Margarida Rebelo Pinto

O anjo negro


Crónica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Jeffrey era um predador narcisista incapaz de sentir empatia pelas suas vítimas. Ghislaine não lhe ficava atrás, escolhendo alvos vulneráveis, prometendo-lhes sonhos e uma falsa segurança.

Virginia Giuffre é um nome que pouco diz aos portugueses. Reapareceu esta semana na imprensa mundial, acusando o príncipe André de abuso sexual, quando era menor de idade. Virginia terá sido uma das peças fundamentais para o veredicto do julgamento de Ghislaine Maxwell, filha do magnata dos media Robert Maxwell e ex-namorada do milionário Jeffrey Epstein. Embora não tivesse estado presente, o nome da vítima foi citado mais de 250 vezes. A britânica de 59 anos foi considerada culpada de cinco crimes, entre os quais tráfico sexual de menores.

Virginia tinha 16 anos quando foi aliciada por Ghislaine para ser massagista de Jeffrey, que abusou sexualmente da menor em inúmeras sessões e com quem manteve uma relação doentia durante cerca de quatro anos. A americana, que hoje reside na Austrália, representa uma pequeníssima ponta do grande iceberg. Estima-se que centenas de adolescentes terão sofrido abusos sexuais nas garras de Jeffrey, atraídas pelo charme e simpatia da namorada deste.

Nos anos em que esteve envolvida na teia infernal, conta que Ghislaine fazia questão de lhe transmitir que tudo era normal, levando-a a jantar fora, comprando-lhe presentes e prometendo-lhe o diploma de massagista profissional. A sua capacidade de normalizar comportamentos desviantes era tão potente quanta a de Jeffrey de manipular crianças e adultos. Foi durante esse período que conheceu o príncipe André, amigo de Jeffrey, que a terá cedido como carne para canhão na casa de Ghislaine em Londres.

Ghislaine era a namorada perfeita para Jeffrey, um self made man que fez fortuna de várias formas, todas elas misteriosas e/ou duvidosas, que incluíram o roubo de 46 milhões de dólares a Lesley Wexner, dono de um império de marcas de roupa, entre as quais a Victoria’s Secret. O que a levou agir de forma tão ignóbil e desumana? Jeffrey era homem rico e poderoso, à imagem do pai, que ela adulava e a quem atendia todos os caprichos. No dicionário da Porto Editora, a definição de perversão inclui: ato ou efeito de perverter; mudança para mal; desvio daquilo que é considerado bom, correto ou razoável. O comportamento de Ghislaine ao longo de mais de uma década foi tudo isto e muito mais.

Aquando da condenação, não mostrou o mais leve sinal de arrependimento. Virginia disse à imprensa: “Ela é pior do que ele”. Jeffrey morreu na prisão em 2019, enquanto aguardava julgamento. A acusação da sua maior cúmplice seria apenas uma questão de tempo. Foi detida em julho de 2020, na sua mansão em New Hampshire, comprada por um milhão de dólares em dinheiro vivo.

Virginia descreve-a como uma mulher bonita, sofisticada e calorosa. O sotaque britânico e o nome sonante compunham o quadro perfeito de uma predadora perversa que veste a pele do cordeiro e faz o jogo do polícia bom. E jogou-o incontáveis vezes, angariando as vítimas que acabavam por ser violadas às mãos de Jeffrey, atos nos quais por vezes também participou.

Jeffrey era um predador narcisista incapaz de sentir empatia pelas suas vítimas. Ghislaine não lhe ficava atrás, escolhendo alvos vulneráveis, prometendo-lhes sonhos e uma falsa segurança: um diploma, uma vida de luxo, estadias na ilha privada e viagens à Europa num dos dois aviões privados do milionário, um dos quais um Boeing 727, ao qual Jeffrey chamava Lolita Express.

Ghislaine enfrenta uma pena que pode ultrapassar os 50 anos. Tudo indica que o julgamento do príncipe André será também uma questão de tempo, num Mundo em que os príncipes viram sapos e os anjos negros pairam sobre a humanidade.