O objeto escolhido pelo músico.
“Objeto que me acompanha desde a nada tenra adolescência, comprado em leilão entre amigos que iam viajar na fuga ao regime… Contundente, flecha de prata que tantas cartas revelou, boas e más notícias e sinas, amores e algumas imprecações, fanáticas ou burocráticas. Hoje os e-mails reduziram substancialmente o fluxo de correio tornando-o quase sentimental, residual: os impostos rasgam-se, as encomendas levantam-se e esta adaga, que exibe a sua serpente, acompanhou-me como arma de defesa e contra-ataque na solidão. E nas viagens também, chegando a ser confundida com uma força letal. Rasgou também papéis dando-lhes formatos no aproveitamento de tanta árvore desperdiçada em versos de folha sem verso impressa, desvendou livros antigos de páginas cosidas e coladas, este animal repousa por vezes qual fera esquecida, mas sempre atento a um novo segredo escrito, bendito e bem-vindo no mundo das letras e por vezes dos sons, pois saracoteia-se com as óperas e sinfonias, batuta metálica e imprudente. O seu veneno será sempre uma mistura de humor e mistério, num haraquíri incessante da sua ponta romba, na celebração da Palavra, essa festa de arromba.”
Músico
67 anos