Margarida Rebelo Pinto

O inferno é já ali


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Desenganem-se aqueles que pensam que o Irão é longe e que a Ucrânia também. As atrocidades de uma religião misógina ou de uma guerra podem suceder longe no mapa, mas estão mais perto do que nunca.

132 é um número que nada nos diz. No Irão corresponde às mulheres que já foram executadas desde 2013. É apenas um número oficial, a ponta de um iceberg de uma barbárie sem fim. O Irão é o país do Mundo com mais mortes por execução e o país que executa mais mulheres. A maior parte das execuções não-oficiais mantêm-se secretas. O regime iraniano usa a pena de morte como castigo. De uma forma discriminatória, este castigo é aplicado a minorias religiosas e étnicas, a dissidentes políticos e a mulheres. Muitas das mulheres executadas foram vítimas de violência doméstica que tentaram defender-se dos seus agressores.

Yasaman Aryani tem 24 anos, está presa na prisão de Kachuei na cidade de Karaj com a sua mãe. Em 2019, a jovem foi acusada de atos de conspiração contra a segurança nacional, propaganda contra o Estado e incitamento à prostituição e à corrupção. Afinal, o que fez esta jovem que possa ter sido considerado tão grave? Gravou um vídeo sem o tradicional hijab (lenço islâmico) que o Governo obriga as mulheres a usar, no qual dizia, com o mais feliz e luminoso dos sorrisos: “A chuva é tão bela, porque usaria o hijab? Estou a divertir-me e convido todas as raparigas a tirarem os seus hijabs e a saborearem a chuva da primavera”. Nesse mesmo ano, no Dia Internacional da Mulher, Yasaman e a sua mãe ofereceram flores no metro a outras mulheres. Iam de cabeça descoberta e é esse o crime pelo qual enfrenta uma pena de 16 anos. Desde que foi presa, a jovem já foi por várias vezes atacada. Nas prisões iranianas é comum as mulheres baterem em outras, incitadas ou pagas pelos guardas prisionais.

Atena Daemi é uma ativista iraniana defensora dos direitos humanos e dos direitos das crianças. Foi presa pela primeira vez em 2014 por distribuir panfletos contra a pena de morte e por criticar no Twitter e no Facebook as execuções no Irão. Foi acusada de conspiração contra a segurança nacional e de espalhar propaganda contra o sistema e condenada a 14 anos de prisão, de onde escreveu cartas denunciando as condições sub-humanas a que era sujeita. Libertada em fevereiro de 2016, voltou a ser presa em novembro desse ano e cumpriu cinco anos. Antes de ser libertada, foi de novo condenada a mais cinco anos e a 74 chicotadas.

A opressão na cultura muçulmana não conhece fronteiras. Nas cidades da Europa onde comunidades islâmicas se instalaram, as leis do Corão falam mais alto. Estas ilhas culturais e religiosas mantêm-se isoladas, desligadas dos costumes dos países onde se instalaram. As histórias de violência e de subjugação multiplicam-se. A culpa é do Corão que dita que a mulher no Islão tem um papel de sujeição ao homem, não goza de nenhum tipo de autonomia e o marido tem autoridade sobre ela. Desenganem-se aqueles que pensam que o Irão é longe e que a Ucrânia também. As atrocidades de uma religião misógina ou de uma guerra podem suceder longe no mapa, mas estão mais perto do que nunca. O inferno é já ali e também é aqui, num bairro próximo, a duas ruas da nossa pacata existência. Enquanto isso, Yasaman continua encarcerada por andar de cabeça descoberta.