O meu filho foi para a creche e está sempre doente. E agora?

Se tiver a sensação que o seu filho anda sempre adoentado, ou que está ininterruptamente constipado há meses, possivelmente é porque está mesmo

Não há como negar: o primeiro ano (sobretudo) é uma sucessão de maleitas. Mas não desespere. Saiba como escolher, o que fazer e, muito importante, com o que contar.

A licença parental está prestes a terminar, os avós estão longe ou ainda trabalham, ter orçamento para contratar uma ama a tempo inteiro é um cenário utópico. E então só resta uma opção: a creche. Ou o “infetário”, como provavelmente já ouviu chamar. Sendo que esta designação criativa tem a sua razão de ser. “Prepara-te, nos primeiros tempos a criança vai estar sempre doente.” Também já ouviu esta? Mais um vaticínio certeiro. Mas calma, a ideia não é contribuir para que os pais entrem em parafuso. Bem pelo contrário. O primeiro passo é, como lembra a pediatra Joana Martins, “saber o que esperar. Então vamos aos números: segundo estudos da Associação Americana de Pediatria, no primeiro ano de integração na creche (ou no jardim de infância, no caso de crianças que ficam em casa até essa altura), são expectáveis entre 10 a 16 infeções.

“Tendo em conta que estas infeções não se distribuem de maneira uniforme, porque são mais frequentes no inverno, temos uma média de uma infeção nova a cada duas semanas e meia. São infeções autolimitadas, na sua esmagadora maioria de causa viral. E cerca de dois terços de natureza respiratória.” Aqui entram tanto as infeções respiratórias das vias aéreas superiores (onde se incluem as constipações e as faringites) como as das vias aéreas inferiores (desde logo, as famosas bronquiolites). A este quadro de doenças mais comuns há ainda que juntar as famosas otites, as gastroenterites, a varicela, o “mãos-pés-boca”, entre outros. Portanto, se tiver a sensação que o seu filho anda sempre adoentado, ou que está ininterruptamente constipado há meses, possivelmente é porque está mesmo. “E é normal”, sublinha a clínica, numa tentativa de minorar a habitual aflição dos pais face às doenças.

Caldas Afonso, coordenador da Unidade de Pediatria do Hospital Lusíadas Porto, reitera esta ideia. “O bebé quando nasce, e ao longo da primeira fase do seu ciclo de vida, tem todas as funções extremamente subdesenvolvidas, nomeadamente o sistema imunitário, que é muito mais vulnerável. Quando vai para uma creche, a criança vai ser colocada numa sala relativamente pequena com outros miúdos, pelo que basta entrar um com um processo de natureza infeciosa para o contágio acontecer. Claro que com o tempo grande parte destas questões vão sendo resolvidas, mas no início estarão muito mais suscetíveis. É preciso encarar estas situações com a natural tranquilidade e desdramatizar.” José Coentrão, enfermeiro no serviço de urgência pediátrico do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde, diz mesmo que há duas formas de olhar para a questão: “Podemos pensar que estão sempre doentes ou que estão sempre a ganhar defesas”.

O papel dos pais

Admitamos: para quem está constantemente a receber chamadas da creche para ir buscar a cria porque está com febre, para quem agoniza porque os vê queixosos e não sabe o que fazer, para quem vislumbra noites ainda mais difíceis a acrescer às naturais vicissitudes do sono dos bebés, ter uma visão otimista não é assim tão simples (e se se tratar de uma mãe de primeira viagem ainda menos). Mas o que podem os pais fazer? Se a pergunta for o que podem fazer para evitar que os filhos fiquem doentes quando vão para a creche, a resposta é nada. Mas há cuidados que, em teoria, podem contribuir para aligeirar os problemas. Desde logo, ter em conta que, nas crianças como nos adultos, um sono de qualidade e uma alimentação saudável são bons amigos do sistema imunitário. Depois, notar que uma lavagem nasal adequada pode ser muito útil.

Caldas Afonso, também diretor do mestrado integrado de Medicina do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), explica porquê. “A principal complicação é que quanto mais pequena a criança é, menor é o espaço de circulação do ar, não só pela questão anatómica, mas também por causa das próprias adenoides [glândulas situadas na parte superior da garganta]. Havendo um processo infecioso inflamatório com secreções esse espaço vai ficar obstruído e vai provocar tosse. Por outro lado, por culpa das secreções, a drenagem do ouvido através da trompa de Eustáquio fica comprometida e há uma grande probabilidade de se desenvolver uma otite média aguda. Ou seja, muitas vezes temos uma infeção vírica, a criança começa por ficar ranhosa e se nada for feito rapidamente evolui para uma otite.” Daí que a lavagem nasal (com uma seringa própria, por exemplo, e soro morno) seja, no entender do especialista, crucial.

Joana Martins tem mais reservas. “Acho que é importante sobretudo por uma questão de bem-estar. Mas não é por lavar o nariz dez vezes por dia que vou conseguir evitar bronquiolites ou otites em todos os meninos. A frequência destes problemas também tem muito que ver com a natureza de cada criança, com o seu sistema imunitário, com a própria configuração facial. Se há uma criança que tem uma trompa de Eustáquio mais pequenina vai ventilar pior e vai haver um quadro mais favorável à otite.” A pediatra deixa ainda duas dicas que, no seu entender, são trunfos importantes para ajudar a prevenir infeções. “Mas que têm eficácia limitada”, ressalva. “A primeira é que os pais quando notam que a criança tem febre não devem aplicar um antipirético e levar para a creche, porque isso vai ter um impacto no bem-estar das outras crianças. A segunda é que as creches devem ser o mais arejadas possível. E que as crianças devem passar o máximo de tempo no exterior. Além de que a higienização dos espaços deve ser frequente.”

Lavar, compartimentar, formar

José Coentrão, responsável pela Escola de Pediatria, onde é um dos formadores do curso “Prevenção e controlo das infeções em instituições escolares”, também dá ênfase a esta questão. “Há um trabalho de raiz que é preciso ser feito, que passa por adotar um conjunto de estratégias que diminuam o risco. Desde logo, a lavagem das mãos, dos profissionais e dos meninos, antes e depois de cada procedimento em que haja contactos com fluidos corporais. Seja a dar a refeição, a assoar ou a mudar a fralda.” Entre outros passos que podem ser úteis. “Compartimentar tarefas – ou seja, a pessoa que troca fraldas não ser a mesma que os alimenta -, excluir os brinquedos de peluche, implementar o uso de material descartável. E, claro, apostar na formação e na informação sobre estes assuntos.”

Joana Martins chama ainda a atenção para um outro ponto. “À partida, a diferença no número de infeções entre um bebé de quatro meses que vai pela primeira vez para a creche e uma criança de três anos que vai pela primeira vez para o jardim de infância não será grande. A grande diferença é o consumo de cuidados de saúde que isso acarreta. Porque uma criança de três anos expressa-se bem. E, portanto, o nível de stress dos pais vai ser consideravelmente mais baixo e não precisam de ir a correr para as urgências.” A pediatra alerta ainda para a existência de “estudos que mostram que quanto mais cedo é a integração na creche, maiores são os gastos com cuidados indiretos e o absentismo dos pais”. “Evitamos os custos com licenças parentais mais longas, mas depois esses custos são ampliados em urgências pediátricas, muitas vezes desnecessárias, porque, em Portugal, também há uma grande falta de cultura para a saúde.” Razões de sobra para pôr o dedo na ferida. “A creche é uma invenção da sociedade para colocar os pais no mercado de trabalho o mais depressa possível. E temos de pensar no que queremos para nós enquanto sociedade. Até porque uma criança com menos de dois anos e meio ainda não está numa fase de socialização. Até lá, precisa é de cuidadores que olhem por ela, de colo, de mimo.”