sabia que estava rodeada das melhores pessoas, que tinha a tomar conta do Manuel uma pessoa com quem me identificava, com a mesma forma de pensar e a mesma sensibilidade que eu. Depois, tenho de o ver sempre antes de ir trabalhar e quando chego a casa. E ao fim de semana estou sempre com ele. Onde quer que vá, levo-o comigo. Sinto que estou muito presente na vida dele.” Como presente está a convicção do ser humano que quer ajudar a criar: “Alguém consciente, bem formado, corajoso, que lute pela felicidade dele, mas que também ajude a construir um bem coletivo. Isso para mim é muito importante. Porque um dia isto tudo acaba e o que vale é o respeito pelo próximo, o que sentimos quando deitamos a cabeça na almofada.”

“A menina deve ser maluquinha”

Para Sara, esse processo tem sido uma construção constante. Na qual a psicoterapia tem tido um papel fundamental. Di-lo sem rodeios. “Eu comecei a fazer terapia tinha 12 anos, numa altura em que ainda não era suposto dizer-se que se precisava de um terapeuta, em que assumir-se que se fazia terapia levava muita gente a pensar: ‘Bem, a menina deve ser maluquinha’. Mas sempre tive uma família de mente aberta que valorizou isso, que percebeu que ouvirmo-nos a falar alto, termos alguém que nos encaminha e nos abre o leque de opções, que não nos faz sentir sozinhos no nosso próprio mundo, era importante.” Por isso, seguiu, já lá vão 20 anos de terapia. E é com incontido agrado que olha para o caminho que a sociedade tem feito nesse mesmo sentido. “Tem havido uma desconstrução de tudo o que tem a ver com estas questões da saúde mental, sem dúvida, um preconceito que se foi desvanecendo. Fazer terapia já é algo muito mais entendido por todos. Aliás, noutros países até já é normal cada um ter o seu próprio terapeuta. Claro que cá essa ideia ainda é para rir, porque a maior parte das pessoas não tem condições financeiras para isso.”

Para Sara, que logo aos dez anos decidiu que queria ser atriz, esta necessidade de acompanhamento tornou-se ainda mais premente. “Quando se trabalha com emoções é importante ter alguém que nos lembre constantemente: ‘Atenção, podes construir outras personagens, mas esta é a Sara, que tens que continuar a construir todos os dias’. Também foi importante para me ajudar a perceber o que é o sucesso, que é diferente do mediatismo. E que não podemos viver autocentrados, que a empatia é fundamental. Ajudou-me em tudo isto e continua a ajudar.” Mesmo que, desde aquele momento em que ainda pré-adolescente, entrou pela primeira vez numa sessão da psicoterapia, até hoje, quase tudo tenha mudado.

Entretanto, estudou na Escola Profissional de Teatro de Cascais, integrou uma companhia de jovens atores, cursou Expressão Dramática na Casa do Artista e depois na ACT, chegou a ingressar na Escola Superior de Teatro e Cinema, mas fez apenas um ano. Por essa altura, estreava-se na televisão, na icónica série “Morangos com açúcar”, onde fez par amoroso com Lourenço Ortigão. Era o arranque de um caminho fulgurante no pequeno ecrã, com mais de uma dezena de novelas no currículo. Ainda que o teatro continue a ser o amor predileto, aquela eterna praia onde gosta de voltar para se sentir completa. “Eu gosto muito da adrenalina da televisão, dos dias todos diferentes, do imprevisível. A televisão dá-me o ritmo de que preciso para me manter viva. Mas o teatro dá-me o contacto com as pessoas, o cara a cara. Não abdicaria disso. Ainda por cima, tenho uma ferramenta muito boa que é a minha voz.”

Pelo meio, ainda vai arranjando tempo para brilhar em concursos de música e dança – venceu o “Dança com as estrelas” e uma edição especial de fim de ano de “A máscara”. E para se estrear na apresentação, na tal edição do “Ídolos” em que chegou a levar um Manuel com um punhado de meses para as gravações. “A apresentação ainda é uma paixão muito recente. É como se de repente me tivessem tirado o tapete. Levaram-me da minha zona de conforto. E eu adoooooro isso. Acho que correu muito bem. Libertei-me, diverti as pessoas e diverti-me a mim. Mas se faria mais? Não sei, ainda estou a tentar perceber.” E o que lhe falta fazer? “Tudo e nada”, responde, sem responder. “Nada porque já conquistei tanta coisa que valorizo imenso aquilo que tenho. Tudo porque acho que ainda tenho imensa coisa para viver e vou fazê-lo. Quero continuar a ter pessoas à minha volta a perguntar-me porque é que estou sempre tão bem-disposta. A ter um objetivo é esse, o de sentir que animo as pessoas à minha volta.”

Até porque o tempo também lhe deu estofo para lidar com o mediatismo que vem com a fama, com as polémicas que lhe marcaram uma parte do percurso, com a maledicência que também chega com as redes sociais. “Acho que já faço televisão há tanto tempo que aprendi a lidar com isso. Já comecei com 14, 15 anos. Não foi só a partir do momento em que fomos para as redes sociais que isto começou, já acontecia antes. E eu sempre percebi como é que o meio funcionava. Mesmo antes de começar a fazer televisão os meus pais já me tinham avisado. Para mim, é simples. É só não alimentar. Não fico muito contente com grandes elogios nem me deixo afetar pelas críticas, até porque vai haver sempre quem não goste. Foco-me em ser a melhor versão de mim mesma.”

Ainda mais neste Mundo cada vez “mais agreste”. “Por causa da minha vida profissional, não estou tão informada quanto gostava de estar, não sou uma pessoa super atenta à política mundial, mas sou uma pessoa consciente. E percebo que o Mundo é um lugar cada vez mais complicado para se estar.” O que a leva ao único desejo de Natal que tem para este ano. “Tolerância. Que sejamos todos mais tolerantes uns com os outros.”

*A realização do trabalho com Sara Matos contou com a colaboração do hotel EPIC SANA Lisboa.