Valter Hugo Mãe

O medo de Ignácio de Loyola Brandão


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

A população sonha com sair do país, viver à distância, voltar a sentir esperança. Por estes dias, o discurso do desesperado presidente consumou o que sempre se intuiu, declarando que não confia nas eleições e que não as respeitará.

De há uns anos para cá, ouço o grande Ignácio de Loyola Brandão dizer que tem medo. Promete pegar todas as suas coisas, fugir para minha casa, esconder-se e esconder quem ama, a salvo do governo do seu país. Ele, que lutou contra a ditadura, escreveu tudo contra a ditadura, observa o regresso do horror totalitarista com a perplexidade ofendida de quem se sente desprezado.

Bolsonaro sabe de todas as sondagens acusando a sua derrota nas próximas eleições, mais do que isso, sabe que a multidão se levanta de anos de empobrecimento acentuado. A queda da economia brasileira é imensa, não há como mascarar o desastre. A população sonha com sair do país, viver à distância, voltar a sentir esperança. Por estes dias, o discurso do desesperado presidente consumou o que sempre se intuiu, declarando que não confia nas eleições e que não as respeitará.

Aquando das eleições que lhe deram a vitória, escrevi um apelo para que se cuidasse acima de tudo da democracia. O descontentamento com o PT não podia ter como resultado a opção pela ditadura, porque isso jamais seria uma punição para Dilma, Lula ou outro político qualquer. Isso seria a sangria do próprio povo. O povo, encurralado em seus poucos dinheiros, incapaz de mudar de vida, escolher melhor, é sempre a vítima de qualquer regime de prepotência.

Nessa altura, foi quando Loyola Brandão me disse primeiro que tinha medo. Começou ali, ao ver que a população munida de seus fígados votaria na mais aberrante oposição ao PT. Uma oposição sem argumento nem propósito, montando apenas o circo de ameaça e violência que fazia crer numa certa de ideia de vingança. Loyola Brandão tinha medo que, para se vingar, o povo brasileiro escolhesse pagar com seu próprio sangue. Assim foi. Assim tem sido.

Eu não acredito que as vozes dos que avisam sirvam de muito, porque as gerações sucedem-se e parecem necessitar de cometer seus erros, sem grande serventia dos exemplos colhidos pelos erros cometidos e testemunhados pelos mais velhos ou pela História. Contudo, só posso admirar as bravas pessoas que não se calam, que usam quanto tenham para o protesto a favor da humanidade, a favor da decência.

O medo de Loyola Brandão não é fuga alguma. Muito ao contrário. É ataque. É manifesto para alertar quantos possam ajuizar-se. O seu medo é um grito. Um persistente grito que impõe sua voz acima de qualquer ameaça e mancha de vergonha aqueles que a levam a cabo. É por lúcida consciência que o grande escritor obriga a falar de medo. É por bravura que se coloca como aquele que suplica por outra política que não esta. Este é um medo que debate, que solicita responsabilização daqueles que planeiam o golpe e daqueles que assistem quietos, deixando que tudo verta precipício abaixo.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)