O Mundo precisa de lobas
Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.
A sedução requer esforço e empenho e o namoro consiste em um homem andar atrás de uma mulher até ela o apanhar.
Há livros que mudam a nossa vida para sempre. Um deles foi “Mulheres que correm com os lobos. Mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem”, de Clarissa Pínkola Estés, que encontrei por mero acaso na Livraria da Travessa Ipanema, em 2015. Não sei explicar como acontece, mas é comum estar numa livraria e sentir um livro a chamar por mim. O Paul Auster diz que são as histórias que nos escolhem, eu acredito que o mesmo acontece com os livros.
Já por diversas vezes me debrucei sobre o impacto profundamente nefasto que o movimento do romantismo teve nas mulheres. Na Era Medieval, com os homens na caça ou na guerra, elas tinham de ser fortes, unidas no burgo, empunhando armas e lutando mano a mano, ou sozinhas contra eles. Contudo, desde o Renascimento que a mulher, ao ser retratada como ser frágil e etéreo, foi ficando cada vez mais encostada às cordas. Com a Inquisição e o Iluminismo tudo piorou. Se não fossem dóceis, devotas e virtuosas, rapidamente eram vistas como bruxas. Da acusação à sentença na fogueira era um ápice. E depois vieram as sofredoras tuberculosas que morrem de amor, as heroínas românticas. Mulheres fracas dão jeito a homens fracos que têm medo das mulheres.
Qual a origem deste medo? Luperca, a loba que alimentou Rómulo e Remo, nunca foi bem-vista. Lupanário era o nome dado às casas de prostituição na Roma Antiga. Uma mulher loba é sempre uma ameaça para os homens porque luta e caça como eles. Os homens admiram as mulheres fortes porque lhes transmitem segurança mas, como em tantas outras coisas na vida, é um sentimento ambivalente, em conflito profundo com o ego masculino; por um lado, gostam do colo protetor, por outro, o Mundo ensinou-lhes que devem ser sempre fortes, e sobretudo que uma mulher nunca pode ser, ou aparentar ser, mais forte. A questão é que ninguém consegue ser forte todos os dias. Por outro lado, o mito da princesa passiva e adormecida que espera o beijo do príncipe para a resgatar do tédio existencial provoca o bocejo geral por ser antiquado, desadequado e estar a milhas da realidade atual. Desde a segunda metade do século XX que mulheres ganharam terreno e voz. Infelizmente muitas esqueceram que o instinto predador masculino precisa de estímulo. O estímulo chama-se movimento, que gera interesse. A sedução requer esforço e empenho e o namoro consiste em um homem andar atrás de uma mulher até ela o apanhar. Então, como lidam os homens com a mulher sábia e livre? Como podem as mulheres conquistar o respeito dos homens sem que estes se sintam invadidos no seu território e nas suas esferas de poder? E como conseguir que o eterno masculino, habituado a milénios de domínio físico sobre a mulher, aceite a Mulher Selvagem, que luta pela sua vida e pela proteção e alimento das suas crias?
A estrada é longa para alcançamos a alteração do estatuto de Branca de Neve ou do Capuchinho Vermelho que escolhe o caminho errado para mulheres que correm com os lobos. Precisamos destas mulheres agora, mais do que nunca. São estas mulheres que desafiam Zabihullah Mujahid Akhundzada, líder supremo dos talibãs. E serão as autoras de uma das mais importantes revoluções do Mundo moderno.