Margarida Rebelo Pinto

O fator fase


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Quantas vezes, anos depois de alguém nos ter partido o coração, demos graças a Deus por termos sido obrigados a escolher outro caminho? Quando uma relação não funciona é porque não tem pernas para andar. Mas nós temos.

Houve um tempo em que as pessoas me irritavam quando diziam que estavam a passar uma fase. Soava-me a conversa fiada, sobretudo quando elaborada por elementos do sexo masculino, usada como argumento para a não assunção de um compromisso. É sabido que não existe nenhuma diferença entre uma razão e uma desculpa, por isso uma fase menos boa é sempre o perfeito álibi, seja para continuar na caverna a lamber as feridas de um desgosto amoroso, ou por ter estado demasiado tempo acorrentado a uma relação insatisfatória. Na verdade, o que mais me incomodava era a hipótese plausível e legítima de eu representar uma fase na vida de alguém, esquecendo-me que, para o meu bem e para o bem da humanidade, o outro também seria apenas uma fase da minha existência.

Depois de todos termos passado por alguns desgostos, atropelos, equívocos, erros de casting, histórias de amor que se sublimaram em fortes amizades uma ou duas décadas depois e outras, que morreram na praia e sobre as quais nem uma troca cordial de palavras é possível, aprendemos a relativizar esta coisa do amor. Quantas vezes, anos depois de alguém nos ter partido o coração, demos graças a Deus por termos sido obrigados a escolher outro caminho? Quando uma relação não funciona é porque não tem pernas para andar. Mas nós temos. Avançar pelo futuro adentro é a única solução, porque o que vem a seguir, ou é sempre melhor, ou muito melhor. E quem não avança, corre o risco de perder o melhor que a vida ainda tem para oferecer.

A vida mostrou-me que há fases para tudo; para construir ou só para curtir, para abrir o coração ou para o manter fechado numa caixa, para sonhar com o futuro ou para viver o dia a dia. O mais difícil não é gostar do outro e que o outro goste de nós, porque isso não é fácil nem difícil, ou acontece ou não acontece. Difícil é quererem ambos as mesmas coisas, ao mesmo tempo. E é aqui que o fator fase entra com grande peso e pertinência, porque a realidade é evolutiva, o que é importante para nós hoje pode não o ser amanhã, e nem todos queremos o mesmo de uma relação. Além disso, aquilo que mais desejamos nem sempre é sinónimo do melhor para nós. Precisamos de sofrer uns quantos trambolhões para aprendemos a gostar daquilo que nos faz bem.

Não basta querer, é preciso jogar limpo, ter tempo, vontade, confiança no outro e a autoestima no lugar para que as coisas aconteçam. É preciso jogarem os dois na mesma equipa, sem mais elementos, acreditando que o pleno é possível e que o todo é maior do que a soma das partes. Onde cada um se posiciona também define em que fase está, que estilo de aproximação tem, se chuta desde o meio-campo ou se prefere passar a bola, se está sempre à defesa, ou se é adepto do banco dos suplentes. Até aparecer alguém mais forte do que todas as dúvidas, que nos faça vestir a capa de um super-herói, alguém que jogue para ganhar, independentemente da fase em que acreditamos estar. O timing também conta, mas não é tudo, porque o tempo também é o que fazemos dele. E depois, como em tudo na vida, é preciso ter sorte.