O futuro também se costura lá fora

Filipa Maia gosta da manipulação têxtil, de explorar silhuetas e contrastes. Diogo Moreira interessa-se pela funcionalidade dos materiais, pelo que é possível criar. Inês Reis Santos vive fascinada pela arte de agulhas e linhas desde criança. Vitória Freitas alarga horizontes numa universidade da Finlândia. Quatro portugueses, quatro alunos, quatro experiências de estudar Moda fora do país.

Na descrição do interior da escola, percebe-se o contentamento. “As salas são grandes ateliês com máquinas de costura, de corte e cose, de malhas. São máquinas topo de gama, material não nos falta.” Filipa Maia tem 21 anos, é natural da Trofa, frequenta o mestrado de Design de Moda na Polimoda, Escola de Moda em Florença, Itália, no top 10 das melhores do Mundo, das mais reputadas da Europa. Chegou no fim de setembro, as aulas começaram pouco depois, início de outubro, não há muito, e as dúvidas habituais dissiparam-se rapidamente. “Conheci pessoas de outros países, professores com muita experiência na área, está a ser uma experiência boa”, conta desde Florença, durante uma conversa por videochamada.

Diogo Moreira tem 21 anos, é de Guimarães, está na mesma escola de Filipa, numa outra turma do mestrado de Design de Moda da Polimoda. São oito alunos, é o único português, mais um rapaz chinês, uma rapariga francesa, outra do Uzbequistão, outra da Jordânia e três chinesas. As aulas são dadas em inglês. Tal como Filipa, está contente com as instalações. “Temos uma biblioteca extraordinária, dizem que é a maior biblioteca de Moda da Europa, é um labirinto sem fim, cada canto é dedicado a um tema específico e tem tanto para ver.” A universidade tem três polos, um num edifício do século XVII, outro numa antiga fábrica de tabaco recuperada, onde funcionam os laboratórios de Moda e com estúdios de trabalho no último andar, e um outro edifício, fora da cidade, mais dedicado às peles e ao calçado.

Inês Reis Santos está em Milão para um curso de Moda de três anos

Inês Reis Santos também está em Itália, mais a norte, em Milão. Sempre gostou de costurar, fascínio por agulhas e linhas desde pequena, aos dez anos já pesquisava workshops da arte. Ainda hoje se perde, com todo o prazer, em lojas de tecidos. Com o 9.º ano concluído, optou pela via profissional, curso técnico de Design de Moda na Escola Profissional Magestil – Escola de Moda de Lisboa. Três anos focada na sua área, dedicada à sua paixão. Não havia dúvidas. E depois? Depois ir para fora, cá não era bem a mesma coisa. “Moda, em Portugal, não é algo que seja muito profundo”, comenta. Pesquisou pelo Mundo, a Europa pareceu-lhe melhor, apresentou o portefólio a três faculdades, duas em Itália, uma em Paris – e que trabalheira que foi, ainda a acabar o Secundário, tratar de tudo, pedir cartas de recomendação, preparar três candidaturas. Entrou nas três faculdades, pôde escolher, optou pelo IED – Instituto Europeu de Design em Milão, mudou-se para Itália em meados de setembro, as aulas da licenciatura em Design de Moda começaram há dias, na semana passada, foi participando em várias atividades de intercâmbios entre alunos universitários. “É mesmo uma aventura que me vai abrir portas, tanto a nível pessoal, como profissional.” Inês tem 18 anos e é de Lisboa. “É um crescimento pessoal gigante”, diz.

Outros ambientes, novos colegas, mais contactos

Vitória Freitas está a estudar Design na Aalto Universidade da Finlândia, a 20 minutos da capital Helsínquia. Ainda pensou num curso de Design de Moda ou numa formação na área têxtil na Suécia, até que virou as agulhas para a licenciatura de três anos no norte da Europa. Mudou-se em agosto, as aulas começaram no início de setembro, o primeiro período, bastante intenso e trabalhoso, está prestes a terminar, terá mais quatro durante este ano letivo.

Vitória, 20 anos, de Lisboa, resolveu alargar conhecimentos num curso mais abrangente, de Design, para perceber o que realmente quer seguir, afunilar hipóteses. A licenciatura tem Moda no plano curricular, com workshops dedicados à cerâmica, ao têxtil, à madeira, ao vidro e a muitas outras áreas. “Dá para experimentar um bocadinho de tudo”, garante ao fim de um dia passado na universidade à volta de trabalhos. Vitória acaba de terminar um projeto de impressão 3D para fazer um candeeiro. Outros desafios se seguirão nesta turma de 40 alunos e mais de 20 nacionalidades numa universidade que tem vários campus, muitos espaços verdes, e onde se ouvem várias línguas.

Vitória Freitas, de Lisboa, está a estudar Design na Finlândia. Decidiu abrir o leque de possibilidades, alargar horizontes, perceber qual o caminho que quer seguir. Três anos num curso que toca em várias áreas do conhecimento

“Estou a gostar muito, um ambiente internacional, interesses diferentes, os professores são excelentes, preocupam-se muito não só com o que estamos a aprender e a fazer, como com o bem-estar dos alunos”, revela. “Acontecem muitas coisas ao mesmo tempo, vive-se muito o ambiente universitário”, acrescenta.

Cabe muita coisa nesta experiência de estudar fora do país, confessa Diogo Moreira durante uma videochamada. A vida fora de casa dos pais, uma outra cidade, um outro país, um novo ambiente, novos colegas, contactos que se fazem, perspetivas que se abrem. Há muito mais para lá dos dias da universidade. Tudo o que está à volta. E tudo lhe interessa, tudo lhe importa.

Diogo estudou artes visuais no liceu, frequentou um ano do curso de Design de Produto na ESAD – Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos, mudou para Moda na mesma faculdade, está agora em Florença. Ainda pesquisou uma escola em Paris e outra em Londres, optou por Itália. Investigou, admite, o percurso de quem vai ensinar, tem uma professora que dá aulas em Nova Iorque, outros docentes que trabalham com grandes marcas e empresas. “São professores com muita carga de experiência e de trabalho.” E isso significa horizontes mais amplos, mais contactos. Em Florença, vê outra tipologia de ensino, outros métodos, e mais tempo dedicado a acompanhar quem aprende.

Filipa Maia sabe o que lhe espera. Fashion Design é a disciplina principal, tem também Ilustração e Design Gráfico no plano curricular, e dois grandes projetos de trabalho pela frente. O primeiro, mais concetual, será desenvolvido até fevereiro, o segundo a partir daí até junho. É mestrado para pôr mãos na obra. “É completamente prático”, confirma. Filipa também fez as malas por isso. São nove meses e depois a possibilidade de estágio numa outra parte do Mundo, pelos contactos que a escola de Florença mantém com outros países. Tudo isso lhe agrada. A cidade que respira arte por todo o lado, um país com tradição em moda, as conversas com os colegas de várias latitudes que partilham conhecimentos e opiniões, visões e perspetivas. “Não é só pelo que vou aprender, estar num ambiente destes dá-me a possibilidade de ter muitos contactos”, sublinha.

Neste momento, Diogo, ainda com poucas semanas de aulas, está na parte da pesquisa, no desenvolvimento de um conceito. Tem de escolher uma subcultura e um artista contemporâneo de pintura, escultura, fotografia, o que seja. “Gosto muito de explorar estruturas e funcionalidades”, destaca. Em Portugal, durante a licenciatura desenvolveu mecanismos elétricos e tintas que desapareciam com o calor para algumas das suas peças. Interessa-lhe essa diferença e a criação na exploração têxtil, no que a moda pode trazer de novo – e não lhe digam que já está tudo inventado ou criado, senão nada se cria. O futuro logo se verá. “Vamos ver o que é que acontece, quero ganhar experiência com outras pessoas e mais tarde fazer um trabalho meu.” O designer Chalayan é uma referência.

Diogo Moreira, de Guimarães, chegou este ano a Florença. Está no mestrado de Design de Moda, numa turma de oito alunos, é o único português

Inês espera muito trabalho no ano letivo que começa. “Iremos colaborar com várias marcas e fazer imensos projetos.” Há muito para fazer, muito para pesquisar, o futuro não é já amanhã. Inês gostaria de ter a sua própria marca, mas antes disso há um caminho a fazer. “Primeiro, gostava de trabalhar com outras marcas, com outros criadores, e ver como é o mundo do trabalho”, adianta. Só depois trilhar o seu próprio caminho. O designer Alexander McQueen ocupa um lugar especial na sua lista de criadores que inspiram, sobretudo pelo processo, da conceção à peça final.

O processo, o fascínio, a criatividade e a técnica

Filipa Maia andou pelos caminhos da arte no Secundário, artes na Escola Artística Soares dos Reis, no Porto, liceu concluído, decidiu-se por Belas Artes na faculdade. Um ano de curso e percebeu que queria mudar, experimentar a área de Moda. Três anos de licenciatura na ESAD – Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos. “Aprendi imenso.” E soube que estava no seu caminho. “Na licenciatura, aprendi as bases ideais para vir para aqui [Florença], para dar este passo”, realça.

A saída de Portugal foi pensada, maturada. “Queria aplicar os meus conhecimentos a nível de moda, moda. A ficar em Portugal, seria mais um trabalho na indústria têxtil”, explica. A moda, em seu entender, é muito mais do que isso. Licenciatura terminada, algumas pesquisas online, em janeiro estava num open-day na Polimoda para confirmar que era mesmo assim, que era mesmo aquilo, que era mesmo ali.

Pés ao caminho e mãos à obra. O trabalho começa, no primeiro projeto Filipa tem de desenvolver uma coleção, talvez seja de mulher ou unissexo, ainda não sabe bem, vai desenhar, ilustrar, concetualizar a sua ideia, dedicar-se aos protótipos, pensar nos materiais, testar tecidos. No segundo projeto, arregaçar as mangas e tratar da confeção da coleção nessas grandes salas com máquinas à disposição. Há referências e nomes que lhe tocam de uma maneira especial como Schiaparelli, Prada de homem, a alta-costura de Valentino, algumas marcas japonesas. “Sei do que gosto, mas ainda é cedo para definir um estilo.” Gosta da manipulação têxtil, explorar tecidos, estruturas, silhuetas, contrastes. Ir experimentando, vendo como funciona, explorando formas no corpo, com calma. “Estou a explorar e a pisar terreno. Não me imagino a ter marca própria. Vou descobrindo e explorando, vou vendo como funciona.”

Filipa Maia, da Trofa, frequenta o mestrado de Design de Moda da Polimoda, em Florença, uma das escolas mais conceituadas da arte. Neste ano letivo, tem dois grandes projetos para idealizar e produzir uma coleção

Ainda falta tempo de aulas e construir uma coleção de raiz. Filipa pondera um estágio depois do mestrado em Florença num outro país. Tudo em aberto, portanto. Há, porém, uma espécie de aviso em jeito de conselho. Estudar Moda e trabalhar em moda não têm nada a ver. São coisas totalmente diferentes.

Vitória tem o curso técnico de Design de Moda da Escola Profissional Magestil – Escola de Moda de Lisboa, com equivalência ao 12.º ano. Terminou a formação, fez um “gap year” de quatro meses, surgiu um trabalho numa fábrica de lingerie e fatos de treino, onde esteve a criar moldes durante ano e meio. Sentiu que queria voltar a estudar, começou a procurar até chegar à Finlândia. Na moda, interessa-se pelo processo, pelo impacto, pela sustentabilidade, pela estética, pelas cores, pelas imagens. Tudo a fascina do início ao fim. A parte criativa, a parte técnica. Todo o caminho, da pesquisa à peça final. Vitória confessa que está a explorar possibilidades, a absorver tudo o que a experiência lhe está a dar, os conhecimentos dentro e fora da universidade. Está tudo em aberto. A procura tem várias curvas, encontros e desencontros. “Quanto mais descubro possibilidades, menos certezas tenho.” Faz parte. Neste momento, Vitória não sabe se, um dia, regressará a Portugal. O futuro lhe dirá.